Para ser católico praticante é preciso, no mínimo, ir à missa todos os domingos, saber de cor os dez mandamentos e as orações, ser batizado e crismado e ainda fazer a primeira comunhão. Mas será que todos os brasileiros que se dizem católicos cumprem o protocolo? Marisa Bento Rodrigues, 48 anos, afirma que é católica "de coração", porque acredita nos dogmas católicos. Ela, porém, há cinco anos passou a frequentar outra igreja porque queria aprofundar os conhecimentos sobre a Bíblia. "A missa católica é cansativa e repetitiva. Você fica dez anos sem ir e, depois, volta e encontra tudo do mesmo jeito. Sabe a hora que precisa ajoelhar. Sabe de cor os sermões do padre. Queria algo a mais: conhecer com detalhes a Bíblia e fortalecer ainda mais a minha fé. Encontrei isso em outro lugar", diz. Marisa é como muitos brasileiros: se diz católica, mas abandonou a prática.
Com a queda no número de fiéis nas últimas quatro décadas, a Igreja Católica discute uma estratégia para recuperar essas pessoas que se dizem da religião e não vão mais às missas. O assunto foi discutido na 47ª Assembleia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em São Paulo, há duas semanas. O arcebispo d. João Bosco, de Diamantina, Minas Gerais, lembrou que o tema já foi levantado no ano passado e continua em pauta. "Queremos dar um espaço maior para a ação do leigo, que é aquela pessoa que não é padre, mas trabalha com a evangelização, como catequistas ou ministros", diz. Focar na formação dos professores de catequese, por exemplo, que são os responsáveis por colocar as crianças no mundo da fé, é uma das prioridades do catolicismo atualmente.
Afastamento
Para os especialistas em religião, existem algumas explicações sobre as atitudes tomadas por Marisa e por outras pessoas que se afastaram do catolicismo. Há, por exemplo, quem diga ser católico por tradição (dos pais e avós) ou por conveniência, os que praticam efetivamente uma religião (e a assumem) e os que já começaram a afirmar que não têm algum tipo de fé.
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) comprovam: o número de pessoas que se declararam católicas caiu de 93,12%, em 1960, para 75,57%, em 2000. "Houve uma época em que as pessoas precisavam ser católicas. Há atualmente muitos outros meios de se realizar espiritualmente. As pessoas são mais esclarecidas e têm uma outra visão de mundo, inclusive a respeito do sobrenatural", explica o historiador e professor de pós-graduação da Universidade Federal do Paraná Euclides Marchi.
Evangelização
Uma das apostas da Igreja Católica é nos grupos de evangelização, formados pelos próprios fiéis. Seria uma forma de tentar suprir as carências que Marisa teve, que a levaram a procurar outra religião para estudar a Bíblia. "O sacerdote precisa se preocupar em ser alguém que corresponda às interlocuções do povo. A pastoral missionária é uma forma de ajudá-lo a ir mais longe", afirma d. João Bosco.
Além da tentativa de aproximação dos fiéis, a CNBB tem novas propostas para a formação do padres brasileiros (ler texto ao lado). "Esta atualização não significa dizer que as diretrizes anteriores estavam incorretas, mas que estamos à procura de alinhar a formação dos padres com as novas necessidades do povo", explica o arcebispo. Isso quer dizer que a Igreja busca uma formação mais humana, que prepare os sacerdotes para o desafio da atualidade. "Discute-se uma maneira de aproximar a Igreja ainda mais das pessoas, quem sabe deixá-la aberta em tempo integral e até tarde da noite. Além disso, é preciso que o sacerdote esteja sempre disposto a conversar e que saiba transmitir conhecimentos profundos na busca sempre pela fé", explica o padre Carlos Chiquin, secretário da CNBB regional do Paraná. Isto quer dizer, segundo d. João Bosco, que o padre precisa saber interpretar a mensagem do Evangelho à realidade de hoje. "O jovem que quer ser sacerdote atualmente é diferente do de alguns anos atrás. Ele tem uma cultura mais pluralista e, por isso mesmo, precisa ser orientado", comenta Bosco.
Não quer dizer que haverá uma abertura maior da igreja para determinados assuntos e convicções, como o aborto, mas há uma tentativa de humanizar a formação do padre para deixá-lo mais próximo da realidade contemporânea. Os especialistas receberam a notícia com entusiasmo.
"A Igreja sofre o mal da sua própria estrutura. Difícil mexer em características essenciais, como o formato da missa, em que o sacramento da Eucaristia é um dos momentos mais valorizados. Também é preciso pensar no aspecto internacional: a Igreja mantém um formato que tenta atender a todos os povos e países, por isso a dificuldade de atingir seu público. Humanizar é um passo, mas acredito que a igreja poderia adotar ainda diversas modalidades de sacerdócio, como permitir que os padres se casem", diz o historiador Marchi.
Causas
O diretor do curso de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Cesar Kuzma, lembra que a perda de fiéis não se refere apenas à Igreja Católica, mas às religiões tradicionais de um modo geral, como a protestante também. "É um enfraquecimento geral das igrejas tradicionais. No século 20, no Brasil e nos Estados Unidos, algumas pessoas protestantes e outras católicas se uniram para dar um caráter mais carismático à igreja, tornar a linguagem mais acessível, reunir multidões, fazer programas de televisão. Até que ponto isso é evangelização? ", questiona. O problema, segundo Kuzma, é que os movimentos carismáticos, hoje em dia, querem encher a Igreja de fiéis sem se preocupar em elevar a paz e a fé. "As pessoas não se perguntam mais como a fé e a experiência religiosa podem contribuir para uma sociedade melhor. Hoje, fazem shows com 20 mil pessoas que depois vão embora. Não se cria uma expectativa de mudança, de futuro. É por isso que surgem vários movimentos e depois somem. Não há uma base sólida de formação de fé. E é isso que a Igreja Católica precisa se preocupar em não perder. A humanização dos padres, então, é um passo importante.