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Grávida de seis meses, Pricila Felizari aguarda a chegada de Pedro. Ela esteve grávida no ano passado e perdeu as gêmeas que esperava, no quinto mês de gestação | Antonio Costa/Gazeta do Povo
Grávida de seis meses, Pricila Felizari aguarda a chegada de Pedro. Ela esteve grávida no ano passado e perdeu as gêmeas que esperava, no quinto mês de gestação| Foto: Antonio Costa/Gazeta do Povo

Para ministério, problema já faz parte de trabalhos

A implantação do Pacto pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, lançado em 2004 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, trouxe princípios e diretrizes para o combate do problema no país. No entanto, não há um ponto específico que trate das mortes fetais. Para o Ministério da Saúde, as políticas existentes já contemplam o problema, mesmo que indiretamente. "A morte fetal está ligada com a qualidade da assistência para a gestante. O resultado, bom ou ruim, gera impactos", diz o diretor do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas em Saúde do Ministério da Saúde, Dario Frederico Pasche.

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Vida real

"Elas sempre terão o espaço delas"

Pricila Felizari, nutricionista da área de pediatria do Hospital Evangélico

Foi em setembro de 2010. Estava grávida de gêmeos, duas meninas, e tudo corria normalmente. Até que, de um mês para o outro, uma cresceu muito e a outra não. Passados alguns dias, com cinco meses, entrei em trabalho de parto. Foi um susto. Nunca senti nada e não tinha feito nada de diferente. Achei que, passando os três primeiros meses, que dizem ser os piores, nada aconteceria. Sabia que elas seriam prematuras, já que isso é comum quando se está grávida de gêmeos. Mas não imaginei que fosse tão cedo.

No hospital, elas ainda tinham vida. Passou uma hora, pelo menos na minha cabeça, até que fiz a ecografia e elas estavam sem batimento cardíaco. Sofri muito. Sempre quis ser mãe e havia toda uma expectativa. Como eu sabia que elas não iriam até os nove meses, já tinha arrumado muita coisa, ganhado roupinhas. Os móveis iam chegar na semana seguinte e eu preferi não devolver. Sabia que o quarto ficaria para o meu próximo filho.

Logo que fui liberada tentei engravidar novamente. Fiz um teste de farmácia no dia de Natal e deu positivo. Hoje, estou grávida de seis meses de um menino, o Pedro. A gestação está muito tranquila, posso ficar 20 vezes assim que não vou me incomodar. Saí espalhando para todo mundo e não fiquei com receio. Claro, no começo, quando eu chegava para a ecografia, ia logo procurar o batimento cardíaco. Aquela imagem delas me marcou.

Não fiz terapia para me recuperar. Como trabalho em hospital, o meu consolo foi pensar que, se elas tivessem nascido, iriam sofrer muito, assim como eu vejo muitos bebês sofrendo todos os dias no hospital. Sempre tive fé. Deus me mandou um menino e era para ser essa a hora. Mas elas vão sempre continuar tendo o espaço delas.

Depoimento

"Descobri a hipertensão tarde demais"

Andréia Florentino, dona de casa

Já estava casada há oito anos e planejava um filho. Até que engravidei de um menino, que iria se chamar Matheus. Era para ele estar com cinco anos hoje. Fui descobrir que tinha problema de pressão alta com cinco meses de gestação. Eu tinha tonturas, estava muito inchada e com dores de cabeça. A médica dizia que era cedo para tomar remédio. Até que eu descobri um obstetra que cuida de gestantes de alto risco. Mas aí já foi tarde demais. Mesmo ele já tendo me dado o remédio no mesmo dia da consulta, uma quinta-feira, no domingo, aconteceu a morte fetal.

Minha família e amigos me ajudaram, e eu rezava muito para conseguir aliviar um pouco aquela sensação. A gente sente saudades. Ele já fazia parte da família. Ainda hoje evito falar do assunto. É difícil.

Passou um tempo e eu continuava desejando muito ter um filho. Procurei uma cardiologista que disse que eu não poderia ter filhos, o que não era verdade. Fiz os tratamentos corretos e hoje tenho a Elen, que está com um ano e 10 meses. Estou muito feliz.

Na contramão do que é proposto em dois dos oito objetivos do milênio – reduzir a mortalidade infantil e melhorar a saúde das gestantes –, um problema que revela principalmente as deficiências do pré-natal não tem atenção específica para ser contornado: a morte fetal. Segundo estudo publicado recentemente pela revista britânica The Lancet, 3 milhões de bebês com mais de 4 meses de gestação morrem todos os anos na barriga da mãe ou na hora do parto. No Brasil, em 2008, conforme o Sistema de Monitoramento da Mortalidade Infantil e Fetal do Ministério da Saúde, foram cerca de 32 mil casos.

Em comparação com os nascidos vivos no mesmo ano, mais de 2 milhões, a taxa de incidência do problema fica em torno de 1,5% – o que não é considerado alto, mas chega a atingir o dobro da taxa média de 0,7% registrada em países desenvolvidos. O porcentual no Brasil, porém, está subestimado, acredita o presidente da Comis­­­são de Medicina Fetal da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febras­­go), Eduardo Fonseca. "Em regiões mais longínquas, muitos bebês não ganham a notificação de natimortos, ainda mais quando nascem e morrem no parto, já que os pais acabam enterrando o bebê."

Má formação fetal, infecções maternas, hipertensão, diabete e problemas de desenvolvimento do feto estão entre as principais causas do problema, cujo combate passa por um pré-natal de qualidade. O obstetra e professor auxiliar da Maternidade Victor Ferreira do Amaral, vinculada à Universidade Federal do Paraná (UFPR), Narcizo Eduardo Sobieray, detectou em sua dissertação de mestrado que 46% das mortes chamadas perinatais (que ocorrem após a 28.ª semana de gestação e na primeira semana de vida) ocorrem principalmente pelo fato de a grávida ser hipertensa.

Melhorias

O aperfeiçoamento do pré-natal, acredita Fonseca, passaria pela criação de uma rede eficaz onde houvesse um sequenciamento dos atendimentos. Ou seja, a grávida que é detectada de alto risco deve fazer o pré-natal e o parto em centros especializados. "Uma criança com má formação no coração nasceria em um centro onde é possível realizar uma cirurgia logo após o nascimento."

Melhorar a notificação de casos de morte fetal e estimular o tratamento da sífilis congênita é outra atitude necessária. Apesar de o país já ter o exame de detecção da doença (VLDR) entre os protocolos obrigatórios e ter como meta eliminar a sífilis na gestação e a sífilis congênita no Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, Eduardo Fonseca crê que ainda existem lacunas no que diz respeito à educação sobre a doença. "Ela faz o exame, trata o problema, mas é reinfectada pelo marido. É necessário analisar o contexto familiar."

Para o conselheiro da Asso­­­ciação de Ginecologia e Obstetrícia do Rio Grande do Sul (Sogirgs) José Geraldo Ramos, o tratamento contra o tabagismo na gravidez é uma atitude importante para diminuir os casos de morte fetal. "Não existem campanhas específicas ou tratamentos no início da gestação para parar de fumar. Seria algo relativamente simples e barato de se implantar no SUS."

Adesão

A ginecologista e obstetra do Centro de Informação e Saúde do programa Mãe Curitibana Lourdes Terezinha Pcheblski ressalta que um dos desafios é aumentar a adesão ao pré-natal precoce. "Muitas vezes a mulher chega [para fazer o exame] no quarto, quinto mês de gestação, quando já não é possível tratar doenças preexistentes. O ideal é sempre começar o acompanhamento médico o mais rápido possível."

A relação médico-paciente é outro ponto para que a gestante volte ao ginecologista e cumpra pelo menos o número mínimo de consultas (seis durante os nove meses). "O médico deve ser claro, sanar todas as dúvidas e mostrar a importância do pré-natal. A conscientização da paciente e a conquista são feitas consulta a consulta", salienta o perceptor da residência médica em Obstetrícia do Hospital Evangélico, Marcelo Guimarães Rodrigues.

Interatividade:

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