A Polícia do Rio abriu inquérito para apurar o crime de estupro de vulnerável na 12.ª edição do reality show Big Brother Brasil (BBB), da TV Globo. Ontem o modelo paulista Daniel Echaniz, de 31 anos, e a estudante gaúcha Monique Amin, de 23, em depoimento à polícia, negaram que houve relação sexual entre os dois após uma festa no sábado e admitiram apenas a troca de carícias íntimas. Ela se negou a realizar o exame de conjunção carnal, que poderia detectar se houve violência sexual.
"Diante da recusa, nós apreendemos as roupas íntimas e de cama usadas por eles no dia da festa e encaminhamos para a perícia. Os resultados ficam prontos em 30 dias. A TV Globo cedeu as fitas do programa e vamos analisar as imagens para confrontar com os depoimentos", afirmou o delegado titular da 32.ª Delegacia de Polícia da Taquara, Antônio Ricardo Eli Nunes.
Após a reação de internautas e espectadores ao suposto estupro, transmitido ao vivo para assinantes na tevê e internet, na manhã de domingo, a direção do programa inicialmente afirmou que a relação foi consensual. Na segunda-feira, o diretor do BBB, José Bonifácio Brasil de Oliveira, o Boninho, declarou que não era possível saber se houve ou não sexo embaixo das cobertas. No entanto, na noite do mesmo dia, o apresentador Pedro Bial anunciou a eliminação do modelo "por infringir as regras do programa", sem explicar as normas que foram quebradas por Daniel.
A investigação da Polícia Civil quer descobrir se a jovem estava consciente no momento em que o rapaz iniciou as carícias embaixo do edredom. Caso comprovado que a estudante, que admitiu o consumo de álcool, não poderia oferecer resistência total ao ato, o modelo será indiciado por estupro de vulnerável.
Estupro de vulnerável
É considerado crime de estupro qualquer constrangimento mediante violência ou ameaça pela prática de ato libidinoso. "Não é necessário haver conjunção carnal. Tudo o que for considerado ato libidinoso, como carícias em partes íntimas, pode caracterizar o estupro", afirma a chefe da Delegacia da Mulher de Curitiba, Maritza Haisi.
Pelo que foi divulgado sobre o caso ocorrido no Big Brother, não houve violência ou ameaça, mas o fato de a vítima estar desacordada constitui o crime. É o chamado estupro de vulnerável, quando a vítima não pode oferecer resistência. "A lei protege a vítima menor de 14 anos, enferma, deficiente mental ou que, por qualquer causa, não pode oferecer resistência", explica a delegada. Se for comprovado que Monique tinha total incapacidade de resistência ao ato, a ação penal será proposta independentemente da vontade dela.
Manifestação
Pedindo uma maior reflexão sobre a cultura de estupro e da não-apologia aos crimes sexuais, grupos feministas organizam um ato pacífico para sexta-feira, às 19 horas, em frente à sede da Rede Paranaense de Comunicação, retransmissora da Globo, em Curitiba. Organizado por um grupo autodenominado Dente de Leão, o ato, que está sendo chamado de "levante", tem divulgação nas redes sociais e já tem mais de 150 pessoas confirmadas.
"O que queremos com esse ato é fazer com que as pessoas reflitam sobre a cultura do estupro. A sociedade ensina a não ser estuprada, ao invés de ensinar a não estuprar", afirma Ludmila Nascarella, da organização.
Caso reacende debate sobre controle da mídia
O suposto estupro ocorrido no programa Big Brother Brasil pode trazer à tona mais uma vez o debate sobre a regulação da mídia. Assunto tabu no Brasil, o marco regulatório das comunicações é motivo de posições diversas e ainda enfrenta a ausência de uma proposta concreta do governo federal.
A Constituição Federal garante que a programação das emissoras dê preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. Para a coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Rosane Bertotti, o BBB ocupa horário nobre sem atender a esses requisitos e reforça a necessidade de regulação da radiodifusão. "A comunicação é um direito, a concessão é pública e tem que ter gestão pública", avalia.
A proposta de um novo marco regulatório para mídia é discutida desde o início do governo Lula. Há um ano, o Ministério das Comunicações recebeu proposta elaborada pelo ex-ministro Franklin Martins, mas até agora o projeto não foi apresentado. Para Rosane, a exposição de um possível crime em um programa de entretenimento reforça a urgência de se regulamentar a mídia brasileira.
Sem censura
O doutor em Comunicação e professor aposentado da Universidade de Brasília, Venício Artur de Lima, sustenta que a regulação proposta para a mídia diz respeito ao mercado e não ao conteúdo veiculado. "O marco regulatório da comunicação não é uma censura aos veículos de imprensa, mas à formação de monopólios e oligopólios", explica.
Para ele, a única associação possível entre a polêmica do estupro e a a regulação da mídia tem como base o artigo 220 da Constituição Federal, já que o marco regulatório protege o que já existe na lei. "A Constituição garante à pessoa e à família a possibilidade de se defender de programas que contrariem valores éticos e sociais", explica.