A noção de que a oferta de água não é um problema no Brasil acabou atrasando a discussão sobre o reúso desse importante recurso natural. Tanto países pobres como outros mais desenvolvidos estão cinco décadas à frente quando se trata de pesquisas, técnicas e desenvolvimento de projetos que permitem reaproveitar a água. A opinião é referendada por Blanca Jiménez Cisneros, diretora da Divisão de Ciências da Água e da Secretaria do Programa Hidrológico Internacional da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Cultura e a Ciência (Unesco). Ela está em Curitiba para participar do 2.º Simpósio Internacional de Reúso de Água, nesta terça-feira (28) e falou com a Gazeta do Povo.
A engenheira ambiental,integrante do painel de cientistas que estudam as mudanças climáticas – o IPCC –, defende que o reaproveitamento não é um assunto restrito a ambientalistas e engenheiros sanitaristas. No último Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), no início do ano, os representantes dos países participantes apontaram a preocupação com a água como objetivo conjunto número um.
Em muitos países, a saída para garantir o acesso à água passa pelo reúso. O México é campeão mundial nessa área, com os primeiros projetos datando de 1956. Na Namíbia, a água para consumo humano é de reúso. “É assim há 40 anos, sem registros de problemas para a saúde das pessoas”, comenta Blanca, acrescentando que há casos bem-sucedidos também na Alemanha e nos Estados Unidos. “A tecnologia é confiável”, assegura a engenheira que dá o exemplo das naves espaciais. Não há água nova por lá. Toda a água precisa ser reaproveitada.
Para os locais que pretendem adotar o reúso, Blanca recomenda que sejam feitas, previamente, pesquisas para captar a percepção dos habitantes. O passo seguinte seria a conscientização. “Onde há falta de água, como em algumas partes da Índia e da Nicarágua, o reúso não causa medo”, diz. Para Blanca, é preciso informar as pessoas sobre as possibilidades de reúso. O acesso à informação seria capaz de diminuir preconceitos. Muitas pessoas, em aeroportos pelo mundo, utilizam banheiros com água de reúso sem nem saber disso. “No Brasil, ainda existem privadas que usam água potável e até 40 litros a cada descarga. Isso é inaceitável”, comenta.
Serviço:
2.º Simpósio Internacional de Reúso de Água, promovido pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – Seção Paraná – ABES-PR nos dias 28 e 29 de abril, na Universidade Positivo.
Pesquisadores de vários países fazem parte do corpo de palestrantes.
Acesso mediante inscrição paga. Mais informações pelo site da Abes-PR.
Água de esgoto pode servir até para a geração de energia
A engenheira ambiental Blanca Jiménez Cisneros (foto abaixo), da Unesco, destaca outros aspectos do reúso da água que podem facilitar o acesso ao recurso natural. Confira os principais assuntos abordados na entrevista que a Gazeta do Povo fez com a pesquisadora:
Regulamentação
Outra barreira relevante para ampliar a prática do reúso é a falta de regulamentação ou a existência de normativas excessivamente restritivas. Com a intenção de proteger a população e o meio ambiente, muitas vezes os legisladores acabam por inviabilizar a aplicação de técnicas de reúso. A qualidade da água que resultará do processo depende muito da finalidade a que se aplicará – se for para lavar calçada não precisa ser potável, por exemplo. Além disso, a legislação de um país não se adequa instantaneamente a outro. Adaptações são necessárias.
Energia
Além das potencialidades para uso direto da água, Blanca reforça que o reúso é uma ótima opção para geração de energia. Ela reforça que a geração de energia hidráulica, por exemplo, não depende de água potável. A água de uma estação de tratamento de esgoto pode usar uma queda natural na topografia local para movimentar turbinas. Também a matéria orgânica gerada nas estações pode levar ao aproveitamento de gases, como o metano.
Desigualdade
Há três categorias de carência de água: quando não há oferta (como em regiões áridas), quando a demanda é muito grande (como em metrópoles, como São Paulo, Cidade do México e Nova York) ou quando não há capacidade humana ou tecnológica para a exploração do recurso. Blanca comenta que, curiosamente, não há uma relação direta entre desigualdade econômica e dificuldade de implantar técnicas de reúso. Alguns países pobres ou em desenvolvimento acabam conseguindo instituir programas mais rapidamente, quando enfrentam carência de água.
Mudanças climáticas
Para diminuir as chances de faltar água, a melhor opção seria reduzir o consumo. Não sendo possível, o reúso aparece como uma alternativa. “Reúso é uma garantia de água sempre, sem depender de questões climáticas”, aponta. Ela comenta que o planeta está sujeito a oscilações maiores, diante de eventos extremos, como inundações e secas, que alteram a disponibilidade de água. A engenheira também explica que armazenar água para abastecimento público é um processo muito caro, principalmente com a construção de grandes represas.
Iniciativas
Blanca argumenta que as potencialidades de reúso são ilimitadas. Na Austrália, por exemplo, é usada para produzir neve em estações de esquis ou mesmo para descongelar as ruas cobertas de neve. “Não há limite para as possibilidades de reúso”, disse. No Japão, prédios com mais de 10 andares precisam reutilizar a própria água. Na maior parte das vezes, o reúso vai para descargas de privadas, para lavagem de calçadas e para regar plantas.
Custos
Levando em consideração que a água usada precisa ser tratada para ser devolvida ao meio ambiente e que os custos de tratamento não são baixos, o custo de implantação de modelos de reúso, pondera Blanca, não são necessariamente maiores do que os destinados ao tratamento. A iniciativa privada estaria se desenvolvendo mais rapidamente, em comparação com o poder público, na opinião de Blanca. Em unidades industriais, por exemplo, as estações de tratamento de esgoto (ETEs) podem ser transformadas em unidades de recuperação de água (URAs), sem gerar efluentes e colaborando para a diminuição de custos financeiros e ambientais. Pelo menos 60 países já aplicam o reúso em grande escala – o Brasil não está entre eles. (KB)
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