São Paulo - Apesar de estarem satisfeitos com o aumento das verbas públicas destinadas à ciência, muitos pesquisadores brasileiros ainda se debatem com a burocracia existente em processos de importação de materiais científicos e uma imensa dificuldade para transformar descobertas de bancada em produtos.
Um movimento de desburocratização alavancado pela comunidade científica teve início há oito anos. Em 2003, o biólogo Stevens Rehen, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e o neurocientista Sidarta Ribeiro, do Instituto Internacional de Neurociência de Natal (IINN), escreveram uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sublinhavam a urgência da desburocratização do processo de importação. No ano seguinte, o pesquisador carioca publicou uma carta na revista científica Nature depois de fazer um levantamento sobre o problema no país. Em 2007, os mesmos dados foram atualizados e divulgados na Public Library of Science.
A mobilização da comunidade científica surtiu efeito: uma instrução normativa da Receita Federal, no fim de 2007, e a primeira resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2008. Os dois documentos priorizam o processamento de material científico na alfândega e estabelecem limites de 24 a 48 horas para liberação dos itens importados.
No ano passado, Rehen repetiu o levantamento. Reuniu as opiniões de 165 cientistas de 13 estados. O resultado aponta que 76% afirmaram já ter perdido material na alfândega e 99% adaptaram sua linha de pesquisa para minimizar os percalços aduaneiros. "Percebemos uma melhora, mas ainda está aquém do aceitável", afirma o pesquisador.
Há dois meses, Rehen teve uma agradável surpresa: um telefonema do secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, convidando-o para uma reunião com representantes da própria Receita, do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), do Ministério da Saúde e da Anvisa. No encontro, todos expuseram seus pontos de vista. Receita e Anvisa atribuíram os problemas ao preenchimento desastrado dos formulários de importação. Os cientistas reconheceram a falta de talento burocrático de muitos pesquisadores, mas também apontaram a falta de preparo dos fiscais para lidar com o material científico.
Por fim, todos reconheceram suas limitações e acordaram algumas diretrizes. A Anvisa ficou de estudar um modo de reduzir o tempo de inspeção. A Receita discutiria internamente a criação de espaços aduaneiros especiais para acondicionar o material científico e de canais mais rápidos para processar os produtos importados.
O ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, afirmou à reportagem que os compromissos assumidos na reunião continuam como prioridades na pauta do governo Dilma. Até citou uma ideia dada por Rehen durante a reunião na Receita. "Queremos escolher um porto e um aeroporto para ser o destino preferencial do material importado", sublinhou Mercadante. "Os fiscais da Receita e da Anvisa serão especialmente treinados e haverá lugares com infraestrutura adequada para armazenar perecíveis ou animais."
Marco legal
Vários cientistas ouvidos pela reportagem disseram que o excesso de burocracia permeia as demais atividades cotidianas dos cientistas, não só a importação: dos mecanismos para compra de insumos às autorizações ambientais necessárias para coletar material biológico. "Precisamos de um novo arcabouço legal para a atividade científica", afirma Mário Neto Borges, presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap). Ele acredita que não vale a pena negociar só no varejo de cada órgão fiscalizador estratégias para libertar a pesquisa dos entraves burocráticos. É necessário mudar a legislação que define a forma de fiscalizar a ciência.