O Chile é, há anos, o melhor entre os países da América Latina no Pisa, exame internacional que mede os conhecimentos e habilidades de jovens de 15 anos dos países da OCDE. Na edição do exame de 2022, o país teve redução nas notas, sentindo os efeitos da pandemia como outras nações que participaram da prova, mas continuou apresentando os melhores resultados da região. Os segredos para estar acima dos outros países da América Latina passam por medidas não adotadas no Brasil, como controle e exigência de qualidade, descentralização da gestão e a preocupação por formar e atrair melhores professores.
Como o Brasil, o Chile investe 6% do PIB em educação, mas com resultados melhores nas últimas edições. No Pisa de 2022, do qual participaram 81 países e economias, os estudantes chilenos atingiram 412 pontos em matemática, 448 em leitura e 444 em ciência. O Brasil alcançou 379 pontos em matemática, 410 em leitura e 403 em ciências. Os dois países se encontram estagnados há alguns anos, mas a situação do Chile acaba sendo mais confortável por estar mais próximo do desempenho de países mais bem colocados.
Enquanto 73% dos estudantes brasileiros não sabem o mínimo de matemática para aplicar em tarefas simples do cotidiano, esse número cai para 44% entre os chilenos. Em leitura, 50% dos brasileiros não atingiram o nível 2 de proficiência da prova, que vai de 1 a 6; esse índice de fracasso é menor entre os chilenos, de 34%. Em ciências, enquanto 55% dos brasileiros não apresentam conhecimentos mínimos para a faixa etária, também no nível 1 na disciplina, apenas 36% dos chilenos estão nessas condições.
Os alunos chilenos participaram do Pisa pela primeira em 2000. Naquele ano, realizaram apenas a prova de leitura e obtiveram 410 pontos. Não participaram da edição seguinte, em 2003, e voltaram a realizar a avaliação apenas em 2006. De 2000 a 2006, o país subiu 32 pontos em leitura. Com essa pontuação, o Chile passou do nível 1 para o nível 2, onde se mantém desde então. É um resultado abaixo da média da OCDE, mas muito acima se comparado aos outros países da América Latina.
“A escola tem que ter currículo, avaliação e livro didático. O currículo do Chile é muito mais prescritivo do que o nosso e eles têm uma avaliação séria. Não temos isso no Brasil”, afirma a especialista em educação Ilona Becskeházy. Ela conta que o país andino contratou a OCDE para que orientasse as políticas educacionais que deveriam ser adotadas.
“Neste país existe uma preocupação histórica com a educação que se reflete em uma constante discussão pública sobre o assunto e em políticas educacionais que buscam melhorias das condições e aprendizagem dos estudantes chilenos”, diz Verónica Cabezas, diretora executiva da Elige Educar. A Elige Educar é uma ONG chilena mantida por recursos públicos e privados. Entre os objetivos, deseja atrair jovens com alto desempenho para as carreiras educacionais e pensar políticas para retenção de bons profissionais da área.
Mudanças no sistema educacional
Nas últimas décadas, o país avançou ao adotar um complexo “Sistema de Asseguramento de Qualidade da Educação”. Até 2009, havia dois órgãos direcionados à educação, sendo o Ministério da Educação e o Conselho Nacional de Educação, como é no Brasil. Com a aprovação da Lei Geral da Educação, o novo sistema foi implementado e a Superintendência de Educação e a Agência de Qualidade da Educação foram criadas.
A Superintendência de Educação é responsável por fiscalizar, inclusive por meio de denúncias, se as escolas estão seguindo as regras propostas pelo Ministério da Educação. Já a Agência de Qualidade da Educação deve avaliar a aprendizagem dos alunos e o desempenho das escolas, além de orientar as unidades de ensino para que possam se aperfeiçoar. Todos trabalham coordenadamente para alcançar bons resultados. Dos quatro órgãos, o Conselho Nacional de Educação é o que se mantém mais distante do dia a dia dos colégios. Isso porque ele é responsável por revisar a base comum curricular e os planos nacionais de avaliações.
Para Célia Seabra, professora de uma escola municipal em Teresina (PI) e doutora em ciência da informação, o principal fator do Chile é a descentralização da educação. “O Chile adotou uma descentralização da educação. Eles oferecem autonomia didática em sala de aula. Existe a política pública que orienta, mas também essa autonomia em sala de aula”, explica.
Seabra acredita que é importante que a comunidade escolar consiga adaptar conteúdos que devem ser trabalhados de acordo com as demandas locais. “É muito complicado colocar, por exemplo, escolas ribeirinhas, quilombolas ou escolas em que as crianças têm alternância em virtude do plantio nos mesmos parâmetros. Temos uma diversidade social, econômica e geológica que deve ser considerada”, exemplifica. Autonomia que, segundo ela, deve ser fiscalizada pelos órgãos de educação.
Para Ilona Becskeházy, mais do que ao governo federal cabe às secretarias estaduais e municípios se espelharem nas iniciativas do Chile e buscarem o protagonismo das mudanças educacionais que desejam. “Dessa forma, uma hora alguém vai chegar em um nível de excelência. Como é o exemplo de Sobral”, completa. A especialista acredita que com vontade política e acesso a práticas internacionais com bons resultados grande parte dos problemas educacionais brasileiros conseguem ser resolvidos.
De olho na formação dos professores
Verónica Cabezas também ressalta a importância de fortalecer a formação do docente. “Dados coletados pela Choose Educar sobre o tema têm contribuído para a discussão, como o que 11% dos professores [do Chile] abandonam a carreira após o primeiro ano de exercício profissional”, afirma.
Enquanto a ONG Elige Educar possui projetos para atrair professores com bom desempenho acadêmico, no Brasil essa preocupação é praticamente inexistente – uma pesquisa realizada pelo Instituto Alfa e Beto, em 2016, descobriu que a maioria dos estudantes brasileiros de pedagogia obteve notas do Enem abaixo da média nacional. Um dos programas oferecidos pela ONG chilena é o “Quero ser Prof”. Nele, estudantes interessados por carreiras em educação são estimulados por meio de tutorias e orientações personalizadas sobre o futuro profissional.
Para Claudia Costin, no Brasil, há lacunas nos próprios cursos de pedagogia e licenciatura. Ela acredita que mais do que saber puramente o conteúdo, o professor tem que ser capaz de ensiná-lo aos alunos. Ao comentar os resultados do Brasil no Pisa 2022, a presidente do Instituto Singulares afirmou que “nós formamos o professor sem nenhuma ou com pouquíssima conexão com a prática. O Chile, por exemplo, tem uma lei nacional que obriga que haja um diálogo entre teoria e prática na formação que o professor recebe na faculdade”.
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