Brasília - O Programa Nacional de DST-Aids não incluirá nas orientações para o tratamento de crianças com o HIV, vírus causador da doença, quatro novos medicamentos sugeridos por especialistas. A decisão provoca polêmica entre os integrantes do grupo eleito pelo próprio governo para recomendar a assistência para esta faixa etária.
Parte dos integrantes protesta por achar que a inclusão aceleraria o registro e a incorporação das drogas no sistema público, garantindo mais alternativas para crianças que já não melhoram com os remédios usados no Brasil. Atualmente, alguns centros públicos compram emergencialmente as drogas que os especialistas querem, mas com o registro e a disponibilização dos remédios no Sistema Único de Saúde (SUS) para casos específicos, haveria mais agilidade da assistência, afirmam.
O governo, no entanto, considera que é preciso aguardar a análise da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). "A inclusão é feita segundo o registro da Anvisa. Como o governo poderá recomendar uma droga que não está autorizada no país?", questiona a diretora do programa de aids, Mariângela Simão. Ela afirma que a versão final do consenso será publicada em 30 de abril sem atualizações quanto aos antirretrovirais, medicamentos destinados a esses pacientes. O programa não é obrigado a acatar as recomendações dos integrantes do consenso.
O grupo decidiu incluir quatro drogas no programa raltegravir e darunavir, já aprovadas pela Anvisa, e tipranavir e entricitabina as duas últimas ainda não liberadas pela agência para uso nem por adultos.
O governo havia enviado em novembro do ano passado uma carta aos integrantes do grupo em que indicava que as recomendações não seriam adotadas também por motivos financeiros, o que a diretora atualmente nega, destacando que o número de pacientes é muito pequeno.
Atualmente, 6,3 mil crianças estão em tratamento com antirretrovirais no país. Além disso, nos últimos anos, os casos e a incidência de aids em crianças vêm diminuindo, principalmente por causa da redução da transmissão do HIV de mãe para filho no país. "O que precisa ficar claro é que o papel do grupo é dar o que há de mais novo para a criança. A discussão de custo não é nossa. Não temos nada a ver com laboratórios e preços. O problema é que temos poucos remédios para as crianças", afirmou Marinella Della Negra, supervisora da equipe técnica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo.
Representante das pessoas que vivem com HIV no grupo assessor, José Araújo, destaca que o programa poderia buscar meios de acelerar os registros e baratear custos. "É um grupo pequeno. Qual a necessidade do comitê se eles trabalham apenas com o que está disponível e não acatam recomendações?", questionou.
O professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Jorge Pinto concorda com a decisão do governo. "Nossa agência é a Anvisa, não o FDA (Food and Drug Administration, órgão de vigilância sanitária dos Estados Unidos). Temos de respeitar a nossa regulamentação."
Como o número de drogas para crianças é menor e as apresentações mais reduzidas, o comitê decidiu ainda adotar uma recomendação de tratamento para crianças definido nos EUA, aprovado no mês passado: permitir que médicos, no caso pacientes que já não respondessem ao tratamento padrão, possam adotar novo esquema terapêutico, até mesmo drogas aprovadas para adultos.
Na carta, o programa informou que "apenas inserir as doses de medicamentos não incorporados sem seus critérios de utilização não estimularia seu uso criterioso". Pinto diz que também concordou com este ponto. "O que o programa quer evitar é que isto (a flexibilização dos tratamentos) seja regra. É preciso rigor na prescrição, para não haver resistência do HIV aos remédios."