Consequência
Falta de punição pode transformar vítima em novo agressor
A impunidade dos crimes contra a criança e o adolescente reflexo direto do baixo número de inquéritos concluídos pela Polícia Civil pode trazer consequências negativas para a formação da vítima ou até transformá-la em um novo agressor, afirmam especialistas. "Do ponto de vista psicológico é sempre melhor que haja a punição, mesmo que a criança venha a sofrer porque o culpado está na família", afirma Marianne Bonilha, psicóloga do Hospital Pequeno Príncipe, que no ano passado atendeu 374 crianças e adolescentes com suspeitas de terem sofrido maus-tratos ou violência sexual em Curitiba e região metropolitana. Na maioria dos casos, as agressões ocorrem dentro de casa e são cometidas por alguém muito próximo da vítima, principalmente parentes.
Já Maria Olympia de Azevedo Ferreira França, psicóloga da Sociedade Brasileira de Psicanálise, observa um efeito mais imediato quando o autor da violência não é punido. "Punir o agressor tem um caráter educativo insubstituível ao fazê-lo entender que ele não pode tocar a criança daquela forma. Geralmente, em casos de impunidade, a violência contra aquela vítima pode aumentar", argumenta.
Há três anos, em pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nas capitais, 4.489 alunos do 9.º do ensino fundamental responderam que haviam sido agredidos por um parente adulto 12 vezes ou mais nos últimos 30 dias. Em Curitiba, 170 jovens responderam à questão dessa forma. No total, aproximadamente 678 mil alunos foram entrevistados. (RM)
93 delegacias
especializadas em atendimento à criança e ao adolescente funcionam hoje no país, segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública. Esse número pode ser maior, já que Amapá, Paraíba e Roraima não responderam ao último relatório da entidade, produzido em 2011. Santa Catarina, com 25 unidades, é o estado com maior atendimento policial a essa faixa etária.
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O aumento das denúncias de maus-tratos e abuso sexual contra crianças e adolescentes ainda não foi acompanhado pela esperada punição aos agressores. Somente em Curitiba, nos últimos dois anos, foram concluídos apenas 229 dos 1.165 inquéritos abertos, o que representa 20% dos casos. Descontando as 158 ocorrências que foram arquivadas por falta de provas ou por desistência do denunciante, 778 inquéritos ainda estão represados no Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente (Nucria), a delegacia especializada que concentra os casos dessa natureza na capital paranaense. Normalmente, o prazo inicial para conclusão de um inquérito policial é de 30 dias, renováveis por mais 30. Pedidos de prazos superiores a esses dependem de autorização judicial.
A situação é ainda pior se os dados forem desmembrados por ano. Em 2011, apenas 4% dos 567 inquéritos abertos foram concluídos. Já em 2010, o Nucria conseguiu concluir 34% dos 598 procedimentos instaurados. Margarete de Oliveira, delegada chefe do local, aponta a desistência do denunciante e as dificuldades para obtenção de provas como duas das dificuldades para a conclusão dos inquéritos. A delegada admitiu, porém, que no ano passado houve problemas estruturais no local.
"Tivemos um problema com falta de escrivães, mas isso já está resolvido e neste ano instauramos 187 inquéritos. Além disso, estamos trabalhando na conclusão das investigações dos inquéritos dos anos anteriores", diz. Hoje, segundo Margarete, o Nucria conta com quatro escrivães, além de três delegadas, dez investigadores e três psicólogos.
Demanda maior
Segundo a Secretaria de Nacional de Direitos Humanos, no primeiro quadrimestre de 2012 foram registradas 34.138 denúncias de crimes contra crianças e adolescentes no serviço disque 100 41% do total registrado no ano passado.
A demora na conclusão da investigação policial é criticada por Marta Marília Tonin, presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente na seção Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). "Faltam ferramentas para dar melhores condições para as estruturas policiais, para que elas façam investigações mais ágeis. Às vezes, um inquérito leva de 2 a 3 anos para ir para o Judiciário", afirma.
Até 30 de abril deste ano, a 12.ª Vara Criminal de Curitiba, que centraliza os crimes contra a criança e o adolescente na cidade, tinha 1,5 mil inquéritos em andamento. Nos últimos dois anos, porém, a vara conseguiu julgar mais processos do que recebeu. Em 2010, entraram 76 novos casos no local e 144 foram julgados enquanto no ano passado surgiram 74 novos processos e 99 receberam um veredito.
O cenário de inquéritos represados do Nucria, porém, não é exclusividade da capital paranaense, pelo menos é o que garante Ariel Alves, vice-presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da OAB. "Com certeza isso acontece em nível nacional, principalmente em estados do Norte e Nordeste, onde a estrutura policial é menor do que no Paraná. No geral, as denúncias não são acompanhadas das apurações, o que gera uma forte sensação de impunidade", afirma.
Interior do PR vai receber cinco Nucrias
O governo do estado promete iniciar neste ano a interiorização do Nucria (Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente) no Paraná, com a instalação de cinco novas unidades. Paranaguá (Litoral), Ponta Grossa (Campos Gerais) e Londrina (Região Norte) deverão ser contempladas com as novas delegacias ainda em 2012. Cascavel (Oeste) e Maringá (Noroeste) também serão contempladas, mas não neste ano. Hoje, apenas a capital tem a delegacia especializada.
Segundo a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), o Conselho Estadual da Criança e do Adolescente destinou R$ 2,1 milhões para ampliar a rede Nucria no estado. O valor contempla a aquisição de imóvel, veículos, mobiliário, equipamentos e prestação de serviços. Ainda de acordo com a Sesp, as novas delegacias devem ser entregues neste ano, mas os efetivos que serão empregados ainda não foram definidos.
No último dia 18 de maio, data que marca o combate à violência contra a criança e o adolescente, o governo anunciou que investirá também na construção de uma nova sede unificada para o Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas (Sicride) e o Nucria de Curitiba.
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