São Paulo Num dos depoimentos que fez à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios, em 2005, o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza virou-se para um deputado que parecia perdido na conversa e perguntou: "O senhor quer que lhe ensine os caminhos do mundo financeiro?" O episódio ficou na memória do historiador Bóris Fausto, que o acompanhava pela tevê. Era um exemplo a mais, para Fausto, de que grande parte dos políticos brasileiros não consegue entender questões complexas das sociedades modernas e, portanto, não tem opinião a respeito nem a cobrará do partido. O impacto político da globalização, sutilezas legais das altas finanças, patentes industriais, ética na internet, direito espacial, pesquisas com células-tronco... A lista não pára de crescer.
Nesta entrevista, o professor, que é também membro da Academia Brasileira de Ciências, adverte: "Os partidos não estão preparados para as questões complexas da sociedade moderna. É essencial devolver ao Legislativo sua importância política. Ou os partidos enfrentam o desafio ou se enfraquecerão cada dia mais".
O que o senhor diz de um Congresso em que as legendas estão esvaziadas e há 113 frentes parlamentares registradas?Bóris Fausto A proliferação de bancadas e frentes decorre de dois fatores: uma crise partidária e também o caráter mais complexo da sociedade em que vivemos, na qual a especialização cresceu muito. Hoje, é preciso que um partido esteja bem informado sobre finanças, meio ambiente, tecnologia, urbanismo, assuntos jurídicos, pesquisa científica. Há projetos de lei em que se fundem questões científicas, religiosas e morais.
O que as siglas podem fazer?A saída é as legendas apegarem-se a seus princípios básicos, transformá-los em questões fechadas. Mas não é simples. Aparece, por exemplo, um projeto que autoriza a pesquisa das células-tronco, aí, vem um deputado e diz: "Sou evangélico e não aceito isso de forma nenhuma." Se o partido tivesse força e comando, deveria dizer: "Então saia." No Congresso atual, isso é inimaginável.
Mas se ninguém fizer nada, como ficará a vida partidária?Cabe às lideranças fazer alguma coisa, não só para arrumar os partidos, mas para normalizar a vida do Congresso, que perdeu o rumo. Quase sempre, quando se fala em desmoralização dos políticos, na enxurrada, vem a desmoralização institucional, e isso é grave. É fundamental devolver importância política ao Legislativo. Os partidos precisam de uma reformulação muito séria. Senão, o Executivo terá ainda mais controle do que tem hoje.
A fidelidade partidária ajudaria a estancar esse processo?Seria importante. Impediria um político de sair por aí apoiando qualquer causa, impunemente. Mas os conflitos, na vida social, existem e trazem divisões inevitáveis.
Uma reforma política poderia melhorar a situação?O problema não é só a reforma política. A cultura política contém uma coisa mais profunda, que as instituições sozinhas não podem mudar. São coisas de longo prazo. O que em outros países é inteiramente injustificável é aceitável aqui. Mas padrão não se muda da noite para o dia.
A desinformação do eleitorado é uma das questões?É preciso cuidado com essa ligação automática entre "massa ignorante" e "voto errado". Não estou defendendo a ignorância nem sustentando que a educação e a instrução resolvem tudo. Hitler foi eleito por uma massa educada na Alemanha e deu no que deu. Houve coisas que avançaram bastante. O voto de cabresto diminuiu, drasticamente.
Em 2006, 77% das leis aprovadas saíram do Executivo. O Congresso não produziu quase nada.O Legislativo é fraco porque não é representativo. O importante é criar laços entre representante e representado. Hoje, o sujeito vota, escolhe, mas o eleito pensa assim: "Bom, votaram para que eu pegasse esse emprego, agora ele é meu." O mandato vira propriedade particular.
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