Ninguém nega que é preciso impedir a difusão de conteúdos nas redes sociais que estimulem ataques em escolas. A portaria assinada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, no entanto, por ser genérica e dar poderes ao governo e às redes sociais que extrapolam o previsto na legislação, pode ser usada para perseguir perfis inocentes e restringir a liberdade de expressão sem motivo. Além disso, a medida não ataca o problema principal: apesar de as iscas que aliciam jovens para os ataques serem jogadas nas redes sociais, é na dark web e nos fóruns de jogos on-line que a violência é orquestrada.
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A portaria para regulamentar o combate à violência escolar nas redes sociais foi anunciada na última quarta-feira (12). O texto prevê a exclusão de conteúdos com "extremismo violento" que incentivem ataques no ambiente escolar. A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) será a responsável por instaurar processos administrativos para apurar e responsabilizar as plataformas por eventual descumprimento. As sanções seguem o Código de Defesa do Consumidor, como multas ou suspensão temporária das atividades das plataformas.
Os conteúdos que devem ser barrados pelas plataformas são descritos com expressões genéricas, como "ataques contra ambiente escolar" ou que "façam apologia e incitação a esses crimes ou a seus perpetradores". A Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) terá a função de coordenar o compartilhamento, entre as plataformas de redes sociais e as autoridades competentes, de dados que permitam a identificação do usuário. Também será responsável pela criação de um banco de dados de supostos "conteúdos ilegais", para facilitar a identificação pelos sistemas automatizados das próprias redes.
O advogado criminalista Andrew Fernandes aponta que o principal problema da portaria é que o Poder Executivo assumiu a função de classificar o que será um "conteúdo ilícito", prerrogativa não prevista na legislação brasileira. De acordo com o especialista, embora exista o consenso sobre a necessidade de apagar conteúdos violentos e que incentivem ataques, a portaria usa termos abrangentes que podem dar espaço para abusos, como a exclusão de posts inofensivos ou com críticas ao governo. Ou seja, pode ser instaurado um "Ministério da Verdade" - termo utilizado outras vezes para ilustrar a tentativa do PT de controlar o que pode ou não ser dito na esfera pública - com a justificativa de que esses posts estariam relacionados com a violência em escolas.
Além de o governo federal poder utilizar a medida para fomentar a remoção de conteúdos que interessem politicamente, João Rezende, especialista em direito criminal, ressalta que é ilegal delegar às plataformas o combate ao crime, que é prerrogativa do Estado. "As empresas não têm o dever de coibir práticas criminais, mas apenas um dever ético e de colaboração. O controle penal é do Estado", afirma.
Rezende questiona também se as plataformas de redes sociais têm capacidade de fiscalizar, por meio de seu algoritmo, e detectar os assuntos sensíveis e reportar essas informações para as autoridades públicas.
"A portaria trabalha apenas a realidade das redes sociais, mas o grosso da atividade dos movimentos extremistas de ataques nas escolas não está na superfície da internet. A atuação efetiva desses grupos está no submundo da internet, na deep web ou nas plataformas de difícil acesso", diz Rezende. "Não sei até que ponto essas plataformas poderiam reprimir ou prevenir esses crimes", complementa.
O especialista aponta que a portaria aborda um aspecto menor na luta contra os ataques nas escolas. Os pontos principais estão relacionados à melhoria da qualificação de policiais em crimes digitais e de estrutura técnica. Além de mais recursos para os órgãos de inteligência da polícia para atuarem fortemente nos ataques cibernéticos.
Deputados tentam impedir "tribunal da verdade"
Deputados do Partido Novo protocolaram um Projeto de Decreto Legislativo na Câmara dos Deputados para tentar suspender a portaria que, para eles, com um argumento "aparentemente bem-intencionado", cria um "tribunal da verdade". A iniciativa é assinada pelos parlamentares Adriana Ventura, Gilson Marques e Marcel van Hattem.
Na justificava, os deputados apontam que a portaria pode ser usada pelo Executivo de forma ideológica, com perseguição a desafetos políticos, para definir o que são conteúdos "danosos e nocivos" e "flagrantemente ilícitos". Os parlamentares também afirmam que o texto viola dispositivos constitucionais e de outras normas brasileiras, já que não existe previsão legal para realizar o procedimento administrativo previsto na portaria e a quebra de sigilo de dados.
"O problema é que a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) não tem competência legal para obter esses dados. Como dito anteriormente, a Portaria inova completamente na ordem jurídica e não possui qualquer embasamento legal", diz o projeto.
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