Aprovado na Câmara, projeto que facilita que pesticidas mais modernos e sustentáveis e menos agressivos ao meio ambiente cheguem ao campo irá ao Senado| Foto: Wenderson Araujo/CNA
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Em tramitação há 20 anos na Câmara dos Deputados, o projeto de lei que cria novas regras para a aprovação do registro de agrotóxicos/pesticidas no Brasil foi aprovado no último dia 9 na casa legislativa. A proposta, cuja aprovação foi bastante comemorada pelo agronegócio brasileiro, agora será avaliada pelo Senado.

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O Projeto de Lei 6299/2002, apelidado por parlamentares favoráveis de "Lei do Alimento Mais Seguro", foi alvo de críticas vindas de deputados de partidos como PT, PSOL e PSB, que fecharam questão contra a matéria e a apelidaram de “PL do Veneno”.

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“Estão liberando veneno para colocar nas nossas mesas, no prato de comida das nossas famílias. É por isso que esse projeto de lei é chamado ‘PL do Veneno’. Nossas famílias estão condenadas a comer veneno sem saber que estão comendo”, disse o deputado Alessandro Solomon (PSB-RJ).

Por outro lado, parlamentares favoráveis e especialistas no setor defendem que a mudança traria modernização ao agro brasileiro, em especial porque atualmente diversos produtos para a eliminação de pragas demoram em média oito anos para terem seus registros aprovados no país, o que faz com que novas tecnologias utilizadas em todo o mundo – mais sustentáveis e menos agressivas ao meio ambiente – cheguem à ponta com bastante atraso. “Ser contra discutir isso é ser contra os avanços da tecnologia a bem da saúde”, afirmou o deputado Domingos Sávio (PSDB-MG) durante a votação da matéria.

Fontes ouvidas pela Gazeta do Povo também apontaram que a medida coloca o Brasil ao lado de países desenvolvidos, que possuem regras bastante rigorosas para uso de defensivos agrícolas, quanto à média de tempo para a aprovação ou reprovação do registro de defensivos agrícolas.

Entenda a proposta

A principal demanda atendida pelo projeto de lei refere-se à aceleração dos processos de registro dos pesticidas pelos órgãos do poder público. Como pontos centrais, o texto fixa prazo para a obtenção de registro dos produtos para uso agropecuário, centraliza no Ministério da Agricultura as tarefas de fiscalização e análise desses produtos e prevê a concessão de registro temporário caso o prazo não seja cumprido.

Atualmente o registro dos agrotóxicos está condicionado à aprovação de três órgãos do governo: o Ministério da Agricultura, que avalia a eficiência dos defensivos no combate às pragas; a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que afere possíveis danos relacionados à saúde humana; e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), responsável por avaliar impactos ambientais dos químicos.

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Todos os órgãos permanecem exercendo suas funções e podem desaprovar produtos considerados de alto risco. Pelos termos do texto, entretanto, passaria a haver um limite de dois anos para que sejam feitas as devidas avaliações e a emissão de parecer para o registro. Caso o pedido não seja avaliado dentro desse prazo, o órgão registrante deverá conceder um registro temporário (RT) para os produtos.

Ainda assim, só terão acesso ao registro temporário produtos que já sejam usados em no mínimo três países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que congrega 38 nações e tem como alvo melhorar políticas públicas em diversas áreas, incluindo o meio ambiente.

Além disso, o texto aumenta a multa por mau uso dos agrotóxicos. As multas iniciam de R$ 2 mil; já o teto das penalizações, que era de R$ 20 mil, passa a ser de R$ 2 milhões.

“O mais importante é que o rigor não caiu. As três instituições continuarão trabalhando da mesma forma, só que com prazo para resolver. Isso ocorre em todos os países desenvolvidos do mundo. Nós entramos no mesmo ritmo desses países. É um avanço significativo”, afirma Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio na Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (FGV), e ex-ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento entre 2003 e 2006, no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Conforme explica Rodrigues, caso a proposta também seja aprovada no Senado e se torne lei, produtos mais modernos e sustentáveis, que estão na fila de aprovações, devem chegar ao país. “Em todo o mundo, empresas que produzem os defensivos estão buscando criar produtos mais sustentáveis, porque é o que exigem as sociedades do mundo inteiro. É uma mudança importante e interessante para o consumidor do Brasil e de todos os locais para onde quer que nós exportamos”.

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De acordo com Mônika Bergamaschi, engenheira agrônoma e presidente da Associação Brasileira do Agronegócio em Ribeirão Preto (Abag), o registro de alguns produtos chegava a demorar até 11 anos para ser efetivado, o que os tornava ultrapassados assim que liberados para o mercado.

“Temos a chance de ter produtos cada vez mais modernos, menos tóxicos, de menor dosagem, que se degradam mais rápido e deixam menos resíduos nas culturas para que se combatam as pragas”, diz a engenheira agrônoma. “Imagine combater as doenças que temos hoje com antibióticos de 20 anos atrás. Hoje você tem antibióticos de primeira linha graças à pesquisa e à aprovação desses produtos, da mesma forma como ocorre com os defensivos”.

Por fim, o texto altera o termo “agrotóxico”, que não tem paralelo em outros idiomas e passa a ser denominado “pesticida” – nome universalmente utilizado para produtos que combatem pragas no campo.

Pesticidas são essenciais para garantir a produção de alimentos, dizem especialistas

De acordo com estudo publicado no ano passado, a Embrapa estima que o agro brasileiro produza alimentos para 800 milhões de pessoas, o equivalente a 10% da população mundial. Segundo fontes ouvidas pela Gazeta do Povo, o uso de pesticidas é indispensável para que o Brasil seja capaz de produzir o volume de alimentos atual.

Diferentemente de países frios, em que as próprias condições climáticas contribuem para a eliminação das pragas, o clima tropical do Brasil, com temperaturas altas e umidade praticamente todo o ano, favorece a incidência de pragas que atacam as lavouras, de modo que o uso dos pesticidas é essencial para garantir o bom desenvolvimento das plantas.

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No entanto, os produtos químicos usados no combate a essas pragas são, de fato, tóxicos. O que garante a segurança à saúde mesmo com o uso desses produtos é seu uso correto, de acordo com as orientações dos fabricantes. “Após aplicar os produtos, há um tempo para que os resíduos degradem até que se possa colher, para que o produto não apresente nenhum mal. Se isso for feito da forma errado, aí sim o produtor vai colher um produto com resíduo”, afirma Mônika.

O uso dos agrotóxicos na dosagem correta também é essencial para que não haja comprometimento à saúde humana e ao meio ambiente. “O risco não está no defensivo, mas sim no mau uso. Mas até mesmo o pequeno produtor rural hoje está cada vez mais esclarecido. As cooperativas agropecuárias, os sindicatos rurais e entidades como o Senar [Serviço Nacional de Aprendizagem Rural] e o Sescoop [Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo], de abrangência nacional, fornecem as informações técnicas para que ninguém cometa esse tipo de erro”, explica Rodrigues. Segundo ele, as regras para uso dos produtos são bastante rigorosas.

A ausência dos pesticidas, segundo os especialistas, geraria riscos à segurança alimentar, uma vez que o setor agropecuário não possui condições de abastecer sequer o mercado interno com alimentos orgânicos, muito menos exportar. Além disso, o alto volume em produção de alimentos no país é responsável por empurrar os preços para baixo. Ao se disponibilizar ao mercado apenas produtos orgânicos, a oferta seria severamente reduzida. Com a alta demanda, o efeito seria uma inflação sem precedentes nos preços dos alimentos.

Brasil não está entre os países que mais utilizam agrotóxicos por hectare e produção

Mesmo com extensão continental, sendo um dos principais produtores de alimentos do mundo e com a produção de duas a três safras ao ano (diferentemente de países especialmente do Hemisfério Norte que possuem apenas uma safra anual), o Brasil não está entre as nações que mais utilizam agrotóxicos por área cultivada nem por volume de produção. O estudo que chegou a essa conclusão é da FAO – entidade relacionada à agricultura e alimentação ligada à Organização das Nações Unidas (ONU) – e foi publicado em 2017, com dados de referência de 2016.

De acordo com o estudo, em 2016, o Brasil foi o país que mais gastou com a compra de pesticidas, num total de US$ 10 bilhões. Porém, ao dividir os gastos totais por área cultivada, isto é, o quanto é investido em agrotóxico por hectare plantado, o país fica em 7º lugar, com US$ 37 por hectare. Países como Japão, Alemanha, França, Itália e Reino Unido utilizam mais produtos químicos por área cultivada.

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Já ao contabilizar o quanto cada país gasta com pesticidas, tendo o tamanho da produção agrícola como referência (divisão dos gastos absolutos pelas toneladas de alimento produzidos), o Brasil ocupa a 13º posição.

“O mito de que somos o país que mais usa esses produtos ocorre porque - como fazemos duas ou três safras ao ano - se você somar o uso por hectare, ficamos numa posição forte”, afirma Rodrigues. “Mas mesmo tendo mais safras, não se usa um defensivo duas vezes na mesma planta. Essa soma equivocada cria uma ideia enganosa de que nós consumimos mais que outros países, enquanto na verdade usamos menos defensivos por quilo de produto agrícola do que o Japão e vários países europeus”, ressalta.

Mitos relacionados à ingestão de agrotóxicos no Brasil

Em 2015, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) divulgou que no Brasil cada pessoa consome cerca de 7,6 litros de pesticida indiretamente pelo consumo de produtos alimentícios “envenenados”. Anteriormente, outra entidade já havia divulgado números parecidos.

As alegações, apesar de largamente utilizadas por opositores ao uso dos defensivos, são contestadas por especialistas e negada até pela própria Abrasco. Em entrevista à Agência Pública, um porta-voz da entidade afirmou que o indicador “tem caráter pedagógico”. “Ninguém literalmente bebe 7 litros de agrotóxico, porque se bebesse morreria. Trata-se de um número de aproximação”, disse Fernando Carneiro, membro do Grupo Temático de Saúde e Ambiente da Abrasco.

“Essa conta é resultado de uma série de erros conceituais produzidos com má-fé”, explica o jornalista Nicholas Vital, autor do livro Agradeça aos agrotóxicos por estar vivo. “Considera que são usados no Brasil 1 bilhão de litros de agrotóxicos por ano, mas ignora o fato de que ele é diluído em água. Alguns produtos têm diluição de 5 gramas em um tanque de mil litros de água”.

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Além disso, muitos produtos não são aplicados em plantas que os humanos usam para se alimentar. “O glifosato, por exemplo, é um dos agroquímicos mais usados no país e serve para matar o mato em volta da plantação. Não tem contato com as culturas em si”, prossegue.