Isolada e no fim da fila, Doutor Ulysses agoniza
Mauri König
Doutor Ulysses é de uma agonia expressa em números. Não há lugar pior para se viver no Sul do Brasil, a rigor dos dados do último IDH-M. A despeito de alguns avanços nas áreas de educação, longevidade e renda, o município está ficando para trás. Todos os outros cresceram mais do que ele. O motivo é há muito conhecido. Doutor Ulysses está isolado num passado distante. As três estradas que a ligam ao resto do mundo são de terra batida e muitos buracos: a que leva a Jaguariaíva (PR), a Itararé (SP) e a Curitiba.
Em lugar de tão difícil acesso, até o progresso se recusa a chegar. O cenário é todo ele feito de flashback, como nos tempos em que Dirceu Chaná ainda era um piá quando ajudava os pais a levar os porcos até a sede do município de Serro Azul. Levavam dois dias tangendo a porcada entre as picadas abertas no mato.
A primeira estrada foi um acontecimento social nesses rincões. Grupos de 15 ou 20 matutos se espremiam ressabiados detrás das árvores para acompanhar o trator derrubando o mato que daria lugar ao leito da estrada. Outras vieram mais tarde, mas até hoje nenhuma que tenha sido pavimentada. Uma viagem de 130 quilômetros até Curitiba leva quatro horas por causa dos 45 quilômetros de terra até Cerro Azul. Apesar do isolamento, a cidade conseguiu alguns avanços sociais, ainda que não o suficiente para tirá-la da lanterna do IDH no Sul do país.
O maior avanço foi na educação. Uma das explicações se deve à capacidade que o município teve de comprar pelo menos parte de sua frota de veículos para o transporte escolar. Já são oito os veículos próprios. Das 22 escolas municipais, apenas uma é urbana. Dos 680 alunos, 500 estão na zona rural. Ou seja, dependem do transporte público para estudar. A frota própria tem até ajudado a reduzir a evasão escolar, diz o secretário municipal de Educação, Andiaro Cunha Bacelar.
Em Doutor Ulysses, hoje, há escolas rurais com apenas 15 alunos e muitas delas multiseriadas, o que onera e compromete a qualidade do ensino. O asfalto também poderá pôr fim a outro problema que a cidade enfrenta na educação: as recusas de professores são constantes por causa da dificuldade de acesso.
O atlas produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) revela que, na última década, o Paraná deixou de ter municípios com um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) considerado muito baixo a pior faixa do indicador, que vai de 0 a 0,499. A evolução também atingiu o outro extremo do ranking, com dois municípios, Curitiba e Maringá, chegando pela primeira vez ao grupo das cidades brasileiras com IDH-M muito alto.
Em 2000, 24 municípios paranaenses possuíam um índice entre 0 e 0,499 a maioria, localizada no Centro Sul-Paranaense e na região do Vale do Ribeira. Ao longo da década, quatro passaram para a faixa de IDH-M baixo e 20 evoluíram direto para o índice considerado médio. Não à toa, as cidades do Paraná que mais registraram aumento porcentual no IDH-M de 2000 para 2010 são aquelas que, na pesquisa anterior, tinham os piores indicadores (veja infográfico).
INFOGRÁFICO: Veja a evolução do IDH-M no Paraná
"O ganho em termos de políticas sociais e distribuição de renda é mais perceptível nos municípios de renda mais baixa, que mais receberam essa contribuição. Assim, os municípios com índice mais baixo apresentaram uma melhoria mais expressiva do que aqueles que já estavam com um nível melhor de emprego e produção econômica", explica o mestre em Desenvolvimento Econômico e professor da Universidade Tuiuti do Paraná, Wilson Mendes do Valle.
Entre geógrafos e economistas, é consenso que a melhoria no IDH-M, tanto nos municípios paranaenses quanto no Brasil, é resultado do ciclo de crescimento econômico que se iniciou em 2004 e seguiu até 2010, além das políticas públicas direcionadas para as famílias mais pobres, como o Bolsa Família. A partir de agora, com o arrefecimento da economia e a saturação destas mesmas políticas, é provável que o índice continue a subir, mas em ritmo mais lento. "Sem o ciclo de crescimento, as políticas públicas conseguiriam fazer pouco. É um efeito sistêmico, porque nesse período todo houve um crescimento no mercado de trabalho muito maior do que o crescimento populacional. Já as outras variáveis [educação e longevidade] mudam mais lentamente", avalia o economista e professor da Universidade Federal do Paraná João Basilio Pereima.
No topo
Do outro lado da tabela, Curitiba e Maringá se juntaram ao grupo de 44 cidades brasileiras com IDH-M muito alto (acima de 0,800) a maioria dos municípios nesta faixa fica nos estados de São Paulo e Santa Catarina. Em 1991, nenhuma cidade brasileira alcançava nem sequer um índice de alto desenvolvimento. O panorama começou a mudar em 2000, quando São Caetano do Sul, em São Paulo, despontou como a cidade com maior IDH-M do país, posição que mantém até agora em 2010, o índice chegou a 0,862.
Centro-Sul e Vale do Ribeira têm os piores IDHs
Maria Gizele da Silva, da sucursal
Dos dez municípios paranaenses com as menores taxas no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), divulgado ontem, oito são da Região Centro-Sul e do Vale do Ribeira (veja infográfico). A distância dos grandes centros afasta investimentos e é apontada como uma das razões do baixo desenvolvimento.
Na região da Associação dos Municípios do Cantuquiriguaçu, que concentra 21 cidades do Centro-Sul, apenas duas cidades tiveram índices superiores a 0,7: Laranjeiras do Sul e Virmond. O secretário de Governo e Gestão de Laranjeiras do Sul, Gizelio Linhares, diz que, na última década, apesar de o desempenho dos municípios desta região ter aumentado, ainda é inferior às demais regiões.
Algumas cidades do Centro-Sul, como Goioxim, conseguiram deixar a lista dos piores índices. Agora, a cidade ocupa a 368.ª posição, com taxa de 0,641. "Acho que foram as melhorias das estradas que favoreceram a agricultura familiar, principalmente os que pertencem à bacia leiteira, e o programa Bolsa Família, que melhorou a renda da nossa população", aponta o prefeito de Goioxim, Elias Schreiner.
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