Resumo desta reportagem:
- Quatro perfis de fofoca que, juntos, somam aproximadamente 50 milhões de seguidores nas redes sociais divulgaram fake news sobre redução da desigualdade social no governo Lula.
- As contas (Choquei, Alfinetei, PopTime e UpdateCharts) omitiram que os dados do IBGE que apontaram melhora econômica no país se tratavam de 2022, quando Lula ainda não tinha assumido o governo.
- A Gazeta do Povo encontrou mais notícias falsas, além de publicações com forte teor partidário nos quatro perfis.
- Todas as contas mantêm ou mantinham até pouco tempo contrato com agência comandada por partidários do atual presidente.
- O governo tem apostado em estreitar relações com influenciadores para melhorar popularidade e avançar em pautas de interesse.
Em 11 de maio, quatro perfis nas redes sociais que, juntos, somam mais de 50 milhões de seguidores, divulgaram fake news sobre a redução da desigualdade social no país com o objetivo de aumentar a popularidade do presidente Lula (PT).
Em comum entre as contas (Choquei, Alfinetei, PopTime e UpdateCharts), todas mantêm tom pró-governo e contrário a adversários políticos de Lula em meio a dezenas de postagens diárias sobre fofoca e entretenimento. Em várias das publicações com teor partidário, até mesmo as fotos e textos usados se repetem entre os perfis.
“HISTÓRICO: Pela 1ª vez em 10 anos, a desigualdade no Brasil CAIU para o MENOR NÍVEL, com as mudanças aplicadas pelo governo Lula”, diz publicação do PopTime. De forma semelhante, o perfil do Choquei postou: “AGORA: Pela primeira vez em uma década, a desigualdade no Brasil caiu para o menor nível, com o auxílio de R$600 do governo Lula e a melhora do mercado de trabalho”.
Os outros perfis repetiram o modelo, colocando em evidência a foto oficial de Lula que constou na urna eletrônica nas eleições do ano passado ao lado de imagens de famílias pobres ou da bandeira do Brasil. O Choquei chegou até mesmo a divulgar o link de uma matéria jornalística que seria sua fonte para a postagem.
A redução da desigualdade nos últimos anos é verdadeira e foi divulgada pelo IBGE na semana passada. Os dados, entretanto, tem a ver com o ano de 2022, ou seja, antes de o governo Lula iniciar. Os perfis omitiram o ano em todas as postagens, criando uma narrativa falsa de que o atual governo teria méritos em uma redução tão significativa da desigualdade econômica.
Mesmo com denúncias de milhares de usuários às plataformas apontando a inveracidade do conteúdo, as postagens foram mantidas por várias horas até serem apagadas pelos próprios administradores das páginas. O perfil do Choquei chegou a receber uma checagem da comunidade de usuários do Twitter – recurso denominado “Notas da Comunidade”.
A correção de informações se dá quando um grande número de usuários da plataforma aponta que determinado conteúdo de uma postagem é falso ou traz informações enganosas. Desde então, abaixo da publicação da Choquei passou a ser exibida a seguinte nota:
“Segundo o IBGE, o menor nível de desigualdade desde o início da série histórica ocorreu em 2022. Na época, Lula não era o presidente. Especialistas apontam que a causa para a queda na desigualdade foi a criação do Auxílio Brasil [programa de renda instituído durante o governo de Jair Bolsonaro]. Esse benefício não foi criado pelo governo Lula”.
Uma das fontes mencionadas pelos usuários para corrigir a desinformação foi justamente a matéria mencionada pelo Choquei como sendo a fonte da fake news divulgada. A reportagem trazia dados corretos, que foram manipulados pelo perfil de fofoca.
Perfis gerenciados e agenciados por apoiadores de Lula apostam em desinformação e tom partidário para aumentar popularidade do governo
Outro ponto em comum entre as contas disseminadoras de fake news é que três das quatro são agenciadas pela Mynd8, empresa que tem a cantora Preta Gil, apoiadora de Lula, como sócia-proprietária. O Choquei é o único perfil que não consta no rol de contas da agência, mas fez parte do grupo até dezembro de 2021.
Já a Banca Digital, núcleo da agência focado em perfis de entretenimento (como Alfinetei, Fofoquei, Tricotei e Gina Indelicada) é comandado por Murilo Henare, outro apoiador do petista, que no ano passado se encontrou pessoalmente com Lula e Rosângela Silva, a Janja, para cumprimentá-los pela eleição. Na campanha eleitoral, contas nas redes sociais que compõem o Banca Digital deram início a uma aberta linha pró-Lula em suas publicações, o que foi mantido após o início do governo petista.
O Alfinetei, por exemplo, publicou na segunda-feira (15) um vídeo em que um motorista aparece comemorando o preço da gasolina e vinculando a Lula a suposta queda de preços. A descrição: “Caminhoneiro comemora o preço baixo da gasolina, pede para frentista esborrar o tanque e agradece a Lula”. Em números reais, entretanto, o preço da gasolina comum acumula alta de 12,2% no Brasil entre janeiro e abril deste ano na comparação com mesmo período do ano passado, segundo dados da edição de maio do Panorama Veloe de Indicadores de Mobilidade Urbana, realizado em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). O governo anunciou, recentemente, redução no preço dos combustíveis. Os novos valores, no entanto, passaram a valer no dia 17 de maio, dois dias após a publicação do Alfinetei.
Já o PopTime foi um dos primeiros a veicular a fake news de que Bolsonaro seria satanista durante o período eleitoral do ano passado. Recentemente, o perfil foi acusado de homofobia por referir-se ao maquiador Agustin Fernandez, amigo pessoal da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, como “pet gay”. O perfil, que é conduzido por pessoas homossexuais, chegou a publicar uma nota de retratação dando a entender que a ofensa se deu apenas pelo fato de o maquiador ter visão política divergente do grupo.
O Choquei, por sua vez, postou neste domingo (14) um vídeo em que um jovem aborda o senador Sergio Moro (União-PR) com ofensas. A publicação traz a seguinte legenda: “Jovem aborda o ex-juiz parcial Sergio Moro e pergunta como é ser um juiz ladrão e recebe tapinha do senador”.
Nesta sexta-feira (19), Lula retuitou uma postagem do perfil que tratava de uma suposta queda nos preços dos combustíveis, sem falar lugar, data ou apontar a fonte da informação. Até a publicação desta matéria, também não havia sido publicada nenhuma pesquisa atualizada de preços da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.
Dono do principal perfil de entretenimento recebia informações privilegiadas de Janja durante campanha eleitoral
O Choquei, perfil de entretenimento que conta com o maior número de seguidores nas redes sociais atualmente (quase 27 milhões somando Twitter, Instagram e Tiktok), pertence a Raphael Sousa, influenciador que é próximo à primeira-dama Rosângela Silva, a Janja. Após o resultado das eleições no ano passado, ele recebeu convite dela para subir no carro de som oficial da equipe de Lula e acompanhar o discurso da vitória do petista. A esposa do presidente, que desde o período eleitoral costuma manter um trabalho de aproximação com influenciadores para viabilizar apoio ao governo, chegou a enviar conteúdos exclusivos para o perfil durante a disputa eleitoral.
Com a divulgação, nas redes sociais, de notícias com um claro viés editorial pró-Lula, o dono da Choquei contribuiu muito para a campanha petista. No período eleitoral, a conta sempre esteve entre aquelas com maior repercussão em temas eleitorais.
Em entrevista ao Flow Podcast no ano passado, Sousa reconheceu que a atuação do perfil ajudou a eleger o atual presidente e afirmou que todos os colaboradores do Choquei eram pró-Lula, mas que o trabalho de apoio ao petista tinha a ver com o fato de o influenciador ser contrário a Bolsonaro. Apesar disso, o proprietário do perfil se aproximou mais do presidente após o início do novo mandato e mantém na internet a cruzada de defesa do governo a qualquer custo.
Janja promete estreitamento com influenciadores pró-Lula, que aceleram a produção de fake news
Sob a organização da primeira-dama, no início de fevereiro houve um encontro no Palácio do Planalto entre Lula e influenciadores digitais que fizeram campanha para o petista em seus canais nas eleições de 2022. Na reunião, o presidente disse que a propaganda política dos perfis foi determinante para sua eleição. “Não ganharíamos as eleições se não fosse também o trabalho voluntário de influenciadores nas redes. E vocês têm um trabalho muito grande para seguirmos combatendo a fábrica de mentiras”, disse.
O evento atraiu críticas de outros influenciadores da esquerda, que reclamaram que fizeram campanha aberta para Lula, especialmente no segundo turno das eleições, e mesmo assim ficaram de fora do evento. Ao responder às críticas, a primeira-dama sugeriu que a aproximação do governo com influenciadores seria permanente durante o mandato. “É a primeira de muitas”, disse.
Como mostrou reportagem da Folha de S. Paulo publicada no último dia 10, parte do grupo que se encontrou com Lula tem se dedicado à disseminação de notícias falsas especialmente em momentos de maior desgaste do atual governo para desviar o foco das críticas. Segundo a matéria, os alvos majoritários das fake news são familiares do ex-presidente Jair Bolsonaro, com destaque para Michelle Bolsonaro.
Ao jornal, um dos influenciadores que recentemente disseminou fake news pró-governo reconheceu que informações veiculadas por ele eram falsas, mas alegou que não se tratava de desinformação, mas de “uma brincadeira, uma sátira”. Detalhe: o tema central do evento com influenciadores organizado por Janja foi justamente o “combate às fake news”.
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