Delazari afasta comandantes
O secretário da Segurança Pública do Paraná Luiz Fernando Delazari determinou o afastamento do comandante do Policiamento da Capital, coronel Carlos Alexandre Scheremeta e do comandante do 13.o Batalhão da PM, major Flavio Correia. A decisão foi tomada após a exibição, na Band TV, das imagens registradas pelo jornalista Anderson Leandro, que mostram que ele foi ferido deliberadamente por um policial militar. O jornalista acompanhava a reintegração registrando imagens para a produtora QuemTV e foi atingido por um projétil de borracha no rosto.
Vizinhos comemoram desocupação
Ainda estava escuro e muitos moradores já se aglomeravam no portão de suas casas, nos arredores da ocupação da Rua João Dembinski, tentando entender o que estava acontecendo. Pneus queimavam e impediam a passagem de veículos e a movimentação dentro do terreno era intensa.
"Nós vamos voltar"
Alguns manifestantes contaram que em uma reunião realizada na quarta-feira ficou combinado que, se a reintegração de posse fosse cumprida, eles fariam nova ocupação. "Nós não pretendemos retirar nada daqui, porque nós vamos voltar. Nós vamos conseguir que esse terreno seja regularizado e se transforme em nossa terra", disse o motoboy Rogério Gaiatto.
A Polícia Militar cumpriu na manhã de ontem a reintegração de posse do terreno de 170 mil metros quadrados ocupados por sem-teto há 47 dias no bairro Fazendinha, em Curitiba. Mil e duzentos policiais, incluindo o Batalhão de Choque e a Cavalaria, participaram da ação. Durante a operação, em dois pontos da Rua João Dembinski, três pessoas foram presas: duas por porte ilegal de armas e uma por desacato. Quatro ficaram feridas, incluindo uma criança de 8 anos que teve queimaduras na perna. Todas foram socorridas e passam bem. De acordo com a União Nacional pela Moradia Popular, perto de 1,5 mil famílias cerca de 6 mil pessoas. A seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) abriu processo administrativo para apurar a ação.
"A operação foi melhor do que imaginávamos, houve apenas um início de confronto", afirmou o coronel Carlos Alexandre Scheremeta, comandante do Policiamento da Capital (CPC), que foi afastado pelo secretário estadual de Seguraça Pública, Luiz Fernando Delazari, após a operação (leia texto ao lado).
Ontem à noite, enquanto os barracos eram queimados, algumas famílias de sem-teto permaneciam no local. A afirmação é de que eles não tinham para onde ir. "Mandaram a polícia nos tirar do terreno, mas nem a prefeitura e nem o governo do estado nos prestou qualquer ajuda", afirmou Mara Santos, 35 anos, que disse que passaria a noite no local, do lado de fora do terreno.
Também à noite, os sem-teto reclamavam da ausência das lideranças após a operação policial. "Depois dos tiros de borracha, nenhum dos líderes que encabeçavam o movimento ficou. Só ficaram as pessoas que realmente não têm para onde ir", disse um morador que preferiu não se identificar. Segundo o pedreiro Moacir Boscardin, por decisão das famílias que permaneceram, as crianças foram retiradas. "Decidimos mandar as crianças para a casa de amigos e parentes", diz. Porém, por volta de 20h30, ainda havia crianças no local. "Meus cinco filhos vão ter que ficar aqui na rua comigo, porque não tenho para onde levá-los", disse o pintor Eurico Gomes de Oliveira, 33 anos.
A espera
A chegada da polícia já era esperada. Desde as 5 horas, os manifestantes queimavam pneus, impedindo o trânsito e tentando conter uma operação surpresa. No entanto, a permissão para a desocupação só seria possível depois que o oficial de Justiça informasse sobre a ordem de despejo, o que ocorreu por volta das 7h40.
Antes da chegada da polícia não havia consenso entre os sem-teto sobre a forma de resistência. "Nosso objetivo é resolver tudo isso na paz. Pretendemos apenas conseguir um lugar para morar, já que muitos não têm para onde correr caso ocorra a desocupação", declarou Antônio Mendes de Moraes, integrante da ocupação. "Nós desconhecemos que qualquer pessoa tenha arma de fogo. Nós colocamos os pneus para mostrar que estamos dispostos a negociar. É facil julgar, mas só nós sabemos o que passamos", defendeu Milka Monteiro, que estava na linha de frente da resistência.
A opinião não era compartilhada pelo diagramador Fred Bandeira. "Vamos resistir o máximo. Eu perdi meu emprego para garantir um lote nesse lugar. Se cada um ficar em seu lugar, sem dispersar, temos chances de continuar aqui", argumentou. "Vamos ficar aqui até o fim, não importa como. Só queremos um lugar para morar. Fomos usados para fins eleitoreiros", afirmou Patrícia do Rocio.
Antes da desocupação, a coordenadora da União Nacional pela Moradia Popular, Maria das Graças Silva de Souza, argumentava que o despejo não era uma solução. "O município precisa dar garantias de que vai relocar essas famílias em outra área. Porque essas pessoas, mais tarde, vão invadir outras áreas."
O confronto
Com galhos de árvores e das casas construídas no terreno, os sem-teto alimentavam o fogo que, por mais de duas horas, dividiu os manifestantes dos policiais. Os manifestantes criticavam o prefeito Beto Richa, oravam pedindo proteção e cantavam músicas de desafio aos policiais e de incentivo à causa. No desespero, os sem-teto colocaram crianças e mulheres na linha de frente, acreditando que a tática poderia impedir a ação da PM.
Não foi o que ocorreu. Por volta das 9h20, a ação teve início. Usando bombas de efeito moral e tiros de borracha contra as pedras e pedaços de madeira dos manifestantes, a polícia não teve dificuldade em dispersar a multidão. Após 20 minutos de muita correria, os manifestantes foram acuados e, rapidamente, voltaram ao terreno para resgatar os pertences e tentar salvar o que fosse possível. Até o fim do dia, as máquinas da prefeitura demoliriam todas os barracos.
"Não tenho mais onde morar"
Após a "vitória" da Polícia no rápido confronto com os sem-teto, a maior parte das famílias procurou voltar para buscar os pertences no terreno, o que foi autorizado pela PM. "Estou desempregado e não tenho mais onde morar. Neste momento, não tenho a menor idéia do que posso fazer", disse o pedreiro José da Silva, enquanto carregava algumas mudas de roupa e incentivava sua mulher a deixar a área.
A situação da maior parte das pessoas é semelhante. São empregados, com renda mensal próxima a um salário mínimo, que viviam de aluguel. "Tenho cinco filhos. Ganho R$ 450 por mês, e o preço do aluguel é de R$ 300. Fica difícil até de dar de comer às crianças. Na fila da Cohab, precisa ficar mais de 20 anos. Esse é o caminho mais fácil para conseguir moradia", explica o sem-teto Edson Santos.
Mas nem todos são sem-teto. Pelo menos 48 pessoas que estavam na ocupação já receberam casa, apartamento ou terreno da Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab-CT). Outras 41 tiveram o registro suspenso pela falta de atualização do cadastro, feita a cada ano.
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