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PMs são proibidos de publicar conteúdos sobre dia a dia policial e de se manifestar politicamente

PMs são proibidos de publicar conteúdos sobre dia a dia policial e de se manifestar politicamente
Fontes ouvidas pela reportagem apontam que nova diretriz da PM de São Paulo fere liberdade de expressão dos policiais (Foto: SSP-SP)

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O Comando Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) criou uma série de normas a serem observadas por praças e oficiais da corporação quanto à atuação nas redes sociais e em aplicativos de mensagens. A medida restringe, e praticamente inviabiliza, a produção de vídeos sobre o dia a dia dos policiais – tipo de conteúdo que há anos tem sido sucesso na internet, sendo responsável por mais de um bilhão de visualizações ao mostrar a rotina de combate ao crime no Brasil –, além de reforçar a proibição a manifestações político-partidários dos agentes.

As normas, que deverão ser seguidas por policiais da ativa e veteranos, estão presentes na diretriz PM3-006/02/21, publicada no Diário Oficial do estado em 29 de dezembro. Agentes que descumprirem as determinações terão sua conduta apurada "à luz do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar, do Código Penal e do Código Penal Militar, conforme o caso", cita o documento.

A publicação das novas regras no atual momento, em que se inicia o ano eleitoral com disputa para os cargos de governadores, senadores, deputados estaduais e federais e presidente da República, é citada por fontes ouvidas pela reportagem como uma tentativa, por parte do governo de João Doria (PSDB), de impedir que policiais participem do debate público e, eventualmente, disputem cargos políticos. Em agosto de 2021, o afastamento, a pedido de Doria, de um coronel da PMESP que em suas redes sociais fez publicações em apoio a um ato pró-Bolsonaro e com críticas ao governador paulista, gerou uma crise na PMESP por ter sido vista como uma interferência política do governo na corporação.

“Diretriz da censura”, diz parlamentar capitão da PMESP

As novas normas da corporação paulista têm como objetivo, segundo o Comando Geral, de “orientar os policiais militares quanto ao correto uso das vias digitais de comunicação”. Dentre as proibições estão:

  • produzir, publicar ou compartilhar, nas redes sociais e aplicativos de mensagens, conteúdos que se relacionem, direta ou indiretamente, com a Polícia Militar (vídeos, imagens, áudios, textos, entre outros);
  • usar, em seus perfis nas redes sociais, fotos que façam alusão à sua condição de militar, como farda, viatura, insígnia, brasão, etc.;
  • fazer críticas a superiores ou ao governador do estado;
  • fazer manifestações de caráter reivindicatório e de cunho político-partidário.

Para o deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP), que é capitão da PMESP, a proibição genérica a toda e qualquer postagem relacionada à Polícia Militar, independentemente da natureza do conteúdo, ainda que não seja crítico a ato de superior hierárquico ou verse sobre a disciplina militar, representa uma tentativa de controle ou censura por parte da Comando Geral da polícia paulista.

“Isso fere frontalmente o direito à livre expressão, previsto no artigo 5º, inciso IV, da Constituição Federal. Além disso, a diretriz extrapola a sua vocação, que deveria ser meramente regulamentar, para se exercer uma função prescritiva de condutas e comportamentos, o que se reserva exclusivamente a leis”, afirma o parlamentar. “É pacífico tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, que a Administração Pública não pode, por ato administrativo, conceder direitos ou criar obrigações”, prossegue.

Para o deputado, as determinações expressas na norma poderiam ser apresentadas como mera recomendação, sem cerceamento de direitos ou vedação prévia de postagens. “Caso o Comando queira fazer da forma como fez, terá que buscar o caminho constitucional, que é a submissão do tema à Assembleia Legislativa”.

“A Polícia Militar, sob o pretexto de proteger a instituição, acabou nivelando todos os policiais, todas as postagens por baixo, como se a maioria realizasse postagens que denegrissem a imagem da instituição, o que sabemos que não é verdade”, complementa Derrite.

No dia 30 de dezembro, o parlamentar entrou com uma ação, na Justiça de São Paulo, pedindo a anulação do ato administrativo por ilegalidade. Na mesma data, protocolou um ofício ao secretário de segurança pública de São Paulo, General João Camilo Pires de Campos, pedindo explicações sobre a norma.

Para o coronel da reserva remunerada Wanderby Braga de Medeiros, ex-corregedor da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ), embora a diretriz aborde questão relevante e, em alguns casos pontuais, não o fez de forma suficientemente objetiva. “Isso pode levar à percepção não só de excesso, como também de contradição nos esclarecimentos pretendidos”, aponta Medeiros.

“A liberdade de expressão, vedado o anonimato, emana da Constituição Federal, não podendo, portanto, ser ameaçada por ato administrativo de qualquer comando. Por outro lado, não sendo ela um direto absoluto, deve ser encarada no meio militar e civil em cotejo com as normas legais e infralegais vigentes e aplicáveis a cada caso”, continua.

Para o Coronel Telhada (PP), deputado estadual de São Paulo e também oficial da PMESP, a corporação deu um “tiro no próprio pé” ao publicar a diretriz PM3-006/02/21. Segundo ele, trata-se de uma “lei da mordaça”, que trata os policiais militares como cidadãos sem direitos constitucionais. O parlamentar também cita a tentativa de impedir que policiais influenciem no debate político.

<em>Apesar das restrições aos policiais produtores de conteúdo, o canal oficial da PMESP no YouTube, com quase 600 mil inscritos que publica o dia a dia policial usando a mesma estética criada pelos policiais influenciadores, será mantido (Reprodução)</em>

Policiais influenciadores e política

Para fontes ouvidas pela Gazeta do Povo, o aumento no número de profissionais da segurança pública em cargos eletivos nos últimos anos tem fomentado tentativas diversas de impedir que mais agentes ocupem espaço nas casas legislativas e até mesmo no poder Executivo.

Somente em 2018, foram eleitos 73 policiais e militares para o Congresso Nacional e assembleias estaduais, o equivalente a quatro vezes mais do que as eleições de 2014. Já em 2020, ano que contou com eleições municipais (prefeitos e vereadores), foram eleitos 50 prefeitos e 809 vereadores oriundos das forças de segurança.

Casos emblemáticos, como o do ex-soldado da PMERJ e atual vereador da capital carioca, Gabriel Monteiro, ilustram um caminho que tende a ser seguido por uma parcela dos policiais que possuem centenas de milhares de seguidores na internet. Diante de eventuais conflitos com superiores em suas corporações em decorrência do sucesso nas redes sociais, alguns podem deixar de lado a carreira policial e migrar para a política.

Foi o que ocorreu com Monteiro. Depois de diversos desentendimentos com superiores após alçar seu canal a cerca de dois milhões de seguidores e alegando perseguições internas, em agosto de 2020 Monteiro decidiu pedir desligamento da corporação para concorrer à Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Três meses depois, foi o terceiro candidato mais votado da capital. Na época, o influenciador contava com 2,5 milhões de seguidores.

Situação semelhante ocorreu com Carlos Alberto da Cunha, conhecido na internet como Delegado Da Cunha. Exercendo o cargo de delegado da Polícia Civil de São Paulo por 15 anos, o influenciador começou, em novembro de 2019, a filmar operações policiais feitas por sua equipe e publicá-las na internet. Como resultado, o delegado já soma mais de 300 milhões de visualizações em seus vídeos.

<em>Delegado Da Cunha, afastado da Polícia Civil de SP. Influenciador tem 3,7 milhões de seguidores no YouTube (Reprodução)</em>

O sucesso, no entanto, também acarretou problemas internos – o influenciador passou a responder processos administrativos internos e acabou sendo afastado de suas funções. Ao deixar a corporação, Da Cunha passou a dizer publicamente que “interesses políticos” de superiores teriam levado ao seu afastamento. O influenciador é alvo de investigações por parte da Corregedoria. Os inquéritos apuram possível cometimento de abuso de autoridade e violação de sigilo funcional.

Na época do seu afastamento, o delegado – que atualmente conta com nove milhões de seguidores na soma de todos os seus canais digitais – declarou que concorreria ao cargo de governador de São Paulo e chegou até a filiar-se ao MDB. Recentemente, no entanto, ele anunciou que não pretende mais entrar na disputa pelo governo e deixou em aberto uma candidatura futura a outro cargo político.

Uma série de outros policiais influenciadores, com número menor de seguidores, mas também bastante expressivo, tem passado por situações semelhantes. Em setembro de 2021, Gustavo Silveira da Costa, conhecido como Soldado Da Costa, que atuava no 23º Batalhão da Polícia Militar do Paraná (PMPR), em Curitiba, pediu baixa da corporação. O ex-policial mantinha o canal chamado Perdeu Piá, com 470 mil inscritos.

O militar tinha uma câmera acoplada em sua farda, filmava seu dia a dia nas ruas da capital paranaense e publicava em seu canal. Mas Da Costa passou a responder a processos administrativos e, segundo ele, a sofrer represálias na corporação por conta dos vídeos publicados. Após ser retirado das ruas e ser designado para trabalhos administrativos, o soldado decidiu pedir seu desligamento da PMPR.

De acordo com o influenciador, ele teria passado a ser “caçado” por uma minoria de comandantes da corporação que tinham grande influência no batalhão devido à repercussão do seu canal. Em entrevista coletiva na época do desligamento do ex-soldado, o coronel Hudson Leôncio Teixeira, da PMPR disse que Da Costa foi afastado das atividades “uma vez que fazia comentários que transgridem as normas disciplinares e os princípios da hierarquia da nossa Polícia Militar”.

Já o ex-soldado, em entrevista ao programa Balanço Geral, afirmou que havia receio por parte de alguns comandantes quanto a uma possível capitalização do sucesso do canal para eventual candidatura a algum cargo político. “Fui chamado várias vezes para conversar por diversos superiores. E um deles mostrou no celular dele uma conversa com outros comandantes dizendo que tinham que dar um jeito de parar com meu canal. Esse comandante questionou o porquê disso, e a resposta foi: ‘O senhor já pensou se ele sai candidato a alguma coisa nas eleições?’, como se isso não fosse um direito de qualquer cidadão e do militar”, disse o soldado.

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