Pouco mais de R$ 7 milhões destinados a investimentos em segurança pública foram devolvidos pelo Paraná ao governo federal, entre 2008 e 2011. Os recursos repassados a fundo perdido deveriam ter sido aplicados em programas de combate à violência e compra de equipamentos. Os valores estão disponíveis no site Gestão do Dinheiro Público, do governo do estado. Com essa verba, a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) poderia ter comprado quase 200 veículos policiais que custam, em média, R$ 40 mil cada. "Um investimento que não foi feito há dois anos reflete agora, por exemplo, quando não há viatura no Instituto Médico-Legal", afirma o novo coordenador de projetos da Sesp, coronel César Alberto Souza.
A secretaria tem, em média, um orçamento de R$ 1,5 bilhão, mas a maior fatia desse recurso vai para custeio, pagamento de funcionários, entre outras contas. Por isso, quanto mais dinheiro se consegue para projetos, maior o investimento efetivo em segurança pública. "É inacreditável que o estado jogue fora essa verba. Isso é falta de planejamento", opina o coronel aposentado de São Paulo e ex-secretário nacional da Segurança Pública (Senasp) José Vicente Silva Filho.
De acordo com Souza, o dinheiro não usado faz parte de convênios com a Senasp e o Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci) para reaparelhamento da Polícia Civil, do Instituto de Criminalística, do Corpo de Bombeiros e do IML, com a compra de equipamentos e a modernização do sistema de rádio comunicação das polícias.
Dos R$ 7.062.584,15 perdidos pelo Paraná, R$ 6,2 milhões eram da Senasp e R$ 850 mil do Pronasci. Além de ter de devolver a quantia, o governo deve sofrer um corte no próximo repasse federal, uma espécie de punição pela não utilização dos recursos. "Quando você devolve, no ano seguinte se recebe menos", diz Souza.
Não fosse uma ação civil pública do Instituto de Defesa dos Direitos Humanos (Iddeha), no ano passado, a perda poderia ter sido maior. Paulo Pedron, presidente da ONG, informa que a ação conseguiu manter R$ 3,5 milhões no tesouro do estado para ser usado em projetos. "O que me parece é que não há preocupação da sociedade e das autoridades. Dinheiro para partidas de futebol aparece. Onde está a prioridade?", questiona ao se referir às verbas para Copa do Mundo de 2014 no Brasil.
Dinheiro perdido
A Sesp diz ter criado um novo setor de projetos para coordenar todos os convênios e programas federais no estado. O coronel Souza promete evitar novos desperdícios de verba, como ocorreu nos anos anteriores. Ele afirma que o estado está tentando reaver a verba perdida para investir em um projeto na fronteira. "Embora tenhamos devolvido não significa que perdemos", diz. A Sesp quer investir os R$ 7 milhões na tríplice fronteira, mas isso vai depender de uma negociação com o Ministério da Justiça.
O projeto, no valor de R$ 118 milhões, prevê a instalação de um batalhão de fronteira da Polícia Militar com 500 homens, compra de equipamentos de raio-X, nariz eletrônico para descobrir armas e drogas nas entradas do estado e laboratórios móveis para perícias. De acordo com o governo, a proposta deve sair do papel no começo do segundo semestre e ser concluído até o fim de 2012.
Outro lado
O ex-secretário da Segurança Pública do Paraná, Luiz Fernando Delazari, afirma que todo estorno feito durante o período analisado tem justificativa, mas alega que, para esclarecer o valor de cada devolução, precisaria saber quais eram os convênios especificamente.
Ele lembra de um caso específico em que um convênio possibilitava a contratação de uma ONG sem licitação, o que contrariava uma diretriz do governo na época. Em outra situação, Delazari diz que uma licitação para reequipamento do Instituto de Criminalística atraiu apenas um concorrente, o que inviabilizou o processo. A reportagem também tentou conversar com o coronel Aramis Linhares Serpa, ex-secretário da Sesp no ano passado, mas não obteve sucesso.
Especialistas questionam eficiência de programas federais
O desperdício de tempo e de dinheiro público coloca uma interrogação sobre a eficiência de programas federais voltados à segurança pública no Paraná, caso do Pronasci. Embora a maioria dos municípios beneficiados pelo programa demonstrem satisfação, o projeto em si é visto com ressalvas por especialistas.
Para o sociólogo e coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pedro Bodê, manter programas sociais sob a tutela da pasta da segurança é um erro. "Os projetos tendem a ser policialescos", afirma. De acordo com ele, as verbas deveriam ser executadas e gerenciadas por ministérios e secretarias específicas. "Faz parte de um projeto político equivocado permitir que a segurança pública tome a questão social como assunto de polícia", explica.
Divisão
Os recursos do Pronasci são divididos separadamente entre governo do estado e municípios. De acordo com o Ministério da Justiça, R$ 93,3 milhões foram investidos entre 2008 e 2010 no Paraná, entre estado e municípios como Curitiba, Almirante Tamandaré, Araucária, Colombo, Pinhais, Foz do Iguaçu, Piraquara, São José dos Pinhais e Londrina.
Cada cidade nomeia um gestor para administrar os projetos predeterminados pelo Pronasci e que são desenvolvidos pelos municípios. Entre as iniciativas implantadas no estado estão o Mulheres da Paz, o Protejo, o Território da Paz e os Gabinetes de Gestão Integrada, além de reforçar a estrutura das forças de segurança.
Na avaliação do ex-secretário Nacional de Segurança Pública e coronel aposentado da Polícia Militar de São Paulo, José Vicente da Silva Filho, a redução da violência depende da resposta da polícia, evitando a impunidade. "O impacto [do Pronasci] é zero ou muito próximo disso", afirma.
Iniciativa positiva
O presidente do Instituto de Defesa dos Direitos Humanos (Iddeha), Paulo Pedron, considera a iniciativa positiva, mas diz que há deficiências na implantação. "Você não houve falar do Pronasci nas comunidades", afirma. Ele avalia que existe a necessidade de ser mais transparente e começar a envolver a sociedade desde a concepção dos projetos. "Não pode ser um mercado para ganhar dinheiro".
A reportagem procurou o Ministério da Justiça para comentar a devolução de verba feita pelo Paraná, mas não houve retorno.
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