A crise econômica não gerou apenas desemprego e alta da inflação, mas também foi responsável pelo aumento de um conhecido personagem das praias: o farofeiro. E quem acha que levar comida para a areia é inadequado, pode parar por aí. Até a socialite Gloria Kalil, referência quando o assunto é ser “chic’’, diz no livro “Chic - Um Guia Básico de Moda e Estilo” que a prática é normal, desde que se jogue fora o que sobrou, sem deixar o lixo espalhado.
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A vendedora Isabel Verdino, que chegou com sua família a Guaratuba no início de janeiro, concorda. “Trago comida mesmo. Além de ser mais barato, já que o preço praticado na beira da praia é caro, eu sei de onde vem tudo que estou ingerindo”, conta ela, enquanto sua filha, Rebecca Verdino, prepara um sanduíche com pão francês e mortadela.
Os farofeiros estão por todo lugar no município paranaense, da praia Central à praia de Brejatuba. Outra adepta dessa prática é a costureira Priscila Paula da Silva. Diferente de Isabel, ela prefere ocupar sua caixa térmica com produtos naturais e muitos líquidos. “Compramos várias frutas, como bananas, sucos, água e diversos produtos saudáveis”, relata.
Mudança de comportamento
A diferença entre o farofeiro de meados do século 20, época em que o termo foi cunhado no Rio de Janeiro , e o ‘’moderno’’ é que hoje em dia a comida é comprada nos comércios da praia. “Antigamente o veranista trazia tudo de casa, hoje não mais. Ele compra tudo aqui porque não tem mais espaço para trazer caixas térmicas com comida dentro dos carros e porque os preços são similares”, conta Claudia Maria Dalmora, diretora de uma grande rede de mercados no litoral.
Para atrair os veranistas, por exemplo, Claudia vive fazendo promoções. Ela conta que muitos dos produtos que vende, como refrigerantes e frutas, têm preços menores do que os praticados em supermercados da capital e por barracas localizadas perto da praia.
Restaurantes
Os únicos que saem prejudicados são os restaurantes locais. O diretor-presidente da Associação Comercial e Empresarial de Guaratuba, Luiz Antonio Michaliszyn Filho, diz que ouviu burburinhos a respeito da queda no consumo. “Caiu a procura no final de semana e tenho a impressão de um movimento não tão forte como no ano passado, mas não consigo precisar em números”, relata.
A gerente do restaurante Sol Nascente, Suhelen Hernaski, confirma a tese. Ela baixou R$10 o preço do prato de camarão para duas pessoas, mas, mesmo assim, viu queda no número de clientes. “E mesmo com preços menores, eles ainda pedem desconto. Dá para ver que todo mundo foi afetado pela crise”.
Termo surgiu no Rio de Janeiro
O termo farofeiro surgiu no Rio de Janeiro em meados do século 20. No livro “A Condição Urbana: ensaios de geopolítica da cidade”, o geógrafo brasileiro Paulo Cesar da Costa Gomes conta que alguns banhistas eram identificados dessa forma não só porque vinham de longe e traziam comida. “Eles também eram chamados assim por terem um comportamento de sujarem a areia, o que parecia estranho aos frequentadores habituais”, descreve.
Para Thãina de Medeiros, membro do Coletivo Papo Reto, um grupo independe de mídia localizado no Complexo do Alemão, a palavra ganhou mais destaque na década de 80, quando o então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, permitiu que ônibus saindo da zona norte chegassem à zona sul, que concentra praias badaladas, como Copacabana, Ipanema e Leblon.
Naquela época, um carioca chamado João Batista de Melo, que se identificava apenas como “suburbano/favelado da Cidade Alta e farofeiro”, criou o manifesto do farofeiro. No texto, ele dizia: “somos farofeiros porque aprendemos a valorizar os nossos minguados salários. Em vez de nos submetermos à exploração do comércio local, que pelo seu preço parece que foi criado exclusivamente para turistas estrangeiros, preferimos os lanches feitos em nossa casa”.
Nos últimos anos, Medeiros e seus companheiros do Coletivo Papo Reto vêm tentando dar outro significado ao termo por meio de eventos nas praias do Rio de Janeiro, chamados Farofaços. Na edição de 2015, por exemplo, eles se reuniram na Praça General Osório, em Ipanema, com comida, cangas e pandeiros para o pagode. “Nós temos conseguido cada vez mais apoio da população à nossa causa”, conta, em entrevista via Facebook.
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