A Polícia Civil vai investigar todas as mortes terminais ocorridas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Geral do Hospital Evangélico de Curitiba desde 2006, quando a médica Virgínia Helena Soares de Souza se tornou chefe do setor. Segundo o Núcleo de Repressão aos Crimes contra a Saúde (Nucrisa), há suspeitas de que pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) tiveram suas vidas abreviadas por decisão da médica.
Além de Virgínia, detida em caráter provisório desde segunda-feira, todos os funcionários que atuavam na UTI serão investigados. "A investigação tem cerca de um ano, mas os fatos podem estar acontecendo há mais tempo", afirmou a delegada do Nucrisa, Paula Brisola. A médica deve ser indiciada por homicídio qualificado, sem chances de defesa das vítimas.
Em entrevista coletiva ontem, a delegada esclareceu que o caso não é uma suspeita de eutanásia quando a morte é antecipada por pedido do paciente ou da vítima, prática vedada no Brasil. "Investigamos antecipação de óbito na UTI Geral. Não falamos em eutanásia. O que ocorre quando se antecipa um óbito é homicídio."
Leitos
Ao todo, o hospital tem 62 leitos em quatro UTIs. A unidade geral, chefiada por Virgínia, tem 25 vagas. Há outros 25 leitos na UTI Neonatal (tipo III), oito para cuidados intermediários de neonatal e quatro para o setor de queimados. Em nota, o Evangélico informou que cada UTI tem estrutura e equipe independentes. Entretanto, na lista do corpo clínico do hospital constam apenas dois médicos.
A delegada Paula afirmou que no período de investigação alguns pacientes podem ter tido suas vidas abreviadas pela médica, mas até então não havia nenhuma justificativa para afastá-la do cargo. Segundo o delegado-geral da Polícia Civil, Marcus Vinícius Michelotto, somente agora surgiram "motivos concretos fortes" para efetuar a prisão. "A prisão temporária foi decretada [por 30 dias] para garantir a investigação e evitar que qualquer situação que pudesse gerar dano à vida de paciente ocorresse", ressaltou Paula.
Segundo a delegada, não há como responsabilizar diretamente o hospital pelas mortes. "O sigilo [judicial do caso] foi solicitado por mim porque entendi que podia causar uma comoção pública. As pessoas vão se sentir inseguras no atendimento e nós precisamos investigar e comprovar tudo. E também para garantir a intimidade das partes envolvidas", explicou.
Médica não era a responsável técnica pelo setor
Vanessa Fogaça Prateano
Apesar de chefiar a UTI Geral do Hospital Evangélico, a médica Virgínia Helena Soares de Souza não é a responsável técnica pela unidade. A responsabilidade cabe a outro médico do corpo clínico da instituição. Segundo o advogado dela, Elias Mattar Assad, Virgínia tem residência médica como intensivista condição essencial para ela desempenhar a função , mas por "questões burocráticas" o documento não foi registrado. "Ela é perita, trabalha como intensivista desde 1988", ressaltou.
Resolução
A exigência de médico intensivista em UTIs, entre outros itens, consta da Resolução n.º 07/2010 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Entretanto, após três anos de prazo para as instituições se adequarem, somente a partir da próxima segunda-feira a regra passa a valer em caráter terminativo.
Na resolução estão claras as responsabilidades dos médicos, a forma como devem gerir seus funcionários, como proceder nos casos em que há um índice de mortalidade além do previsto, entre outras questões.
O presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), José Mário Telles, explica que, a partir de segunda-feira, todas as unidades da área deverão contar com um chefe de UTI com especialização na área, além de um diarista um médico que trabalha todos os dias em determinado turno também especializado. "Caso isso não seja cumprido, pode haver uma autuação por parte da Anvisa e também um processo contra o hospital. Já o médico que exerça função sem a titulação pode sofrer um processo ético, pois isso configura imperícia".
Somente o plantonista, outro profissional indispensável na UTI, pode ser dispensado da obrigatoriedade de titulação. De acordo com a Amib, seriam necessários 26 mil intensivistas para dar conta dos 29 mil leitos do país, mas atualmente apenas 6,5 mil possuem a especialização no Brasil.
Preparo
O médico intensivista é importante porque somente ele está preparado para lidar com situações muito peculiares, de acordo com o médico intensivista do Hospital de Clínicas da UFPR e coordenador da UTI do Hospital Vita Curitiba, Alain Márcio Luy. "O paciente de UTI é diferente daquele que está no quarto do hospital ou no consultório. Geralmente ele tem uma doença que está associada a outros problemas, como pressão baixa, falta de oxigênio, rins comprometidos. O médico precisa conhecer o corpo como um todo e ainda lidar com uma série de aparelhos que não estão presentes no dia a dia de outros especialistas".