A Justiça gaúcha voltou atrás e autorizou, no fim da tarde de ontem, a transferência para Curitiba de três policiais civis paranaenses que estão detidos em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, acusados de terem matado um sargento da Brigada Militar na semana passada, enquanto investigavam um caso de sequestro. Segundo a Polícia Civil do Paraná, o pedido havia sido negado na quarta-feira e o deferimento só ocorreu depois que a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) do Paraná ofereceu "garantias" de que os investigadores permanecerão presos, "sem direito a passeios e saídas de qualquer natureza". Apesar da decisão, a manutenção da prisão dos agentes intensifica o desgaste entre autoridades gaúchas e paranaenses.
De acordo com a juíza Eda Salete Zanatta de Miranda, da 1.ª Vara Criminal de Gravataí, o governo paranaense deverá custear as despesas administrativas da transferência e os policiais civis devem permanecer à disposição da polícia, do Ministério Público e da Justiça do Rio Grande do Sul. A decisão estabelece ainda que, quando solicitados, os agentes deverão ser apresentados em 24 horas às autoridades do estado vizinho.
Uma semana depois do incidente que acabou com a prisão dos policiais paranaenses e que resultou na morte do sargento gaúcho e de um dos reféns, o Paraná elevou pela primeira vez o tom do discurso. O deputado federal Fernando Francischini (PSDB) saiu em defesa dos policiais paranaenses e apresentou à Comissão Representativa do Congresso Nacional um requerimento pedindo que o governador gaúcho Tarso Genro (PT) explique o "tratamento diferenciado" dado aos agentes paranaenses e gaúchos, envolvidos no episódio.
"O caso está virando uma questão política, porque o governador do Rio Grande do Sul está querendo encobrir um erro da polícia gaúcha, que ele comanda, jogando toda a culpa em cima dos policiais do Paraná. Ele [Genro] está superdimensionando o acontecimento para acobertar a própria falha", atacou o deputado.
Na semana passada, Genro havia classificado a ação dos policiais paranaenses como uma "operação irresponsável e ilegal", segundo o jornal Zero Hora. Os chefes da Brigada Militar e da Polícia Civil gaúcha também condenaram a atuação dos agentes. O principal argumento era que a Polícia Civil paranaense não teria avisado as autoridades gaúchas sobre a operação.
Avaliação
Uma organização independente formada por delegados paranaenses, a Comissão de Direitos Humanos "Irmãos Naves", divulgou um relatório ontem, avaliando que não houve "ilegalidade" ou "clandestinidade" na ação dos policiais do PR. O documento ressalta que, de acordo com o Código do Processo Penal (CPP) a comunicação sobre a operação às autoridades gaúchas poderia ocorrer ao fim dos trabalhos. O relatório ressalta ainda a natureza sigilosa da ação e o risco que corriam as vítimas. "Não há que se falar em invasão de território, pois o RS continua sendo uma unidade da República Federativa do Brasil", ressalta o texto, assinado pelo delegado Claudio Marques, conselheiro da comissão.
Mais comedido, o comandante da Polícia Civil do PR, o delegado-geral Marcus Vinícius Michelotto, evitou entrar na seara política, mas comemorou a transferência. "A prisão foi uma decisão injusta. Não havia nenhuma necessidade de eles [os policiais paranaenses] terem sido presos. Eles não cometeram nenhuma falha e isso vai ficar comprovado", disse Michelotto.
DetalhesOperação terminou com morte de refém
O caso que terminou com a prisão dos policiais paranaenses ocorreu no dia 21 de dezembro. Três agentes do Grupo Tigre, elite antissequestro do Paraná, investigavam o sequestro de dois empresários paranaenses que haviam ido a Gravataí (RS) para comprar uma máquina agrícola. Os policiais do PR estavam em um carro descaracterizado quando o sargento gaúcho Ariel da Silva, que estava fora de serviço, tentou abordá-los. Ele estava sem farda e em uma moto sem identificação. Houve troca de tiros, o policial do RS foi atingido por cinco tiros e morreu.
O delegado da Corregedoria da Polícia Civil do RS, Paulo Rogério Grillo, responsável pelas investigações, disse que o brigadista gaúcho não chegou a se identificar como policial. Ele teria seguido os investigadores paranaenses de moto e, quando o carro que eles ocupavam parou no semáforo, o policial gaúcho teria descido com arma em punho. "Eles [os policiais do PR] acharam que iam sofrer um atentado. Dá para afirmar que a alegação deles é de que atiraram em legítima defesa", disse Grillo.
O deputado Francischini, que se notabilizou por sua atuação como delegado da Polícia Federal (PF), afirma que a série de equívocos ocorreu por causa da abordagem errônea do sargento. "O que ele fez é contra qualquer regra de abordagem. Como um policial à paisana vai sozinho abordar um carro?", disse.
No dia seguinte, uma das vítimas Lírio Persch morreu atingido por dois tiros nas costas, quando era retirado do cativeiro com o outro refém e com os sequestradores. De acordo com o relatório da Comissão de Direitos Humanos "Irmãos Naves", os disparos foram efetuados por dois delegados gaúchos "que se viram obrigados, pelas circunstâncias, a agir de imediato, sem nenhum planejamento prévio, pois o encontro do cativeiro foi casual".
De acordo com a apuração da comissão, nenhum policial paranaense participou dessa ação, porque outra equipe do Tigre estava em poder da Brigada Militar gaúcha, que os havia abordado em outro ponto da cidade. O relatório aponta ainda que a polícia do RS quebrou o sigilo da operação e que chegou a divulgar uma foto de um sequestrador encontrada na viatura dos policiais paranaenses.