A Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) do Paraná vai avaliar se adota a recém-publicada resolução conjunta n.º 2 do Conselho Superior de Polícia, que determina que as mortes decorrentes de intervenção policial – ou em confronto – sejam investigadas pela Polícia Civil. Hoje, as ocorrências envolvendo policiais militares que terminam em morte são apuradas no âmbito da própria corporação, por meio de sua Corregedoria. A PM, no entanto, adiantou que não vai acatar a resolução.
O Conselho
Autor da resolução, o Conselho Superior de Polícia é formado por delegados da Polícia Federal e da Polícia Civil. Na justificativa para a norma, o órgão aponta a necessidade de padronizar os procedimentos, “objetivando conferir transparência na elucidação de ocorrências que haja resultado de lesão corporal ou morte decorrentes de oposição à intervenção policial”.
Opinião de especialistas: Investigação externa acabaria com corporativismo
“Em relação à PM, nada se alterará (...). Não consigo ver uma razão sequer para que isso [a investigação de mortes em confronto policial] passe para outra organização”, disse o comandante-geral da PM, coronel Maurício Tortato. “Parece uma posição caricata dizer que a solução do problema perpassa por quem vai investigar”, completou.
Publicada no Diário Oficial da União da última segunda-feira (4), a resolução funciona como uma espécie de instrução, a que os estados podem ou não aderir. O texto especifica que, assim que o inquérito seja instaurado pela Polícia Civil, o delegado responsável comunique o caso ao Ministério Público e à Defensoria Pública, para que acompanhem a investigação.
Índices
Entre janeiro e novembro de 2015, a Polícia Militar do Paraná (PM) matou 196 pessoas em confronto, conforme informou matéria assinada pelo repórter Diego Ribeiro, da Gazeta do Povo. O número é 20% maior que o registrado em 2016. O blog Caixa Zero também mostrou que a letalidade da polícia paranaense é maior do que a de qualquer estado dos Estados Unidos.
Segundo a organização não-governamental Human Rigths, o número de mortes decorrentes de ações policiais também aumentaram, no ano passado, em São Paulo e no Rio de Janeiro, a uma proporção de 97% e 40%, respectivamente.
A norma orienta ainda que, obrigatoriamente, o local de crime deve ser periciado, que objetos que ajudem a elucidar as ocorrências devem ser apreendidos e que o delegado deve identificar todos os policiais envolvidos na ação e averiguar se eles usaram “os meios necessários para vencer a resistência”.
O comandante da PM do Paraná destacou que os confrontos policiais que resultam em morte são apurados pela Corregedoria com base na lei e que, em caso de indícios de crime, os casos são encaminhados à Justiça Militar. Na avaliação do coronel Tortato, a “maioria maciça” das mortes causadas por policiais foram resultantes da criminalidade: teriam ocorrido porque os agentes reagiram em legítima defesa.
Uma das críticas ao fato de os policiais serem investigados pela própria corporação é o fato de que isso abriria precedentes ao corporativismo. O comandante da PM, no entanto, refuta essa tese. “Não existe leniência ou condescendência por parte da corregedoria e do Comando da PM”, apontou.
Sesp
A Sesp, secretária estadual a que está vinculada à PM do Paraná, informou, por meio de nota, que vai pedir pareceres das corregedorias da Polícia Civil, da Polícia Militar e de sua assessoria jurídica para avaliar se adota ou não a resolução nacional. A pasta não fixou uma data para que a análise seja concluída.
Investigação externa acabaria com corporativismo, avaliam especialistas
- Felippe Aníbal
O repasse à Polícia Civil das investigações de mortes decorrentes da intervenção de policiais militares é apontado por especialistas em segurança pública e direitos humanos como um elemento que traria mais independência e transparência aos procedimentos. Na avaliação deles, a apuração externa – conduzida por uma instituição diferente da em que estão lotados os investigados – acabaria com o corporativismo e proporcionaria resultados mais claros.
“A intenção [da resolução] é exatamente esta: que se acabe com qualquer tipo de corporativismo. Em questões como esta [em mortes durante confrontos policiais], o corporativismo é nocivo porque acoberta crimes cometido por agentes, que, desta forma, são estimulados a continuar com essa prática de extermínio”, disse o advogado Wadih Damous, presidente nacional da comissão de direitos humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
O ex-secretário nacional de segurança pública, José Vicente da Silva, lembra que na maioria dos estados as investigações de mortes em confrontos já são conduzidas pela Polícia Civil. Na avaliação dele, esta é uma condição básica de isenção nas apurações. Ele avalia que alta letalidade da polícia esteja diretamente relacionada ao baixo índice de homicídios assassinatos.
“O que seria mais relevante seria aumentar substancialmente a capacidade e a obrigação de esclarecimento de homicídios, praticados por policiais ou não”, disse.
Em 2013, a série de reportagens “Crimes sem castigo”, da Gazeta do Povo, mostrou que, em média, a cada 23 homicídios ocorridos em Curitiba, uma pessoa é condenada.
Veja todas as matérias da série Crime Sem Castigo.
Além disso, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB nacional aponta que mudanças como essas são importantes para começar a mudar uma prática que seria recorrente dentro da PM. “A política de segurança pública não pode ser uma política de guerra, que tenha como pressuposto que o outro é um inimigo. Pensamentos como este fazem com que tenhamos uma polícia de extermínio”, disse Damous.
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