Ilusão
Barulhenta, mas limpinha
A população de Curitiba e de outras oito cidades da região metropolitana considera a avenida principal de seu município bem limpa, larga, organizada visualmente, mas avalia que tem muito barulho e poucas árvores e lixeiras. Na pesquisa, a população também disse se sentir segura e confortável quando anda pelas calçadas ou circula com o carro pela via, mas reclama da falta de espaço aos ciclistas. O grupo de pesquisa chegou a flagrar pedestres tendo de andar pelo asfalto por falta de calçada (carros e móveis ocupavam o passeio). "É um endeusamento do carro. Os projetos urbanísticos privilegiam os carros por causa de uma falsa ideia de progresso ligada a grandes avenidas e velocidade. Isso tem de ser revisto", explica a professora de Arquitetura e Urbanismo Maria de Assunção Ribeiro Branco, editora da revista LabVerde (da USP).
Que nota você daria para a avenida principal da cidade onde mora? A depender da percepção da população da capital paranaense e de oito cidades da Região Metropolitana de Curitiba (RMC), a avenida principal de cada município está acima da média ganhou, em sua maioria, nota superior a 7. O que seria um motivo para as prefeituras comemorarem, porém, é, na realidade, uma distorção. Após percorrerem por dois anos quase 900 quilômetros a pé nessas vias, alunos da Universidade Federal do Paraná e o professor de Arquitetura e Urbanismo Alessandro Filla catalogaram uma infinidade de problemas que nessas ruas principais. De acordo com as fotos e os vídeos produzidos, dá para dizer que quase todas não mereciam nem nota 5.
Para 83% da população de São José dos Pinhais, por exemplo, a Avenida XV de Novembro conta com infraestrutura de qualidade. A rua, porém, tem diversos obstáculos, como placas, mesas e cadeiras espalhadas pela calçada, dificultando a vida do pedestre. Além disso, não é limpa nem arborizada.
Em Piraquara, metade dos frequentadores da Avenida Getúlio Vargas se diz satisfeita com a via. Basta, contudo, andar poucas quadras para ter de desviar de buracos, placas e precisa disputar espaço com uma infinidade de produtos expostos em cima da calçada, como extensão das lojas de móveis e eletrodomésticos.
A reportagem esteve em Piraquara e encontrou placas de lojas colocadas no piso tátil para cegos, em desrespeito a quem necessita das guias para se locomover. "Coloco minha placa ali porque é o único lugar onde ninguém derruba. Revezo o lugar com a placa da auto escola, mas, se precisar tirar dali, eu tiro", conta o dono de um estúdio de piercing que não quis se identificar. A prefeitura garante que vai começar uma campanha de conscientização.
"Costuma faltar referência a esta população para entender o que é uma boa avenida. Quem teve a oportunidade de viajar mais para outros países tende a ser mais crítico", avalia o arquiteto e urbanista Roberto Righi, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, sobre as altas notas dadas pelos entrevistados.
Apesar de Curitiba ter mais infraestrutura em suas duas avenidas pesquisadas (XV de Novembro e Marechal Deodoro), o grupo de arquitetos também encontrou problemas em ambas: em dias de maior movimento, a XV não dispõe de bancos em número suficiente para todos se sentarem, o que faz com que muitos usem as floreiras para essa finalidade. As duas também têm baixíssima taxa de arborização (menos de 7% em sua extensão), como todas as outras pesquisadas, o que faz com que a população, em dias de calor, use sombrinhas para andar pelas vias de maneira mais confortável.
No lugar de árvores, postes e bancos
Enquanto o funcionário público Ivanildo Bonamigo aproveitava a folga para ler jornal num dos bancos da Avenida Getúlio Vargas, em Piraquara, o sol lhe queimava a pele. A falta de conforto para ficar um tempinho ali sentado, ele resume em poucas palavras: "quem fez este projeto dos bancos e postes entulhados não estava de bem com a vida", diz.
Ivanildo é um dos que frequenta a avenida principal de Piraquara e não está satisfeito com o que a prefeitura fez: arrancou todas as árvores e, em duas, três quadras, empilhou postes e bancos, um ao lado do outro. A nova gestão municipal não quis falar sobre o assunto, porque o projeto pertenceria ao prefeito anterior. Mas, a falta de arborização é um problema que ficou para ser resolvido.
"É o tipo de exemplo que mostra o quanto estamos andando para trás. As cidades estão cada vez mais impermeabilizadas e, por causa das mudanças climáticas, temos catástrofes que antes não ocorriam. Não podemos mais secar as cidades com cimento, da forma como tem sido feito", afirma a professora de Arquitetura e Urbanismo Maria de Assunção Ribeiro Branco, editora da revista LabVerde (da USP).
Na mesma avenida, a senhora Maria Augusta dos Santos Silva, 77 anos, andava com a sombrinha para se proteger do sol (por falta de árvores) e olhava com cuidado para o chão, todo esburacado. "É uma tristeza", lamenta.
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