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O deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) exibe foto do delegado Fábio Shor em audiência na Câmara.| Foto: Reprodução/TV Câmara

Na terça-feira (3), o deputado federal Marcel van Hattem (Novo-RS) expôs com detalhes a perseguição do Judiciário e da Polícia Federal contra ele em inquérito relatado por Flávio Dino, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

A fala, em resposta a declarações de Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça e Segurança Pública, relativizando o alcance da imunidade parlamentar, reacendeu a preocupação de congressistas da direita com o tema.

Ele e o deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB) foram indiciados na semana passada por críticas ao delegado Fábio Shor, braço direito na PF do ministro Alexandre de Moraes em inquéritos do Supremo.

Na audiência da terça, Lewandowski afirmou: “Se, da tribuna, um deputado comete crime contra a honra, seja contra colega ou qualquer cidadão, ele não tem imunidade. Até porque isso inviabilizaria a convivência no Parlamento. O Supremo Tribunal Federal já consolidou essa jurisprudência, e os inquéritos da PF consideram esse entendimento”.

A declaração do ex-ministro do Supremo, recebida com indignação também por outros parlamentares, é mais uma indicação de que a elite do Poder Judiciário brasileiro quer a limitação da imunidade parlamentar no Brasil. Há quatro anos, magistrados do STF e do TSE vêm exercendo pressão inédita sobre os direitos de deputados e senadores.

Em um longo relato sobre seu processo (leia com detalhes abaixo), Van Hattem contestou a afirmação de Lewandowski e disse que "a covardia age nas sombras, age nos processos secretos, age na clandestinidade dos inquéritos fake do Supremo Tribunal Federal".

Nesta quarta-feira (4), o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, reforçou a fala de Lewandowski, afirmando que a lei não concede imunidade absoluta aos parlamentares.

Para Alessandro Chiarottino, doutor em Direito Constitucional pela USP, "o ato da PF não está acobertado pela Constituição". "A imunidade por palavras e atos do congressista não pode ser excepcionada neste caso. É mais um capítulo da relativização do Estado de Direito que vimos assistindo. Neste caso, há peculiaridades que agravam o ocorrido, como o fato do parlamentar ter proferido as palavras ofensivas diretamente do seu púlpito congressual", diz.

Para a consultora jurídica Katia Magalhães, o que se vê no caso de Van Hattem "é o aparelhamento de uma instituição sob o comando do Executivo para cercear a liberdade opinativa do parlamentar". "Como de hábito em regimes autoritários, não foi apenas a pessoa física do congressista que foi tolhida; foi atingida a dignidade do parlamento como um todo", afirma. "Onde a norma jurídica não restringe, não cabe ao intérprete fazê-lo", acrescenta.

Assim como Chiarottino, ela enfatiza a gravidade de se tolher o direito à manifestação de um congressista no próprio parlamento. "Nesses casos, conforme jurisprudência do próprio Supremo, não há que se cogitar de qualquer forma de restrição à prerrogativa parlamentar de falar. Como se observou em relação à temática da prisão em segunda instância, os 'entendimentos' do STF flutuam ao sabor da conveniência pessoal de seus membros", critica.

Como foi a fala de Van Hattem sobre o ataque à imunidade parlamentar

Na audiência da terça, Van Hattem contou que, no final de outubro, recebeu um e-mail da PF sugerindo datas para um depoimento, sem indicação de motivos. "Só ao final do e-mail, depois de colocadas as consequências de, eventualmente, eu não atender a nenhuma das datas, dizia que o meu direito ao silêncio seria garantido se eu não participasse. Aí eu entendi que eu estava sendo investigado", relatou na audiência da terça.

Após contratar um advogado para ter acesso ao inquérito, Van Hattem tomou conhecimento da matéria e decidiu não se defender. "Depois de tomar conhecimento de todo o inquérito e entender o absurdo que acontecia ali, uma agressão à democracia, entendi que eu não tinha que ir lá para me defender. Aliás, minha fala não é para me defender. A minha fala aqui é para defender a democracia, é para defender o parlamento", prosseguiu.

Em resposta à fala de Lewandowski relativizando o alcance da imunidade parlamentar, Van Hattem citou precedentes legais e decisões anteriores do STF que a contrariam, incluindo um acórdão de 2017 relatado pelo próprio ministro Ricardo Lewandowski, que ressaltava a importância desse princípio para proteger a separação dos poderes e assegurar que o Legislativo possa exercer críticas sem intimidação.

O deputado ainda reiterou as críticas ao delegado Fábio Shor por produzir "relatórios fraudulentos, baseados em informações falsas", e ressaltou que estava apontando falhas funcionais, e não atacando a pessoa em si.

"Chamei na tribuna um policial que não honra a corporação de 'bandido', repeti duas vezes depois que eu estava sendo investigado por chamar um bandido de bandido, um covarde de covarde, porque eu não aceitava isso. Mas estava falando das funções dele, não o conheço pessoalmente. Mas eu tenho a imunidade parlamentar, sim, para falar, e para repetir uma quarta vez, hoje. E se é entendimento que eu estou cometendo crime contra a honra, por que o chefe da Polícia Federal, o diretor-geral Andrei Rodrigues, que está aqui [na audiência], não me prende agora em flagrante delito? Se é um crime contra a honra que eu estou cometendo, que me prenda. Sabe por que não, ministro? Porque a covardia age nas sombras, age nos processos secretos, age na clandestinidade dos inquéritos fake do Supremo Tribunal Federal", disse Van Hattem.

O deputado também afirmou que o uso da Polícia Federal em casos como o dele reflete práticas de regimes autoritários e são um ataque à democracia, já que as instituições estão sendo instrumentalizadas contra opositores políticos.

Há quatro anos, Judiciário ataca membros do Legislativo

Desde o começo de 2021, o Judiciário tem tomado uma série de decisões contra membros do Congresso Nacional, com foco em parlamentares da direita.

O primeiro caso foi o do ex-deputado Daniel Silveira. Após um ataque verbal contra ministros do STF publicado nas redes, Silveira foi preso preventivamente a mando de Moraes. A alegação para a prisão foi que Silveira estaria atacando o Estado Democrático de Direito. Silveira cumpre hoje uma pena de 8 anos e 9 meses por causa do vídeo publicado.

Também em 2021, com a instauração do inquérito das milícias digitais, para apurar uma suposta organização criminosa que agiria no mundo virtual fazendo ataques à Corte e à democracia, outros parlamentares passaram a ser alvo do STF. Foi nesse inquérito que Moraes decretou a prisão preventiva do ex-deputado Roberto Jefferson por palavras proferidas contra a Corte, acusando-o de atacar as instituições.

Diversos inquéritos do Supremo já incluíram parlamentares da direita brasileira, como o senador Marcos do Val e os deputados Filipe Barros, Luiz Philippe de Orleans e Bragança, Bia Kicis e Carla Zambelli. Recentemente, Alexandre Ramagem foi incluído no inquérito do golpe. Em muitos casos, os parlamentares não sabem o motivo de sua inclusão nas investigações.

O Judiciário também já foi responsável por cassar o mandato do ex-deputado Deltan Dallagnol, um dos grandes protagonistas da Operação Lava Jato, que foi alvo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em uma peculiar manobra jurídica relacionada a uma questão administrativa.

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