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Cmei no Portão é um dos oito atualmente em construção neste ano na capital. Outros dois estão em fase de licitação | Brunno Covello/ Gazeta do Povo
Cmei no Portão é um dos oito atualmente em construção neste ano na capital. Outros dois estão em fase de licitação| Foto: Brunno Covello/ Gazeta do Povo

Não tem como o município dar conta sozinho, diz especialista

No início de julho, o Ministério Público do Paraná propôs uma ação civil pública contra a prefeitura de Curitiba, exigindo o atendimento integral, até o início do ano letivo de 2015, de cerca de 10 mil crianças e a criação de mais 14 mil vagas até 2016, tendo em vista a Emenda Constitucional 59.

A ação é resultado de uma investigação realizada pelo MP desde 2011 para identificar demandas educacionais em todo o estado. O levantamento revelou a dificuldade que as prefeituras têm em fornecer uma rede de educação infantil suficiente às necessidades da população: nenhum dos 399 municípios paranaenses supre a demanda de vagas em creches (para crianças de zero a 3 anos) e apenas 53 conseguem ofertar vagas suficientes na pré-escola (para crianças de 4 a 5 anos).

De acordo com Ângelo Souza, doutor em Educação e coordenador do curso de Pedagogia da UFPR, o déficit de vagas na educação infantil pública é histórico e remonta às falhas estruturais da educação no Brasil. "Historicamente, o Brasil nunca considerou educação infantil como etapa educacional. Até 1996, era considerada assistência social. Foi só com a Lei de Diretrizes de Base que esse cenário mudou. Mas esse atraso gerou um déficit de décadas para o poder público", explica Souza.

Além disso, ele aponta outros dois fatores que dificultam o desenvolvimento pleno de políticas de educação: a responsabilidade pelo fornecimento da educação infantil pertence aos municípios, os menores entes da União e, portanto, com os menores orçamentos. Por fim, a instituição da Emenda Constitucional 59 ampliou a responsabilidade municipal, que agora deve atender toda a população a partir dos 4 anos. "Não tem como um município dar conta sem recursos do governo estadual e federal".

Entraves

Entre os obstáculos que precisam ser driblados está o alto custo de manutenção das unidades em funcionamento. A construção da creche é financiada pelo programa federal Proinfância, mas a manutenção – que engloba a folha de pagamento de funcionários, reformas, equipamentos e despesas de rotina como alimentação – cabe à administração municipal e custa caro. "Hoje, apenas o nosso quadro de funcionários custa R$ 182 milhões ao ano. Seguimos um padrão de qualidade exigido pelo convênio com a União", diz o superintendente executivo da SME, Marcos Schiefler Filho.

Há ainda problemas de ordem técnica, como a falta de terrenos. "Hoje, temos dificuldade para encontrar terrenos devido às dimensões exigidas pelo programa federal e pela localização, pois precisa ser em uma região da cidade que atenda às pessoas que necessitam", explica Schiefler.

Para cumprir a exigência da ação civil pública protocolada em julho pelo Ministério Público e abrir 24 mil vagas na educação infantil nos próximos dois anos, a prefeitura de Curitiba precisaria injetar mais R$ 419 milhões no orçamento da área. Segundo dados da Secretaria Municipal da Educação (SME), a educação infantil custa ao município hoje R$ 316,5 milhões ao ano – R$ 182 milhões para o pagamento de pes­­­soal, ­­­R$ 74,5 milhões para as despesas de manutenção (como alimentação, limpeza e mobiliário) e R$ 60 milhões para o custeio de despesas indiretas e eventuais. Com esse valor são atendidas 43.190 crianças matriculadas em unidades da redes pública e privada conveniada.

INFOGRÁFICO: Veja como o dinheiro destinado às creches e unidades da pré-escola chega até os municipios

Em um universo de números sempre altos, atender à solicitação do MP, segundo projeções da SME, custaria aos cofres municipais R$ 228 milhões para a construção de 120 Cmeis e R$ 191 milhões para manutenção – um acréscimo de R$ 419 milhões na conta anual. Se considerado o orçamento de 2014 para o setor de Educação, de R$ 1.182 bilhão, a pasta precisaria receber 35,4% a mais em 2015.

"Orçamentariamente falando, não existe a possibilidade de dispor quase R$ 500 milhões para atender apenas a essa demanda. Ela deve ser suprida, e trabalhamos para isso, mas dentro da possibilidade orçamentária real", explica o superintendente executivo da SME, Marcos Schiefler Filho.

Mesmo que o prefeito Gustavo Fruet cumprisse sua promessa de campanha de aumentar a aplicação em Educação para até 30% das receitas do município até 2016, o valor resultante não seria suficiente para atender ao pedido do MP. Neste ano, a aplicação de receitas próprias de Curitiba (principalmente impostos como IPTU, ISS e ITBI) na pasta atingirá 26,5%, ou R$ 939 milhões, segundo a SME. Em 2016, o alcance dos 30% deverá representar mais R$ 399 milhões e resultar em um montante de mais de R$ 1,3 bilhão – número aquém do R$ 1,5 bilhão anual necessário para a construção e manutenção dos 120 Cmeis. Em relação ao orçamento total do município para 2014, de R$ 7,165 bilhões, a parte da Educação corresponde hoje a 16,5%.

Histórico

A falta de vagas na educação infantil pública é um problema histórico em Curitiba. Segundo o MP-PR, há 10.179 crianças aguardando na lista de espera. Já a SME diz que a demanda manifesta atual é de 9.349 crianças.

De acordo com Schiefler, para atender à demanda da educação infantil, a prefeitura atua em três frentes: construção de novas Cmeis, busca por vagas ociosas nas escolas da rede municipal (do 1.º ao 5.º anos), e firmar convênios com a rede privada. Com essas medidas, se prevê a criação de 13.350 vagas – número suficiente, afirma a SME, para cumprir a meta municipal estipulada para o fim de 2016 de zerar a lista de espera por vagas na pré-escola e de ofertar até 50% das vagas necessárias em creches.

Para 2015, primeiro prazo definido pelo MP, a SME garante a abertura de 1.800 vagas, graças à previsão de inauguração de 10 novos Cmeis, mais 360 vagas nas instituições particulares conveniadas, a partir de agosto deste ano, e outras 500 vagas até o início do ano que vem. O restante deve ser ofertado até 2016.

Será necessário aumentar a rede privada conveniada

Diante do reconhecimento de dificuldades orçamentárias, técnicas e burocráticas enfrentadas pela administração municipal para suprir a demanda imediata por vagas, o MP sugere uma alternativa: matricular as crianças da fila em escolas da rede privada. A estratégia já é conhecida: a prefeitura de Curitiba possui convênio com 81 instituições de ensino particulares nas quais estão matriculadas 8.777 crianças. O custo dessa manobra para a prefeitura é de R$ 38 milhões por ano, montante dividido e repassado bimestralmente para as entidades.

Apesar de resolver o problema imediato, na avaliação de Ângelo Souza, doutor em Educação e coordenador do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), no entanto, a alternativa é temerária. "A Lei de Diretrizes de Base reconhece a transferência de recursos, mas essa medida é um desserviço. Assim o governo não precisa mais assistir àquela criança, sendo que isso é de sua competência. Transferir a educação para o segmento privado é uma medida para resolver emergências, não para virar política de educação", avalia.

A SME garante, por sua vez, que as crianças matriculadas na rede conveniada não sofre nenhum prejuízo em relação às que frequentam a rede pública. "As instituições parceiras passam por um processo de avaliação e adequação antes de firmar convênio com a prefeitura. Há exigência de projeto político-pedagógico , estrutura física e formação de professores e educadores nos mesmos parâmetros praticados pelos Cmeis", explica o superintendente executivo da SME, Marcos Schiefler Filho.

Considerando as dificuldades orçamentárias, como a prefeitura de Curitiba poderia suprir as 24 mil vagas na educação infantil até 2016? Deixe seu comentário abaixo e participe do debate.

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