Morador de Santa Teresa, na zona central do Rio, Francisco Palermo já perdeu a conta do número de vezes em que apelou à Polícia Militar (PM) para acabar com o barulho da casa de shows bem em frente à sua residência, que, até o fim da madrugada, não o deixa descansar em diferentes dias da semana. O sofrimento dele é o de dezenas de milhares de outras pessoas, já que o problema se tornou epidêmico no estado. O barulho é hoje o principal motivo das queixas feitas pela população pelo número 190, da PM: a cada quatro minutos, alguém liga para reclamar do transtorno.
O dado foi constatado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP). Para avaliar o impacto do tema na segurança do estado, a entidade fez um estudo detalhado sobre os telefonemas recebidos pelo 190 de moradores da Região Metropolitana do Rio. Usando números de janeiro a maio deste ano, o levantamento mostrou que, de um total de 345.964 telefonemas, 51.405 (cerca de 15%) foram sobre a chamada perturbação do sossego e do trabalho. Em segundo lugar, ficaram crimes contra a mulher, com 10%, e em terceiro, ameaça, com 7%.
O tormento de quem é forçado a conviver com vizinhos barulhentos se estende pelas mais diferentes áreas do Rio. Na capital, por exemplo, o barulho foi a principal razão de reclamações nas zonas sul, norte e oeste no período pesquisado. Só o Centro escapou: ali, o problema ficou em segundo lugar. Já na Baixada Fluminense e em Niterói, voltou a encabeçar a lista de transtornos de quem recorre ao 190.
O estudo mostrou ainda que, em média, a duração de atendimento de uma queixa como essa é de 30 minutos. Nos cinco primeiros meses do ano, entre o momento da ligação e o término da ocorrência no local, as patrulhas somaram 880.773 minutos de tempo corrido, o equivalente a 611 dias de trabalho, gastos na mediação de um problema que quase nunca a intervenção policial consegue resolver sozinha.
“Isso impacta a segurança, porque o policial deixa de fazer o patrulhamento preventivo para atender essas ocorrências. É um problema sério. O policial militar vai ao local e tenta miniminizar o dano para o cidadão, que está sofrendo por não conseguir dormir. Mas o PM, sozinho, não vai resolver a questão”, afirmou o superintendente de Integração de Operações de Emergência da Secretaria de Segurança, coronel Djalma Beltrami.
Estado pensa em patrulha multidisciplinar
Segundo ele, na maioria dos casos, o reclamante só quer sossego, não deseja se envolver num conflito direto e muito menos sair de casa, no meio da noite, para fazer um registro na delegacia, dificultando ainda mais a intervenção da PM.
“A perturbação do trabalho e do sossego é uma contravenção penal, porém, sem a presença do reclamante, o policial não pode fazer muito. Ele não é perito para atestar que o ruído está acima do permitido. Normalmente, ele vai ao local e solicita ao responsável que abaixe o volume, no que geralmente é atendido. Porém, quando vai embora, aos poucos o barulho volta”, disse o coronel.
Segundo Beltrami, a PM está discutindo com o Ministério Público e outros órgãos de fiscalização uma proposta para a criação de uma patrulha multidisciplinar, com a participação do estado e de municípios, nos moldes da Operação Lapa Presente. “É necessário um trabalho de diferentes agências, para que a gente efetivamente possa botar essa questão num patamar tolerável, porque, de fato, são muitos os abusos”.
Parceiro no projeto, o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Meio Ambiente também enfrenta uma enorme demanda, em razão de falta de educação e fiscalização. De acordo com o coordenador do centro, promotor Marcus Leal, o MP tem várias ações civis públicas contra obras, estabelecimentos e unidades públicas, entre outros acusados de fazer barulho. Para ele, por suas características culturais, o Rio é o lugar do país onde o problema é mais grave:
“A poluição sonora é um tema que desperta perplexidade muito grande. O carioca tem uma cultura de utilizar o espaço público de maneira libertária, havendo uma certa falta de compromisso com o direito alheio, entre eles o direito ao sono. Além disso, as normas jurídicas que servem de embasamento para a prevenção são pouco efetivas, e o sistema de fiscalização não é muito eficiente. Uma certa permissividade sobre essa conduta agrava ainda mais a situação”, afirmou o promotor.
Segundo ele, a poluição sonora é crime, mas a aferição de decibéis tem que ser feita por perícia.
Praça São Salvador é foco de reclamações
Francisco Palermo, o morador de Santa Teresa, já pensa em, juntamente com vizinhos, recorrer ao MP para mover uma ação judicial contra a casa de shows que não o deixa dormir. Ele conta que já tentou negociar uma solução com os responsáveis pelo negócio, sem sucesso.
“Às vezes, eu desisto e vou dormir fora, na casa de amigos. Eu vivo nesse estresse. O som da casa de shows é tão alto que não dá para conviver com ela”, afirmou Francisco.
Na área do 2º BPM (Botafogo), um dos principais focos de reclamações é a Praça São Salvador, em Laranjeiras.
“É todo santo dia. A música rola até as 22 horas. Depois os frequentadores ficam por aí, às centenas, bebendo até altas horas. O barulho sobe para os prédios, e os moradores estão sempre chamando a polícia, porque não conseguem dormir. É um inferno”, conta o zelador de um prédio em frente à praça.
A Secretaria municipal da Ordem Pública (Seop), a Guarda Municipal e o 2º BPM têm feito operações diárias na região. A lei permite os shows até as 22 horas. Depois disso, é proibido o uso de instrumentos. Nas última quinta-feira, por duas vezes agentes da Seop precisaram intervir para cessar a música após o horário regulamentar. Marcelo Maywald, chefe da 4ª Região Administrativa, que inclui Laranjeiras, disse que a prefeitura mantém uma operação permanente na área, para “tentar minimizar os danos para os moradores”. Já o coordenador de Fiscalização Ambiental do município, Laerte Souza, explicou que fiscalizações são feitas a partir de denúncias ao 1746.
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