Uma mudança na lei nacional de controle de armas - que entrou em vigor em 2019 e passou a permitir que produtores rurais portem armas de fogo em toda a extensão de suas propriedades - contribuiu para que os roubos nesses locais caíssem pela metade nos últimos dois anos em Goiás. A afirmação é do secretário de Segurança Pública do estado, Rodney Miranda. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública de Goiás, as ocorrências caíram de 410, em 2018, para 208, em 2020 – uma queda percentual de 49%. A relação entre quantidade de armas e redução de crimes é contestada por especialista do Instituto Sou da Paz.
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Para Miranda, o fato de o criminoso Lázaro Barbosa – que invadiu propriedades rurais em Goiás e no Distrito Federal entre abril e junho deste ano e cometeu crimes como homicídio, estupro, sequestro e roubo – não ter conseguido invadir locais em que os proprietários estavam armados é um exemplo de que a medida tem sido efetiva.
“Em todas as propriedades em que ele tentou entrar e que a pessoa estava armada, ele não conseguiu nada. Tivemos pelo menos três situações em que ele foi repelido. Ele fugiu, não foi machucado, mas também não machucou ninguém”, afirma o secretário. “Não temos nenhuma informação de que tenha aumentado, por negligência ou imperícia, os acidentes ou até os delitos por conta dessa flexibilização da posse de armas”, argumenta.
De acordo com Miranda, outro fator que contribuiu para a diminuição nos crimes ocorridos na zona rural goiana foi a criação de um programa específico para combater a violência na região, que contempla a criação do Batalhão Rural da Polícia Militar, em 2019, e do Centro Integrado de Inteligência Comando e Controle (CIICC), e o fortalecimento das delegacias de combate a crimes rurais da Polícia Civil.
Com as novas medidas de segurança em Goiás, a criminalidade no campo permanece em queda em 2021 com 78 registros de roubos entre janeiro e junho no estado. Caso a tendência se mantenha no segundo semestre, neste ano haverá nova queda percentual.
Flexibilização da posse de armas
A alteração na Lei de Controle de Armas (10.806/2003), popularmente conhecida como “Estatuto do Desarmamento”, ocorreu a partir da sanção da Lei 13.870/19, de autoria do senador Marcos Rogério (DEM-RO), em 17 de setembro de 2019.
A proposta sancionada incluiu na legislação um dispositivo que autoriza residentes em áreas rurais de todo o país a portarem armas em toda a extensão de suas propriedades. O entendimento anterior era de que a arma não podia sair de dentro do domicílio dos moradores; na prática, a medida inviabilizava a autodefesa por parte dessas pessoas, cujas residências normalmente ficam em áreas isoladas, até mesmo dos vizinhos, e distantes da presença das forças de segurança pública.
Na época da aprovação do projeto de lei, o relator da proposta, deputado Afonso Hamm (PP-RS), destacou que a mudança na legislação sobre a posse de armas era uma das maiores vitórias dos moradores do campo nos últimos anos. “O objetivo não é armar o campo, mas criar condições de proteção a essas famílias residentes”.
Para Marcos Zborowski Pollon, advogado especialista em legislação de controle de armas, crimes como os praticados por Lázaro Barbosa poderiam ter sido evitados caso os proprietários estivessem em condições de autodefesa.
“O fato de estar repercutindo que nas propriedades rurais os moradores têm o direito de andarem armados e de se defender em toda a extensão do local também cria um efeito de dissuasão racional no criminoso, que pensa duas vezes antes de praticar o crime”, afirma.
Em Goiás, um dos principais estados atuantes na produção agropecuária brasileira, que possui 152 mil propriedades rurais de acordo com o último Censo Agropecuário realizado pelo IBGE, a diminuição dos crimes no campo foi constatada pela Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), entidade representativa que conta com aproximadamente 60 mil produtores cadastrados.
“Essa mudança na legislação é um grande avanço para a segurança, porque não temos uma polícia onipresente. Muitas vezes a primeira ação de defesa da segurança no meio rural deve ser realizada pelos moradores e produtores, e a utilização de armamento possibilita condições de enfrentamento a quem intenta práticas criminosas”, observa José Mário Schreiner, deputado federal e presidente da Faeg.
Segundo dados da Polícia Federal, responsável por fazer o registro de armas de fogo, em 2018 foram registradas 4.047 armas em nome de pessoas físicas em Goiás. Já em 2020, após a sanção da lei 13.870/19, o número passou a 6.957 – um aumento de 71,9%. Em 2021, a média mensal segue bastante similar ao ano anterior. Em 2020 houve média de 579,5 novos registros por mês; neste ano, a média é de 577,5 registros mensais.
Mas na avaliação de Felippe Angeli, gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz – entidade contrária ao armamento –, a mudança na legislação sobre a posse de armas no ambiente rural não foi tão significativa a ponto de impactar a redução da criminalidade no estado goiano. “A lei anterior já permitia isso. A propriedade toda é a residência dele. Esse conceito de que a arma só poderia ficar na sede física da propriedade acabou sendo construída e depois veio essa ideia de que agora pode usar em toda a propriedade”, diz Angeli.
Para ele, o efeito dissuasório à criminalidade a partir da posse de armamento é nulo. Ele argumenta que criminosos não temem reações armadas e que a maneira de frear o acometimento dos atos ilícitos seria por meio da investigação. “Não precisa de armas, de batalhão. Precisa de uma investigação que identifique quem adquire os produtos roubados [das propriedades rurais] e, a partir daí, desmonta-se esses crimes, essas quadrilhas. Colocar soldados com fuzil na mão é circo. Não digo que não há necessidade de policiamento ostensivo nessas regiões”, afirma o porta-voz do Sou da Paz.
Mudanças no policiamento em áreas rurais de Goiás
O trabalho do Batalhão Rural da Polícia Militar e do Centro Integrado de Inteligência Comando e Controle (CIICC) tem sido referência para outras unidades da federação. A sede do batalhão já recebeu visitas de representantes de 14 estados brasileiros, além de comitivas do Japão e da Colômbia. Quanto ao sistema de monitoramento, segundo a Secretaria de Segurança Pública do estado, cerca de 32 mil propriedades já foram cadastradas no sistema – a expectativa é alcançar 50 mil locais cadastrados até o final deste ano.
Para o presidente da Faeg, as ações resultaram em maior aproximação dos policiais com a comunidade rural. Ele explica que além da presença ostensiva da Polícia Militar nas propriedades e estradas, que inibe a atuação de criminosos, ações como o cadastramento das famílias residentes e dos equipamentos agrícolas utilizados, o acompanhamento da rotina de deslocamento de ativos rurais, a verificação de marca de gado e trabalhos de inteligência têm reforçado a repressão a práticas criminosas.
Crimes no campo são desafio à segurança pública
De acordo com fontes ouvidas pela reportagem, os principais crimes praticados contra produtores rurais são furto e roubo (de gado, defensivo agrícola, maquinário agrícola, entre outros), além de invasões e ataques por parte de integrantes de grupos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e indígenas. “Além dos roubos, há esses atos de terrorismo, com invasores que atacam em bandos destruindo, queimando e agredindo. São movimentos com estrutura de guerrilhas, responsáveis por variados danos aos produtores”, explica Pollon.
Além dos produtores rurais, demais moradores dessas áreas também estão sujeitos a ataques criminosos. “Os furtos e roubos são os principais delitos no meio rural, mas há uma série de ocorrências que aterrorizam moradores de fazendas e sítios, como sequestro, cárcere privado e coerção, que são levados a cabo justamente pela dificuldade da resposta das forças de segurança”, conta Schreiner.
Para o presidente da Faeg, mesmo com o reforço no policiamento e a mudança na lei de posse de armas para moradores do campo, ainda são necessárias alterações quanto ao porte de armamento (autorização para portar armas de fogo fora da propriedade) para os produtores, no deslocamento entre a cidade e a propriedade. Segundo ele, nesses trajetos frequentemente ocorrem ataques por parte de criminosos.
“Entendemos que essa mudança quanto à posse de armas é um grande avanço, que pode evoluir para a permissão de porte regularizado e dentro de todo um programa de verificação da vida pregressa, treinamento adequado e capacidade psicológica de disponibilização e autorização”, diz Schreiner.
Pollon reforça a ocorrência dos delitos fora das propriedades, uma vez que produtores costumam andar com produtos de alto valor, como gado e defensivos agrícolas, bem como somas em dinheiro resultantes de suas transações. “Além do transporte dos produtos, nas fazendas não são comuns transferências bancárias – o padrão é dinheiro vivo nas transações. E nessas movimentações, o produtor está desguarnecido e impossibilitado de se defender”, afirma.
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