Ponta Grossa - A Constituição brasileira é clara: só quem já completou 16 anos pode trabalhar com carteira assinada. Quem tem entre 14 e 16 anos também pode entrar no mercado de trabalho, desde que seja na condição de aprendiz, com tempo assegurado para os estudos. Mas, uma prática legalizada levou 33.173 crianças e adolescentes maiores de 10 anos a trabalhar nos últimos seis anos. Juízes de todo o Brasil permitiram o trabalho infantil artístico ou para adolescentes de famílias pobres. O Paraná foi o quarto estado que mais autorizou o trabalho de crianças e adolescentes, com 2.671 permissões judiciais no período.
O número foi divulgado pelo Ministério do Trabalho e Emprego em outubro e só foi compilado porque, desde 2005, o ministério passou a exigir dos empregadores as informações sobre autorizações judiciais na Relação Anual de Informações Sociais (Rais). "Assustador." É assim que resume o auditor fiscal e chefe da Divisão de Fiscalização do Trabalho Infantil da pasta, Luiz Henrique Ramos Lopes, sobre a quantidade de permissões. "É assustador e preocupante. Tivemos esses números e resolvemos divulgar para a sociedade", afirma.
No início deste ano, o Ministério Público do Trabalho (MPT) enviou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) um pedido de informações sobre a constitucionalidade da prática. Desde abril, o conselheiro Jorge Hélio apura as permissões para verificar se elas são legítimas. A Corregedoria do CNJ também reforçou o pedido do MPT e cobrou agilidade na investigação. A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, chegou a declarar que a permissão é inconstitucional e que o Judiciário precisa rever essa prática.
Um por dia
Entre 2005 e 2010, o Paraná contabilizou 2.671 autorizações judiciais de trabalho infantil para menores de 16 anos que não se enquadravam como adolescente aprendiz nem em medidas socioeducativas que são impostas em forma de trabalho. Em média, foi dada uma permissão por dia no estado.
Enquanto em 2005 foram emitidas 54 permissões, em 2010 ocorreram 663 autorizações. O aumento no número de liberações foi de 1.127% em seis anos. No Brasil, esse salto foi de 2.485%. De acordo com Lopes, do Ministério do Trabalho, o crescimento está relacionado à comunicação oficial do empregador, que foi aumentando ano a ano com a maior divulgação da exigência pelos auditores.
Crítica esbarra em trabalho artístico e esportivo
A secretária-executiva do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil e Regularização do Trabalho do Adolescente no Paraná, Juliana Müller Sabbag, confirmou que o fim das autorizações judiciais para o trabalho de adolescentes menores de 16 anos estão entre as lutas do Fórum. Durante reuniões regionais sobre trabalho decente (que respeita os direitos trabalhistas), propostas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), foram aprovadas moções de repúdio ao Judiciário por aprovar o trabalho de adolescentes.
Juliana lembra que mesmo os trabalhos de atores e modelos mirins, assim como os de jogadores de futebol de categorias de base, são considerados trabalho infantil. "Há um tempo desperdiçado para isso, há remuneração e, além disso, há a frustração da criança quando ela não passa num teste para uma novela ou uma escolinha de futebol. A escola, nesse caso, acaba ficando em segundo plano", comentou.
Além do trabalho autorizado pelo Judiciário, permanece o informal de maneira generalizada. O Mapa do Trabalho Infanto-Juvenil no Paraná, feito em 2007 pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes) com base no Censo de 2000, mostra que 253.256 crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos estavam empregadas no estado.
Peti
Em todo o Brasil, 820 mil crianças e adolescentes são beneficiários do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social. No Paraná, estão 29.598 deles. Eles recebem recursos mensais, incluídos no programa Bolsa Família, para ficarem longe do trabalho e poderem estudar.
Além disso, o ministério co-financia projetos de contraturno escolar para os beneficiários terem oficinas temáticas, esportes e aulas de reforço. No Paraná são repassados R$ 755 mil por mês para os projetos de contraturno.