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Posse de minuta de decreto não basta para incriminar Torres ou Bolsonaro, dizem juristas

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O ex-ministro da Justiça Anderson Torres disse que a minuta de decreto foi "vazada fora de contexto, ajudando a alimentar narrativas falaciosas" contra ele. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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A Polícia Federal encontrou na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, na quinta-feira (12), uma minuta de decreto que supostamente seria assinada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) para instaurar estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e tentar invalidar o resultado das eleições presidenciais de 2022.

Após a informação sobre a minuta, que foi vazada para veículos de comunicação, adversários de Bolsonaro sugeriram que tanto Torres como o ex-presidente poderiam ser acusados tentativa de golpe de estado por conta do documento. Para juristas consultados pela Gazeta do Povo, não há respaldo legal para incriminar Torres ou Bolsonaro somente pela posse da minuta de um decreto.

Eduardo José da Costa Fonseca, doutor em Direito pela PUC-SP e ex-presidente da Associação Brasileira de Direito Processual, diz que o caminho para caracterizar um crime se divide em quatro etapas: a cogitação, os atos preparatórios, a execução e a consumação.

“No caso relatado, houve, quando muito, cogitação e atos preparatórios vagos e incipientes. Sequer se adentrou a execução”, opina. “Daí por que não se há de cogitar qualquer crime, nem mesmo tentado, visto que a tentativa pressupõe execução frustrada, que não se consuma por circunstância alheia à vontade do agente”, complementa.

Sobre a possibilidade de enquadrar Torres no artigo 359-L do Código Penal, que trata do emprego de violência ou grave ameaça para abolir o Estado Democrático de Direito, Fonseca diz que “a posse de uma simples minuta não se enquadra, obviamente,” nisso, já que “não há aí emprego de violência nem de grave ameaça”.

Para ele, os responsáveis pela acusação poderiam, eventualmente, sustentar que a posse da minuta e a omissão em evitar os ataques do dia 8 seriam, em conjunto, um indício de prática de crime. Mas, para isso, precisariam provar que “houve omissão dolosa, não mera incompetência administrativa” por parte de Torres e, além disso, que houve dolo de abolir o Estado Democrático de Direito nos ataques do dia 8.

O jurista Adriano Soares da Costa recorda que, “no Direito Penal, ato preparatório não é crime”. Para ele, “é preciso separar a análise política, decorrente de um momento da história do Brasil em que a disputa eleitoral foi acirrada” do “significado jurídico de atos de cogitação ou mesmo preparatórios daquelas medidas, que não foram levadas adiante e não se realizaram nem vieram ao mundo jurídico, com qualquer consequência”.

“É grave que tenha havido aquela cogitação revelada na minuta de decreto? Muito grave politicamente, e revela uma clara disfunção àquela época, o clima de tensão e a possibilidade de perigoso confronto entre Poderes da República, com riscos à normalidade democrática. Mas as ideias, os pensamentos e as cogitações não se transformaram em atos concretos de execução, razão pela qual não há conduta típica, antijurídica e com culpabilidade para ser objeto de persecução penal e aplicação de sanção”, comenta.

Outro jurista especialista em Direito Eleitoral, que preferiu não ser identificado, também diz que a ideia da minuta, em si, é grave, mas o fato de sua existência, isoladamente, não significa nada. “Não há nenhum elemento concreto diante das noticias divulgadas até aqui que possa, efetivamente, incriminar o ex-ministro ou vincular o ex-presidente da República. Qualquer imputação depende de uma investigação séria e, mais do que isso, isenta sobre os fatos”, afirma. “O debate público, hoje, está tão contaminado que é impossível debater ideias que não caminhem no mesmo sentido das grandes manchetes”, acrescenta.

Minuta não pode ser relacionada juridicamente com atos do dia 8

Após o vazamento das informações sobre a minuta, adversários do ex-presidente Bolsonaro vincularam o documento com os protestos violentos ocorridos no dia 8.

“É gravíssimo e é a materialidade que mostra o real objetivo dos eventos do dia 8 de janeiro”, disse o advogado-geral da União, Jorge Messias, sobre o documento. “Isso enfatiza que o que vimos aqui dia 8 de janeiro não foi algo isolado. Na verdade, foi um elemento de uma cadeia, um elo de uma corrente golpista no Brasil. A gravidade é óbvia, porque isso é inconstitucional”, afirmou o ministro da Justiça, Flávio Dino.

Para os juristas consultados pela Gazeta do Povo, é incorreto relacionar a existência da minuta com os atos do dia 8 do ponto de vista jurídico. “Há uma gravidade política, sim. Porém, juridicamente, não existem meios para transplantar essa matéria para a questão dos atos de 8 de janeiro deste ano. Seria a aplicação de uma inferência abdutiva, rejeitada no Direito Penal, misturando situações distintas para criar uma única narrativa por aproximação: no caso, a participação de um mesmo agente, Anderson Torres, como fio condutor”, explica Soares da Costa.

Na opinião dele, vincular a minuta encontrada na casa de Torres com a atuação da Secretaria de Segurança Pública do governo do Distrito Federal “é uma mistura de questões distintas usando a inferência abdutiva, que não cabe no Direito Penal”. “É preciso ter cuidado com as análises apaixonadas. O primado da Constituição e do Direito é o que nos afasta da barbárie e da tirania”, observa o jurista.

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