O Primeiro Comando da Capital (PCC) mantinha um “plano de saúde” para os integrantes da sua cúpula ao custo de R$ 400 mil por mês, com direito a tratamentos e cirurgias com médicos especializados e até a massagistas. As informações integram a denúncia oferecida pelo Ministério Público Estadual de São Paulo (MPE) à Justiça contra 40 advogados ligados à organização e 14 detentos do grupo por crimes de associação criminosa armada e corrupção, que podem levar a 20 anos de prisão.
A denúncia de 690 páginas, obtida pelo jornal O Estado de S.Paulo, esmiúça o funcionamento da chamada “célula R”, um aperfeiçoamento da antiga “sintonia dos gravatas”, advogados que representavam integrantes da facção. Trocas de mensagens com organogramas e pagamentos foram interceptadas. Segundo o MPE, as funções do grupo deixaram de ser exclusivamente jurídicas e passaram a funcionar como elo de comunicação das atividades criminosas entre os líderes presos e os que estão em liberdade.
Marcola pediu autorização para pôr botox
O Ministério Público Estadual (MPE) apurou que, além de chefe do Primeiro Comando da Capital (PCC), temido e respeitado pela maioria da população carcerária de São Paulo, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, é um detento vaidoso. As investigações da Polícia Civil e do MPE descobriram que o chefe da facção criminosa pediu autorização duas vezes para colocar botox, no segundo semestre do ano passado, para cuidar de sua aparência.
Marcola tinha um dermatologista particular que o atendia na Penitenciária de Presidente Venceslau 2, no interior de São Paulo, onde está preso. Foram realizadas algumas consultas e receitados cremes e cuidados para tratar a pele do chefe do PCC. Depois de uma delas, o médico, em nome de Marcola, fez o pedido para a aplicação do produto.
“O pedido foi negado. Posteriormente, o médico reiterou o pedido e alegou que Marcola sofre de neuralgia do nervo trigêmeo para justificar a intervenção”, contou o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, do Gaeco. “Um dos principais sintomas é que o paciente tem dores muito fortes. O que não é e nunca foi o caso do Marcola, obviamente.”
O médico prestou depoimento na promotoria e admitiu que foi o próprio chefe do PCC que pediu que ele fizesse o documento informando que o preso estava doente e precisava colocar o botox. A suspeita é de que Marcola quisesse tirar os pés de galinha de seu rosto. O líder da facção criminosa está com 48 anos.
Os profissionais passaram também a ser os responsáveis por “organizar e custear serviços médicos prestados aos presos integrantes da cúpula”. “É certo que o pagamento de todos esses serviços expostos é feito com recursos de origem ilícita da própria organização criminosa, obtidos com o lucro do narcotráfico e demais crimes afins”, descreve o documento.
A investigação mostrou que a facção chegou a financiar cerca de 100 cirurgias no ano passado a membros do grupo, um procedimento a cada três dias; os custos chegavam a R$ 400 mil por mês e incluíam exames particulares de especialistas como fisioterapeutas, dentistas, dermatologistas e até massagistas. O atendimento ocorria prioritariamente a detentos da Penitenciária de Presidente Venceslau 2 e da unidade de Presidente Bernardes, prisões paulistas onde cumprem pena os líderes do PCC. “São benefícios que só quem tem plano de saúde, um bom plano, pode usufruir”, disse o promotor Lincoln Gakiya, do Grupo Especial de Atuação de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Presidente Prudente.
Os investigadores suspeitam que os procedimentos médicos tenham sido superfaturados, com a cobrança do triplo do valor comum de mercado para consultas, por exemplo. As cirurgias, autorizadas pela Justiça, não tiveram nota fiscal emitida e há a suspeita de que a facção estivesse também lavando dinheiro por meio dos atendimentos. Somente um dos profissionais contratados chegou a receber mais de R$ 100 mil em um mês.
Operação
A investigação levou à deflagração da Operação Ethos, no dia 22 de novembro, e à prisão de 33 advogados e do agora ex-integrante do Conselho de Defesa de Direitos da Pessoa Humana (Condepe) Luiz Carlos dos Santos, também denunciado na sexta-feira. Nesta semana, 11 presos tiveram pedido de habeas corpus negado pelo Tribunal de Justiça. Para o Ministério Público, os profissionais denunciados passaram a integrar o “quadro jurídico” do PCC e contribuíram e concorreram direta ou indiretamente “para o projeto de poder e esquema da maior organização criminosa do país”.
A investigação apontou que os profissionais tinham “plena consciência de que o dinheiro que movimentavam era oriundo do setor do ‘progresso’ (tráfico de drogas), da ‘cebola’ (mensalidade paga pelos integrantes) e das rifas” e usavam escritórios de fachada, que serviam “como ponto de apoio da organização”.
Entre os denunciados da cúpula da facção está Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, preso atualmente na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau. “Marcola e os demais integrantes da cúpula têm uma liderança sólida e sem oposição. Desde 2006, depois dos ataques, ele nunca mais deixou de liderar a facção criminosa”, disse o promotor Lincoln Gakiya. Cartas interceptadas no âmbito do inquérito policial mostraram ainda a atuação da facção em demandas judiciais de presos detidos em estados como Rio Grande do Norte, Brasília, Ceará, Paraná e Santa Catarina.
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