Esperança e descrença marcam as famílias dos gaúchos que obtiveram na Justiça autorização para receber a fosfoetanolamina, conhecida popularmente como “pílula do câncer”. Vítimas da doença que, muitas vezes, já passaram por meses de tratamento oncológico antes de recorrer à pílula e esperaram semanas até recebê-la, esses pacientes estão em busca de uma derradeira tentativa: aceitam recorrer à substância, que não tem qualquer aval científico, por estarem desenganados, não vendo mais chance de cura no tratamento convencional.
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O que eles recebem nem sempre atende às expectativas. Pelo menos dez pacientes no estado tiveram esse pedido deferido. A maior parte já morreu. Entre aqueles que receberam uma primeira remessa – e relataram ter melhorado –, há a esperança de receber mais cápsulas para continuar o tratamento alternativo, mesmo não sendo o indicado pelos médicos. No entanto, entre as famílias daqueles que chegaram a ingerir as pílulas, mas não resistiram ao avanço do câncer, a esperança dá lugar ao descrédito, por vezes atribuindo o fracasso da “fosfo” a uma ingestão tardia, outras identificando nela um efeito meramente emocional, como um placebo.
Há tanto relatos de inocuidade quanto de melhora repentina. Em Osório, no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, um jovem de 22 anos ingeriu a substância por dois meses, período em que o câncer se agravou até matá-lo; em Montenegro, no Vale do Caí, o câncer de colo do útero não poupou uma moradora que tomava três cápsulas por dia. Já em Cachoeira do Sul, na região central do RS, um homem de 75 anos relatou maior disposição e menos dores durante o mês em que ingeriu as cápsulas, e uma paciente de Charqueadas, na região carbonífera, tenta na Justiça conseguir uma nova remessa, acreditando na cura.
“Tem sido dito que os pacientes com câncer não podem esperar, e concordo totalmente. Mas o que sabemos com certeza é que não existe “pílula mágica” que represente a “cura” de qualquer tipo de câncer em qualquer paciente”, diz o coordenador do Laboratório de Câncer e Neurobiologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Rafael Roesler.
Melhoras
A falta de recomendação médica não impede os pacientes de acreditar. Dezenas de vítimas de câncer acumulam pedidos de acesso à fosfoetanolamina sintética na Justiça estadual – o número de liminares chegaria a 20 mil em todo o Brasil. Muitos tiveram seus pedidos aceitos, outros tantos viram a requisição ser rejeitada.
Os juízes também têm pareceres contraditórios sobre o assunto: as sentenças variam entre as que consideram que a substância “resta como última esperança” e as que entendem que “sequer [foram] desenvolvidos estudos com rigor científico que demonstrem sua efetividade no tratamento da doença”.
Depoimentos de pessoas que dizem ter se curado dos mais variados tipos de câncer têm circulado pela internet, especialmente em meio a grupos que, se antes lutavam pela liberação da fosfoetanolamina, agora pedem que seu uso seja autorizado pelos médicos, como alternativa ou complemento aos tratamentos tradicionais contra o câncer. O objetivo desses movimentos é permitir que, conforme definido em lei sancionada pela presidente Dilma Rousseff, as vítimas da doença tenham direito a usar a substância por livre escolha.
Testemunhos de cura e de alívio nos sintomas do câncer são frequentes nesse meio. No Rio Grande do Sul, pelo menos dois pacientes que consumiram a droga depois de receberem uma remessa da Universidade de São Paulo (USP) – antes de a instituição determinar o fechamento do laboratório em que eram produzidas as pílulas, no início do mês – garantem ter apresentado melhora.
“Meu pai melhorou bastante durante o mês em que fez esse tratamento. Uns 70%, deu para notar: já saltou aos olhos na primeira semana. Mas, depois, sem as cápsulas, voltou o cansaço e tudo o que ele sentia antes”, afirma Naual Ibrahim Ibrahim Khaled, filho de um paciente com câncer de fígado avançado.
A ingestão não teve aprovação do oncologista, cujo nome eles preferem não informar.
Apesar de lei, distribuição da substância segue indefinida
Mesmo após ter sido sancionada pela presidente Dilma Rousseff, a lei que autoriza o uso da fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com tumores malignos, a forma de obtê-la permanece uma incógnita. Depois que a USP recebeu aval do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) para interromper o fornecimento da substância, os apelos judiciais à universidade para que envie mais pílulas não estão sendo atendidos.
Para quem espera receber as cápsulas, a interrupção significa que o meio mais seguro de obtê-las, o judicial, não tem mais dado resultados. Advogados que antes endereçavam os processos ao laboratório do Instituto de Química em São Carlos aguardam a definição das instituições que irão fabricar a substância. A expectativa é de que o laboratório PDT Pharma, de Cravinhos (SP), a produza, e a Fundação para o Remédio Popular (Furp) a distribua para testes clínicos – mas não à população em geral.
Entidades médicas e de saúde, como a própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), opõem-se a que a fosfoetanolamina esteja acessível antes de ficar comprovada sua eficácia.
“Pessoas desesperadas tomam decisões ruins. E o que os criadores dessa pílula vêm fazendo é alimentar esses pacientes e suas famílias com uma ‘solução mágica’, colocando nas mãos deles uma substância não reconhecida como medicamento e sobre a qual pouco se sabe”, garante o médico Gustavo Fernandes, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica.
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