“Eu só queria me despedir da minha mãe e dos meus irmãos”. A frase ilustra o sentimento da jovem Gisele Santos, 22 anos, no momento em que estava caída em sua casa, sozinha, com as mãos, o pé esquerdo e parte do direito decepados e cortes profundos por várias partes do corpo. Ela chegou a acreditar que vivia seus últimos instantes, após ter sido atacada brutalmente pelo companheiro, a golpes de facão.
Gisele por pouco não engrossou a lista das vítimas de feminicídio e ficou com graves sequelas. Por questões de segurança, ela deixou São Leopoldo, na região metropolitana de Porto Alegre, e foi para uma cidade distante.
A jovem lembra com detalhes o drama vivido no dia 2 de agosto, na casa em que ela e o então companheiro, Élton Jones Luz de Freitas, 26 anos, moravam, na Rua Alberto Link, no Bairro Vicentina, em São Leopoldo. Tentando salvar a própria vida, ela chegou a se fingir de morta. Depois, foi considerada morta pelo agressor e por algumas vizinhas, que deixaram de socorrê-la. Por fim, acreditou que realmente morreria.
Violento como nunca
Gisele admite que as brigas do casal não eram fato incomum. Principalmente depois que passaram a morar somente os dois, havia dois meses. Antes, residiam com a família dela. No total, a relação já durava sete anos.
“A gente tinha várias brigas e todas as vezes que ele me bateu, eu revidei. No domingo (dia 2) pela manhã a gente brigou e eu disse pra ele sair de casa. Ou sairia ele, ou sairia eu. Ele começou a chorar e a me pedir perdão”, conta.
Decidida, ela tentou sair da casa, mas Élton a teria impedido, colocando um cadeado na tranca da porta. Gisele, então, tentou ligar para a mãe, mas também foi impedida pelo companheiro, que avançou sobre ela, tirando-lhe o celular.
Quando Élton apareceu com o facão na mão, Gisele não acreditou que ele fosse usá-lo para agredi-la. O rapaz deu-lhe um primeiro golpe na cabeça. Na sequência, foram vários outros.
“Eu coloquei a mão na cabeça, vi que tava sangrando e disse para ele: ‘Não acredito que tu teve coragem de fazer isso. Abriu minha cabeça’”, lembra.
Antes de sair, acreditando que a companheira realmente estivesse morrendo, Élton ainda teria tripudiado. “Ele disse: ‘Eu to indo lá me despedir da minha mãe. Vou dar um beijo e um abraço nela porque sei que vou ser preso. E tu tá morta, desgraçada’”, conta.
Após a saída do companheiro, Gisele, além do sofrimento com a dor, viveu momentos dramáticos pela demora no socorro. Ela calcula que tenha ficado cerca de dez minutos gritando, até que uma vizinha teve coragem de entrar na casa. Acreditando que estivesse morrendo, Gisele implorou. “Eu dizia pra ela: ‘Vizinha, vizinha, eu só quero me despedir da minha mãe e dos meus irmãos’”, recorda.
Duas mulheres que, para Gisele, eram da igreja da comunidade, entraram na casa.
“Eu só enxerguei a saia delas. Elas me olharam e disseram para a vizinha: “Não tem como fazer mais nada no estado em que ela está. E não podemos mexer na cena do crime”. E todas saíram, me deixando ali sozinha. Minha mãe, que estava em Sapucaia, foi para São Leopoldo e só cinco minutos depois dela é que chegou o Samu”, queixou-se.
“Quero a justiça de Deus”
Na noite do mesmo dia do ataque, Élton apresentou-se à polícia. Foi à delegacia de São Leopoldo, relatou o que havia feito, mas alegou que “não estaria suportando mais as agressões que sofria da companheira”. Não convenceu e foi autuado em flagrante por tentativa de homicídio. E segue no Presídio Central.
Gisele ficou quatro dias internada, em estado grave, na UTI do Hospital Centenário, em São Leopoldo. Foi submetida a cirurgias para reimplante dos pés. Em relação às mãos, a recomposição não foi possível. Após mais dois dias em um leito do hospital, Gisele recebeu alta.
Os pés, ainda que recompostos, correm o risco de sofrerem rejeição. Para as mãos, a única solução é a substituição por próteses, mas, de acordo com uma familiar de Gisele, as peças custam entre R$ 24 mil e R$ 26 mil cada.
Bastante traumatizada, ela ainda tenta se recuperar psicologica e fisicamente. Em relação ao ex-companheiro, ela só espera justiça. “Eu perdoo pelo o que ele fez. Eu só quero que ele fique preso até pela minha segurança e para pagar pelo o que fez. Quero a justiça de Deus”, resume.
Corrente solidária
Amigos e pessoas que se sensibilizaram com o seu drama tentam ajudá-la. Em Canoas, o músico Sergio Mossmann, da banda The Prozak Park, está organizando um show com as participações de outros grupos para arrecadar doações ou dinheiro para ajudar Gisele. Enquanto isso, pelo Whatsapp (51) 8324-0378 e pelo Facebook, ele organiza doações de fraldas e lenços umedecidos, que estão sendo usados por Gisele na recuperação.
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