Para saber quanto tempo Eduardo Miguel Abib, 27 anos, permanecerá na cadeia, a Justiça terá de retomar duas discussões fundamentais nos crimes de trânsito no Brasil. Primeiro: é possível condenar um motorista por homicídio com dolo eventual? Segundo: provas testemunhais são suficientes para isso? Abib foi preso em flagrante na madrugada desta segunda-feira depois de se envolver em um acidente no bairro Batel, em Curitiba, em que quatro pessoas morreram e uma ficou ferida.
Se for considerado um caso de homicídio culposo, como normalmente ocorre em acidentes de trânsito, o motorista poderá pegar pena de quatro anos, podendo ir no máximo a seis dependendo das circunstâncias. Mais do que isso, apenas se o Judiciário entender que houve dolo eventual. Ou seja: se houver prova de que o motorista sabia que havia risco de morte, mas continuou tendo conduta perigosa.
Para configurar o homicídio por dolo eventual no acidente da última segunda-feira, o delegado Armando Braga, titular da Delegacia de Trânsito, reuniu três fatores: embriaguez, desrespeito ao sinal vermelho e excesso de velocidade. Todos os itens foram comprovados por provas testemunhais Abib recusou-se a fazer o teste do bafômetro ou exame de sangue. Para o delegado, o depoimento das testemunhas será suficiente.
Parte dos juristas, porém, defende que o homicídio por dolo eventual não pode ser aplicado aos crimes de trânsito. A justificativa é que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) traz em seu artigo 302 a previsão expressa do homicídio culposo na direção de veículo.
Foi com o intuito de tornar a sanção mais severa que as autoridades judiciárias passaram a aplicar a figura do crime de homicídio por dolo eventual, previsto no Código Penal. Nesses casos, a pena subiria para algo entre 6 a 20 anos.
De acordo com o advogado criminalista Francisco do Rego Monteiro Rocha Júnior, professor de Direito Penal da Unibrasil e coordenador da pós-graduação em Direito Penal da Academia Brasileira de Direito Constitucional, há uma tendência de alguns juízes classificarem como dolosos alguns crimes de trânsito mais graves. "É algo que não existia há 15 anos. O caso patente e notório é o do ex-deputado Carli, que está respondendo por homicídio", afirma. A classificação pode ser dada pelo próprio juiz.
Apesar dessa tendência, o especialista afirma que a caraterização de acidentes como crime de dolo eventual não é tão simples. "Para fazer a distinção entre o crime culposo e o crime doloso entra única e exclusivamente o aspecto subjetivo, se a pessoa representava mentalmente ou não a possibilidade da ocorrência do resultado. E não há como entrar na cabeça da pessoa para saber".
Lei seca
Outra discussão jurídica diz respeito à forma de se comprovar que o condutor dirigia embriagado, em alta velocidade e se furou o sinal vermelho, o que demonstraria, no caso de Abib, o dolo eventual. Apenas a prova testemunhal seria válida? Desde a lei seca, em 80% dos casos em que houve recusa do condutor para realizar o teste do bafômetro ou exame de sangue, os tribunais brasileiros não condenaram os motoristas pelo crime de excesso de alcoolemia.
Para o penalista Aldo de Campos Costa, a prova técnica é exigida apenas para a configuração do crime de embriaguez. No caso de morte, o crime de homicídio se sobressai, necessitando para a configuração do dolo eventual apenas a comprovação testemunhal da conduta do agente no sentido de assumir o risco do resultado. "Nesse caso, não entra a lei seca. É homicídio. O fato de estar alcoolizado serve para o aumento da pena."
Rocha Júnior entende que as provas testemunhais sobre a ingestão de bebidas alcoólicas, o excesso de velocidade e o desrespeito ao sinal vermelho são plenamente válidas para fins criminais. "A prova cabal da embriaguez seria através dos exames de dosagem, mas se isso não foi possível a prova testemunhal é válida."
O advogado Marcelo Araújo, professor de Direito do Trânsito na UniCuritiba, tem entendimento diferente. Segundo ele, para fins criminais, o desrespeito ao sinal vermelho pode ser caracterizado por prova testemunhal, mas o excesso de velocidade e a embriaguez podem exigir provas periciais. "A prova pericial pode envolver o arrastamento do pneu e a deformação dos carros."
Em relação à ingestão de bebidas alcoólicas, Araújo faz uma distinção: ele entende que o testemunho do agente de trânsito é válido para ações administrativas, como a suspensão da carteira, mas que perde força nos tribunais. "Na parte criminal, os juízes têm decidido que, se não tiver o resultado (do teste), não tem crime."