Equipe do Corpo de Bombeiros mantêm os trabalhos de busca no local da tragédia| Foto: Juca Varella/Folhapress

Negligência. Uma única palavra pode ser o ponto de partida para explicar a tragédia que se abateu sobre o Centro, na quarta-feira à noite, quando três prédios desabaram, matando cinco pessoas e deixando seis feridos. Há ainda 21 desaparecidos que mobilizam equipes de resgate no coração da cidade. Mal começa a baixar, a cortina de poeira revela um cenário de destruição, mas também os primeiros indícios de que a lei foi, mais uma vez, ignorada.

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No Edifício Liberdade, no número 44 da Avenida Treze de Maio, que foi o primeiro a ruir, estavam sendo realizadas duas reformas de grande porte no terceiro e no nono andares, mas nenhuma delas tinha registro no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio (Crea-RJ). A última obra de que se tem notícia por ali é de 2008.

"São obras irregulares, com certeza", disse o presidente da Comissão de Análise e Prevenção de Acidentes do Crea, o engenheiro Luiz Antonio Cosenza. "Já entramos em contato com a empresa para que informe quem eram os engenheiros responsáveis e que obras eram essas."

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Os dois andares em questão eram ocupados pela empresa TO Tecnologia Organizacional. Sem o conhecimento de órgãos técnicos, a empresa só poderia fazer discretas intervenções. Não é o que estaria acontecendo. Há relatos de que quase todas as paredes de um dos andares haviam sido retiradas, o que pode ter sido crucial para o abalo estrutural. Porém, o advogado da TO, Jorge Willians Soares, garante que os serviços executados se limitavam à troca de carpetes antigos e à pintura de paredes. Ele prometeu entregar documentos comprovando sua versão na 5ª DP (Gomes Freire), onde já foi aberto um inquérito. O delegado Alcides Alves de Moura já ouviu o depoimento de seis pessoas, entre testemunhas e donos de imóveis no Edifício Liberdade.

Se o Plano Diretor da Cidade tivesse sido cumprido, a obra no Edifício Liberdade deveria ter sido licenciada pela Secretaria municipal de Urbanismo. Por meio de nota, o município alegou que o artigo 57 do Plano Diretor dispensa a licença prévia quando as reformas não envolvem aumento da área construída. Mas o mesmo artigo da lei prevê exceções: o licenciamento é obrigatório se a obra estiver no entorno de um bem tombado.

O Edifício Liberdade ficava ao lado do Teatro Municipal, tombado pelo Iphan desde 1973. Tão próximo que teve sua bilheteria, num prédio anexo, atingida por destroços. Não bastasse o vizinho mais próximo, ainda ficam nos arredores, que integram o Corredor Cultural do Centro, imóveis igualmente ilustres, como o Palácio Pedro Ernesto, sede da Câmara de Vereadores, o Museu de Belas Artes e a Biblioteca Nacional.

O subsecretário de Patrimônio Cultural, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design, Washington Fajardo, tem outro entendimento da legislação. Segundo ele, a lei não pode ser aplicada de forma genérica.

"Esse item diz respeito apenas à ambiência no entorno dos prédios, mas não às partes internas de imóveis. Essa sempre foi a regra adotada pela prefeitura. Uma agência bancária que funcionava num dos prédios alterou a fachada e por isso precisou de licença prévia do Patrimônio. Se alguém quiser instalar um letreiro, isso interfere na observação do imóvel tombado e por isso terá que ser analisado", argumentou Fajardo.

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O Iphan preferiu não se manifestar por ser um órgão federal e as licenças de obras serem da alçada da prefeitura. Para o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio, Sidney Menezes, o grande problema está na própria legislação urbanística.

"As regras são confusas e dão margem a interpretações distintas. Realmente há décadas a prefeitura dispensou licenças para reformas. Mas, se existe uma outra interpretação, isso nem é uma questão para os arquitetos. Tem que ser resolvida pelos juristas", opinou.

Foi decretado luto oficial na cidade do Rio por três dias. Se o pior se confirmar - e não forem encontrados sobreviventes sob os escombros - , terá sido um desabamento tão trágico quanto o pior deles já registrado no Rio. Em 1971, uma falha estrutural levou ao chão 122 metros do Elevado Paulo de Frontin. Na época, 26 pessoas morreram.

Falta de licença ou falhas na fiscalização estão por trás de outros desabamentos ocorridos nos últimos anos. Foi o caso do prédio no número 55 da Rua do Rosário, no Centro, onde funcionou o Hotel Linda do Rosário. Apesar de ter seis andares, apenas dois pavimentos constavam no cadastro do IPTU. Em 2002, o desabamento matou um casal de hóspedes.

No térreo, onde funcionava uma lanchonete, havia uma obra ilegal. O problema é crônico. Em 2007, um prédio de três andares caiu em Marechal Hermes, causando a morte de duas crianças e deixando sete feridos. O imóvel chegou a ser interditado pela Defesa Civil, mas o proprietário prosseguiu com a obra mesmo depois de receber cinco autos de infração.

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Um dos casos mais emblemáticos do Rio, o desabamento parcial do edifício Palace 2, na Barra da Tijuca, em 1998, matou oito pessoas e deixou 130 famílias desabrigadas. O prédio desabou depois de uma obra irregular na cobertura, onde foi construída uma piscina. A perícia ainda constatou falhas no projeto de construção de dois pilares.