Instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1987, a semana Previda deste ano promove atividades desde o último domingo (26) em Curitiba. Nesta edição, com a temática “Álcool e outras Drogas: quem precisa?”, o evento trouxe à capital paranaense nesta segunda (27) o médico e diretor do Departamento de DST [Doenças Sexualmente Transmissíveis], Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde Fábio Mesquita, que falou à Gazeta do Povo sobre a situação do país em relação às perspectivas internacionais, desafios do debate público e também sobre o Programa de Redução de Danos, que faz parte da Política Sobre Drogas do Brasil.
Mais cuidado, menos danos
Redução de danos é um conjunto de políticas públicas cujo objetivo é reduzir os danos associados ao uso de drogas psicoativas em pessoas que não podem ou não querem parar de usar as substâncias. A redução foca na prevenção de danos, ao invés da prevenção do uso de drogas. As intervenções são baseadas num compromisso com a saúde pública e os direitos humanos, segundo Fábio Mesquita, diretor do Departamento de DST [Doenças Sexualmente Transmissíveis], Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde e médico especialista na área de Redução de Danos. “Redução de danos é o contrário de maus tratos deliberados contra pessoas que usam drogas em nome do controle ou da prevenção”, afirma.
A abordagem brasileira atua de maneira transdisciplinar, em áreas de saúde, cultura, educação, assistência social e trabalho. Segundo a Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral dos Usuários de Álcool e outras Drogas, de 2005, “as ações de redução de danos devem ser desenvolvidas em consonância com a promoção dos direitos humanos, tendo especialmente em conta o respeito à diversidade dos usuários ou dependentes de produtos, substâncias ou drogas que causem dependência”.
Como surgiu o Programa de Redução de Danos, um dos braços da Política Nacional Sobre Drogas?
A política do Programa de Redução de Danos é uma iniciativa global. No Brasil, ela começou efetivamente em 1989, na prefeitura de Santos (SP). Trabalhamos para conter a disseminação de HIV entre as pessoas que injetavam. A lógica, baseada em dados globais, é ajudar as pessoas que fazem uso de substâncias tóxicas e não conseguem parar. Claro que existe um potencial de tratamento, mas ele é baixíssimo. Nas melhores perspectivas, a chance de recuperação absoluta para quem faz uso recorrente de estimulantes (cocaína ou metanfetamina) é de apenas 30%. Portanto, qual é a alternativa mais eficiente? Lidar com a realidade, com a doença crônica. Dependentes químicos têm uma doença crônica. A discussão não pode ser moral. Ela tem que ser objetiva; científica. Hoje trabalhamos com o conceito de reinserção social. Oferecemos um trabalho ou estudo. Entendendo que talvez essa pessoa não consiga parar de usar drogas no curto prazo. Ela precisa de uma vida em sociedade, ser incorporada.
Após essa experiência em Santos (SP), como foi o passo a passo do programa no Brasil?
O primeiro registro efetivo é de 1998, uma lei estadual em São Paulo. Depois, o Rio Grande do Sul criou um entendimento nesse sentido. A legislação nacional começou a mudar a compreensão com o governo Fernando Henrique Cardoso, beirando a virada do milênio. A estratégia passou a ser a tolerância. A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), do Ministério da Justiça, passou a promover fóruns sobre o tema e a Redução de Danos se tornou o terceiro pilar da Política Nacional Sobre Drogas.
Como está o debate no âmbito global?
Existem diversas iniciativas, algumas com grandes êxitos. Curitiba tem se desenvolvido nesse sentido. Os Centros de Atenção Psicossocial e até mesmo o Consultório na Rua são exemplos perspicazes. Quer dizer, você pega o serviço público e leva até o usuário e não espera que ele solicite ajuda em uma condição de desespero. Ofertar oportunidade é um gesto nobre. O trabalho de Redução de Danos se dá na tentativa de engajar essas pessoas. Outras três cidades em especial tem abordagens sociais interessantes: São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. No exterior, há experiências mais abrangentes. Estamos longe de situações como as de Canadá, Austrália e Reino Unido. Esses países ofertam locais públicos para o uso seguro de drogas. E eles não ficam nos bairros, nas comunidades. E nem em lugares escondidos, como túneis, becos, praças. Em alguns desses lugares o próprio governo fornece a droga, em outros a pessoa traz de casa. É uma tentativa. A repressão pela repressão falhou globalmente.
É uma alternativa para a realidade brasileira?
É uma alternativa para qualquer lugar. É uma alternativa para quem opta em trabalhar com a realidade. Nesse tópico existe muito julgamento moral. Há uma demonização muito grande do uso das drogas. Não é assim. O mercado ilícito de drogas movimenta o 3º ou 4º maior volume de recursos do planeta. Perde apenas para o comércio de armas, trigo, e se equipara à indústria farmacêutica. O dinheiro do narcotráfico circula à margem. Tem uma incompetência do setor policial, jurídico, e até mesmo de políticas públicas para impedir esse comércio. Então, para a saúde, sobram apenas as consequências. Isso porque a política de drogas, ou melhor, a guerra contra as drogas, não funcionou.
Semana Previda
A semana Previda é um evento anual, instituído pela ONU em 1987, que consagrou o dia 26 de junho como Dia Internacional contra o Abuso e Tráfico de Drogas. Confira a programação completa do evento em Curitiba.
Como é o Programa? Ele foca em algumas diretrizes específicas?
Existe um plano nacional, com diretrizes que passam pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Mas existem iniciativas em vários estados. Algumas são locais, como as de Curitiba. Distribuir as seringas em Santos (SP), em 1989, foi uma iniciativa que posteriormente se tornou uma política nacional. As cidades podem propor novas soluções, embora o Brasil seja tímido no debate. Foi tímido em diversos governos e existe uma tendência de continuar tímido. Existe uma preocupação nossa em relação ao governo transitório, primeiro pela característica dele, e depois pela posição mais conservadora. Precisamos ver se o discurso vai vingar.
O Programa de Redução de Danos tem baixo custo para as cidades, do ponto de vista social e financeiro. Já há análises em cima de resultados alcançados?
O custo é muito baixo. Muito mais baixo que a política de repressão. Ele tem um impacto muito grande nas comunidades. Análises feitas por universidades europeias, em que o programa atua há pelo menos dois ou três anos, revelam impacto expressivo. Há, logo de prontidão, uma diminuição na violência. Nós continuamos prendendo. O clássico. Há muitos anos e com os mesmos resultados. A chance de termos um novo 7 a 1 em indicadores sociais é gigantesca. Precisamos focar mais nas pessoas e menos nas substâncias.
Como funciona o processo de abordagem ao dependente?
Basicamente, o processo conta com decisão voluntária. A pessoa não pode ser forçada, nem pela família ou pela atuação da Justiça. Todo dependente busca ajuda, em algum momento da sua vida. É uma lenda afirmar que não se deve ajudar porque a pessoa não quer ser ajudada.
Você acha que falta “publicidade” para a Redução de Danos? Discutir isso com a sociedade?
Existe uma ausência de debate. Paralelo a isso tem a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à descriminalização do uso de maconha. Na medida em que você associa maconha ao crime, a chance de ajuda é muito menor.
Uma das principais críticas à proposta da Redução de Danos partiu de grupos religiosos, baseadas no discurso de que as práticas de redução estimulariam o consumo. Como você vê essa posição?
A ciência já demonstrou que esse debate é vazio, que não estimula em nada. Quando o debate era a camisinha, o discurso era de que isso estimularia o sexo, e não a proteção. Com as seringas, a mesma coisa. Ao invés de reduzir os danos, “estimularia viciados”. É um debate fora da realidade. Goste-se ou não, as pessoas usam drogas e continuarão usando. Nós precisamos proteger a vida dessas pessoas.
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