Testemunhas da série de assassinatos atribuídos ao ex-comandante do Corpo de Bombeiros, o coronel reformado Jorge Luiz Thais Martins, de 56 anos, e moradores da região onde ocorreram os crimes acusam policiais militares de participarem, ainda que indiretamente, dos homicídios ocorridos no bairro Boqueirão, em Curitiba. Segundo o inquérito policial, Martins é suspeito de ter matado nove pessoas e baleado outras cinco, que conseguiram escapar com vida.
O clima é de medo no bairro. Segundo moradores, por volta da 1h30 de ontem, uma Ecosport estacionou no local e os cinco ocupantes do automóvel desceram e revistaram pessoas que estavam na Rua Cleto da Silva, palco de quatro ataques. Quatro testemunhas ouvidas individualmente pela Gazeta do Povo contaram que os homens estavam armados, encapuzados e que trajavam roupas escuras ou cáqui. Após a abordagem, eles teriam deixado um recado: "O coronel manda lembranças". Dentre as testemunhas, está o pai de uma vítima.
Outros elementos e depoimentos evidenciam a participação de policiais já no primeiro ataque atribuído ao coronel Martins, ocorrido na madrugada de 8 de agosto de 2010, próximo à favela da Rocinha. Na ocasião, um usuário de drogas morreu no local e outro, no hospital. Um homem foi baleado, mas sobreviveu.
Segundo uma moradora da região, o ataque ocorreu poucos minutos depois que uma viatura da PM passou pelo local e abordou o grupo. Após o crime, os mesmos policiais teriam retornado e adulterado a cena do crime, antes da chegada do Instituto de Criminalística (IC). "Eles [os policiais] apareceram muito rápido e pegaram os cartuchos que estavam no chão", conta.
Um morador da Cleto da Silva relata uma ação semelhante ocorrida por volta das 6 horas de 1.º de janeiro deste ano, quando foram assassinados Vanusa Angioletti, que seria usuária de drogas, e o taxista Luciano Vecchi da Silva. De acordo com ele, policiais militares teriam passado diversas vezes pela rua ao longo da madrugada. "Eles [os policiais] jogavam luz de farolete dentro das casas. Não sei o que procuravam, mas ninguém dormiu naquela noite", contou. "A gente acredita que os próprios PMs avisavam o atirador que tinha drogados na rua", supôs.
"Ronda"
Fontes da polícia afirmam que testemunhas do primeiro ataque do qual o coronel é suspeito apontaram a "ronda" de policiais e que a cena do crime teria sido adulterada. Entretanto, a informação não entrou no inquérito policial porque os moradores tiveram receio em testemunhar oficialmente.
Em entrevista coletiva concedida na tarde de ontem, a delegada Vanessa Alice, responsável pela Delegacia de Homicídios (DH) até o fim do ano passado e que presidiu o inquérito, diz que as investigações indicam que os homicídios foram cometidos pessoalmente pelo coronel Martins. Entretanto, confirmou que há indícios da participação de outras pessoas em ameaças a moradores da região onde os crimes ocorreram. Vanessa, no entanto, disse não ter informações se essas pessoas seriam policiais.
Segundo moradores ouvidos pela Gazeta do Povo, depois que as mortes começaram a ocorrer, os casos de ameaça supostamente cometidos por policiais fardados se multiplicaram. O medo pode ser explicado por detalhes do inquérito: duas pessoas teriam testemunhado crimes e sido ameaçadas.
Uma mulher de 28 anos afirma ter sido torturada pessoalmente pelo ex-comandante e por quatro policiais. O corpo dela está marcado por pontas de cigarro. O caso foi registrado no 7.º Distrito Policial (DP), no bairro Hauer. Segundo moradores, desde que as suspeitas sobre o coronel Martins se tornaram públicas, viaturas passaram a rondar a via com maior frequência. "A gente vive com medo. Se um homem da lei fez uma coisa dessas, qualquer coisa pode acontecer", disse um homem que mora próximo ao local.
Na mesma rua, há dois bares onde, segundo relatos, o coronel Martins chegou a frequentar por mais de uma vez. De acordo com testemunhas, nessas ocasiões, o ex-comandante se portava de maneira tranquila, cordial e nunca chegou a ameaçar as pessoas. "Ele [Martins] se sentava em uma mesa do canto, pedia alguma coisa para beber e ficava ali. Ele até puxava papo", conta um morador. A delegada Vanessa Alice confirmou que as investigações apontaram que o suspeito costuma "voltar ao local do crime".
Veja o mapa com a localização de cada crime
Correção
A Gazeta do Povo errou ontem ao publicar o nome do filho do coronel Jorge Martins assassinado em outubro de 2009. Ao invés de João, ele se chamava Jorge Guilherme.