Em desacordo com o contrato de concessão e também com uma lei municipal, a Urbs passou três anos sem auditar como deveria os balanços das empresas de ônibus de Curitiba e região. Os empresários entregam, a cada três meses, balancetes com as suas finanças. Mas somente a partir de 2014 esses balanços passaram a ser cobrados dentro do chamado plano padrão, como manda o edital. Esse formato facilita auditorias e dá mais transparência.
Empresários alegam prejuízo; auditores questionam argumento
O transporte público de Curitiba vem dando prejuízo, segundo os empresários. Eles alegam que esse desequilíbrio financeiro se deve a custos acima do esperado e a uma contenção artificial da tarifa promovida pela Urbs desde 2010. Isso estaria ocorrendo mesmo com os reajustes anuais feitos pela prefeitura, que atingiram 35% com a última revisão de 2014.
Os empresários, inclusive, ingressaram na Justiça para, segundo eles, fazer a prefeitura cumprir o contrato. Ao todo, são nove ações judiciais com as mais variadas alegações para comprovar que o setor está operando no prejuízo e com déficit maior do que o previsto. Eles apontam, por exemplo, que a Urbs sempre projeta uma demanda de passageiros maior do que a realizada. Quanto mais usuários, menor a tarifa técnica. Mas, sem o plano padrão de contas, os argumentos são questionados por quem analisa os contratos.
“A falta de rigidez contábil das empresas não nos permite aceitar esse prejuízo alegado. Mas eles não fazem e também não querem o plano padrão para manter essa maluquice contábil”, disse um dos auditores. Ele prefere não se identificar porque o caso está sendo analisado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), ligado ao Ministério da Justiça.
Obrigação
Opinião diferente tem outro especialista envolvido nas investigações. “A obrigação é da Urbs em estabelecer o plano de contas padrão e ter equipe, procedimento e metodologia para auditoria das empresas. Isso também precisa ser publicado em site público, porque esse contrato tem déficit de transparência. Infelizmente, nunca houve análise aprofundada de nenhum balancete. Somente algo superficial”, conclui.
A Gazeta do Povo publicou, no último dia 2, reportagem mostrando movimentações de R$ 55,6 milhões entre as viações e empresas de participação da família Gulin. Elas ocorreram entre dezembro de 2010 e junho de 2013 – período que antecedeu a entrega dos balanços no novo formato. Apesar de legais, auditores veem nessas transações indicativos de que o lucro do transporte estaria sendo drenado para empresas menores do mesmo grupo. Já as viações dizem que o setor é deficitário, dá prejuízo e que são as coligadas que as socorrem.
Balancetes
Atendendo ao contrato, os empresários dizem repassar balancetes analíticos trimestrais à Urbs desde 2010. A prefeitura, por sua vez, diz que sempre auditou e fiscalizou as contas. Mas reconhece que, até o fim de 2013, não o fazia em cima de uma prestação de contas padrão – o que facilitaria esses trabalhos. Sem esse modelo, cada consórcio apresenta suas contas dentro do padrão quer quiser. E, por não serem sociedades de propósito específico, esses balanços podem conter atividades alheias ao transporte.
A reportagem apurou que um plano contábil padrão realmente foi definido em 2014, mas isso teria ocorrido apenas no segundo semestre e com efeito retroativo aos balanços apresentados a partir de janeiro daquele ano. Além disso, auditores do MP-PR acreditam que o plano estabelecido ainda depende de aprimoramentos. Eles citam também que há balanços imprecisos, como o de uma das viações que teria descrito gastos com manutenção de veículos em uma rubrica genericamente chamada “serviços de terceiros”.
Formada em 2013 pelo próprio prefeito Gustavo Fruet, a Comissão da Tarifa já havia identificado a ausência desse plano e também a necessidade de uma auditoria independente que analisasse as questões tarifária e contratual. Em junho do ano passado, a prefeitura abriu licitação para contratar essa auditoria. Mas a conclusão desse processo ainda depende de manifestação do Conselho de Administração da Urbs.
A auditoria sobre as contas do setor é essencial para definição de uma tarifa justa e para a devida remuneração pela prestação do serviço. Os empresários reclamam na Justiça que os custos do sistema e as estimativas de demanda são subdimensionados pela Urbs. Por isso, o contrato estaria sendo descumprido. Já a prefeitura diz cumprir à risca o contrato e vê na demanda um risco inerente ao negócio e, portanto, ao empresário. Por contrato, porém, o plano padrão deveria ter sido estabelecido antes do início da operação em 2010.
Empresas dizem que seguem o contrato
O Setransp, sindicato que representa as empresas de transporte, afirma que suas filiadas seguem o contrato ao entregar, trimestralmente, os balancetes analíticos e, anualmente, as demonstrações contábeis. E que isso, inclusive, é feito com base em plano de contas padrão, definido pela Urbs, com as contas do transporte separadas das demais atividades das concessionárias. A entidade admitiu, porém, que ainda aguarda a Urbs elaborar um manual de procedimentos, mas que as viações não se furtarão a cumpri-lo quando ele estiver pronto.
Sobre a conclusão de auditores de que as movimentações são um indicativo de fuga de lucro do setor, o Setransp afirma que isso é precipitado e errôneo. Segundo a entidade, as demais atividades do grupo é que têm sido fundamentais para prover recursos financeiros externos para a manutenção do transporte coletivo.
A prefeitura, por sua vez, informa que formatou no ano passado o plano padrão das empresas, mas que isso não a impedia de realizar as auditorias necessárias para o sistema antes de 2014. A gestão municipal diz, inclusive, que fez concurso público para formar uma equipe para essa atividade e que estagiários também já foram selecionados.
Entenda o caso
Entenda as dificuldades que a falta de um padrão contábil para fiscalizar as empresas de ônibus cria para a Urbanização de Curitiba (Urbs):
O que é o “plano padrão”?
Instrumento contábil que ajuda a fazer comparações mais precisas. O Banco Central, por exemplo, determina que bancos comerciais sigam um plano de contas para engessar as informações e compará-las com mais precisão. Em geral, as empresas podem adotar internamente o plano de contas que quiserem, mas desde que sigam as normas contábeis quando forem publicá-lo. O edital e contrato do transporte já previam que o plano padrão fosse estabelecido antes do início da operação. Ele começou a ser cobrado em 2014.
E qual é o problema?
O edital não exigiu que as empresas de ônibus formassem as chamadas “sociedades de propósito específico”. Sem essa exigência, o contrato e o próprio edital estabeleciam que a concessionária, no caso a Urbs, definisse um plano contábil padrão para facilitar as auditorias e dar mais transparência ao setor. Sem isso, as contas das viações podem conter transações sem ligação com o transporte. Os balanços entregues pelas viações na CPI do Transporte tinham movimentações com holdings da família Gulin.
Qual o valor que foi movimentado?
Análise da reportagem nos balanços encontrou R$ 55,6 milhões em movimentações entre as empresas de ônibus e as sociedades de participação ligadas à família Gulin. São empréstimos, aprisionamentos de recursos e depósitos judiciais para 17 empresas diferentes – coligadas às viações. Essas empresas de participação têm capital social de R$ 365 milhões e são sediadas em endereços residenciais, escritórios e nas próprias garagens de ônibus. Mas essas transações, segundo os empresários, são normais e ocorrem para socorrer as finanças das viações.
Mas essas movimentações são ilegais?
Não. Como o edital não obrigou os vencedores a formarem as sociedades de propósito específico, as viações podem ter em seus balancetes empréstimos a outras empresas. Isso é comum entre grandes empresas. Mas, segundo especialistas, prejudica a fiscalização em torno de uma concessão pública.
Empresários alegam trabalhar no vermelho
No ano passado, os empresários do transporte de Curitiba alegaram ter um déficit de R$ 760 milhões – 57% maior do que o projetado para os primeiros quatro anos de contrato. Eles também alegam operar no prejuízo. Na Justiça, por exemplo, cobram R$ 240 milhões que não teriam sido repassados de 2010 para cá por causa da utilização de parâmetros equivocados de demanda.
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