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O inimigo da mulher permanece entre quatro paredes | Jonathan Campos / Gazeta do Povo
O inimigo da mulher permanece entre quatro paredes| Foto: Jonathan Campos / Gazeta do Povo

106.030 mulheres foram atendidas pelo SUS vítimas de violência em 2012. Mais de 75% das violências acontecem a partir de 15 anos e a prevalência é maior na faixa entre 15 e 19 anos, praticadas pelo companheiro com quem tem envolvimento amoroso.

Se até os 14 anos meninas e adolescentes são vítimas principalmente de violência sexual, a partir dos 15 anos de idade é a agressão física que encabeça a lista da violência contra a mulher no país. Um levantamento feito a pedido doJornal O Globo pelo sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos da Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e responsável pelo Mapa da Violência, mostra que 46% dos atendimentos prestados pelo SUS a mulheres vítimas de violência correspondem a espancamentos.

Na faixa etária de 15 a 59 anos, lesões provocadas por violência física superam 50% dos atendimentos. Quando se trata de mulheres acima de 60 anos, a agressão física segue alta (41,3%) e aumentam as ocorrências por negligência e abandono (19,1%). "De longe, a física é a forma mais frequente de violência sofrida pelas mulheres. E não devemos esquecer que estamos lidando com a ponta do iceberg. Nem todas, nem a maioria das violências cotidianas vão parar nos postos do SUS", explica Waiselfisz, que analisou os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) de 2012, atualizados neste ano.

De acordo com o levantamento, 106.030 mulheres foram atendidas pelo SUS vítimas de violência em 2012. A taxa chega a 107 por 100 mil mulheres. Isso significa que a cada 100 mulheres, uma foi agredida a ponto de precisar de atendimento médico no ano passado. Mais de 75% das violências acontecem a partir de 15 anos e a prevalência é maior na faixa entre 15 e 19 anos.

Ação progressiva

O segundo tipo de violência mais frequente é a psicológica e moral, que aumenta no ritmo que avança a idade. Em terceiro lugar aparece a violência sexual, que ocupa o primeiro lugar para meninas até 14 anos. Em 70% dos casos o crime acontece dentro de casa. Maria Letícia Fagundes, médica do Instituto Médico Legal do Paraná e à frente da ONG Mais Marias, afirma que a tortura psicológica só não lidera a lista de violência contra as mulheres porque elas só se percebem vítimas depois da agressão física.

"É uma ação progressiva. Primeiro ocorrem as ofensas, depois as surras. A mulher só se dá conta do quanto foi torturada psicologicamente depois que foi fisicamente agredida", diz Maria Letícia.

A vulnerabilidade nas ruas é maior para jovens de 15 e 29 anos, quando as ocorrências em vias públicas representam de 20% a 24% do total. Mas, mesmo assim, os crimes cometidos por agressores desconhecidos não passam de 10% do total. Enquanto a violência contra meninas de até 14 anos parte principalmente de pais e mães, na idade adulta a mulher é vítima em relacionamentos amorosos. Metade das agressões contra jovens entre 20 e 49 anos é praticada por maridos, namorados, ex-maridos e ex-namorados.

Os relatos feitos ao Disque 180, telefone de denúncias da Secretaria Nacional de Política para Mulheres (SPM), mostram que 25% das vítimas sofrem violência desde o início da relação. O período em que ficam expostas é longo: em 38% dos casos, o tempo de relacionamento chega a 10 anos. Mesmo depois da Lei Maria da Penha, as mulheres demoram a denunciar por medo de serem mortas ou por vergonha.

Fim da relação é momento de risco para mulher

"O fim do relacionamento é um momento de risco para a mulher. Muitos assassinatos ocorrem com o rompimento", diz Aline Yamamoto, coordenadora de Acesso à Justiça e Combate à Violência da SPM. Ainda hoje os tribunais abrandam a pena aplicada aos autores deste tipo de crime, sob argumento de que foi cometido sob "forte emoção". "Não são crimes passionais. São crimes de ódio cometidos com requintes de crueldade, com mutilações do corpo feminino", ressalta Aline.

Na América Latina, 11 países já tipificaram o crime de feminicídio. No Brasil, o projeto de lei aguarda aprovação no Legislativo. Entre 84 países do mundo, o Brasil ocupa o 7.° lugar em homicídios de mulheres, com taxa de 4,4 homicídios em 100 mil, atrás de países como El Salvador, Rússia e Colômbia. As mortes estão em alta: a taxa de homicídios de mulheres entre 15 e 29 anos subiu de 6,93 por 100 mil habitantes em 2004 para 7,75 em 2011.

A gravidade da situação levou a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou a violência contra a mulher no Brasil a sugerir a inclusão da discriminação de gênero na Lei de Crimes de Tortura. Aprovado pelo Senado, o projeto está na Câmara dos Deputados e em abril passado foi retirado do plenário por falta de acordo para votação.

Desde 2009 está parado no Legislativo o Projeto de Lei 4857, chamado de Lei da Igualdade, que tipifica o crime de discriminação de gênero contra a mulher, estabelece pena de detenção e multa. " Os projetos relativos à mulher não são prioridade no universo masculino", afirma a deputada Jô Morais (PCdoB/MG), líder da bancada feminina.

Chave de fenda

Maria Letícia Fagundes, médica do Instituto Médico Legal do Paraná, conta o caso de uma jovem de 18 anos. Mãe de três filhos, ela perdeu a audição no ouvido direito depois que o marido introduziu uma chave de fenda no conduto auditivo. "Ela perdeu a audição, passou a ter visão dupla e ficou com dificuldades de equilíbrio. Não consegue mais trabalhar e cuidar dos filhos. Depende de pensão do INSS e da ajuda da família e do governo para sobreviver. A violência doméstica causa grande impacto no orçamento do Estado e é um ônus que toda a sociedade acaba pagando", diz Maria Letícia.

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