Vídeo| Foto: RPC TV

Rio – Passava um pouco da meia-noite e, em frente de um bar caindo aos pedaços na periferia do Rio de Janeiro, uma dúzia de traficantes de drogas carregando armas pesadas estava matando tempo com um jogo de cartas, alguns cigarros de maconha e uma garrafa de uísque Ballantine’s 12. De repente, um sujeito grandalhão, vestindo uma camiseta de um amarelo berrante e carregando uma Bíblia debaixo do braço, aparece das sombras e entra no bar com o líder dos bandidos. Dez minutos depois, o tal líder estava às lágrimas, com um rifle de assalto no colo. Soluçando, ele contava ao visitante – conhecido na vizinhança como pastor Dione –, que queria deixar a quadrilha mas não sabia como. O pregador segurava-o pelo braço e tentava confortá-lo. "Você pode até pensar que ninguém liga para você", ele dizia, vigorosamente. "Mas Jesus te ama, e eu estou aqui por sua causa. Eu sou o seu pastor e vou te ajudar."

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Este tem sido um ano violento até mesmo para o Rio, que registra anualmente cerca de 6 mil homicídios. Mais de 50 policiais foram mortos desde janeiro. Não há sinal de que a violência possa cair e, por isso, poucos são corajosos o bastante para encarar a linha de frente do conflito pelo tráfico no Rio, que já dura 30 anos. Um punhado de grupos de apoio ainda tenta arrastar os traficantes de volta à sociedade convencional, seguidora das leis. Entre eles, estão grupos como Afro-Reggae e Soldado Nunca Mais. Mas a maior parte do trabalho acaba ficando com um exército de pregadores pentecostais como Dione dos Santos. Aos 33 anos de idade, ele lidera a igreja Ministério da Restauração, um braço da Assembléia de Deus no bairro carioca de Senador Câmara.

Bocas-de-fumo

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A cada semana centenas desses missionários rondam por becos e bocas-de-fumo armados apenas com uma cópia do Novo Testamento, na esperança de salvar almas e vidas. "Irmão, a minha missão é evitar mortes, tá ligado?", disse o pastor Dione em uma dessas "incursões", usando as mesmas gírias que fala nas conversas com os traficantes.

Alex Casemiro, outro desses pregadores, é mais enfático. "Muitos pastores dizem que querem pregar nas casas desde que possam sentar num sofá. São muito poucos os que fazem o que a gente faz", afirma. Dias atrás, ele correu por uma favela com seu Ford Focus na tentativa de ajudar a libertar três jovens que, aparentemente, haviam sido seqüestrados e condenados à morte por uma gangue de uma favela rival.

Como as Nações Unidas e a Cruz Vermelha em zonas de guerra, os pregadores na linha de frente do Rio de Janeiro também têm carta branca para operar nos cantos mais inacessíveis e perigosos da cidade. Quando a polícia carioca tenta entrar numa favela, é freqüentemente recebida à bala; quando os evangelistas fazem o mesmo, são saudados com sorrisos envergonhados ou com abraços. "Ninguém aqui é tão auto-suficiente que se dê ao luxo de rejeitar os pregadores", disse um traficante graduado do Terceiro Comando, numa visita recente a um dos quartéis-generais do grupo, um barracão de concreto povoado por jovens armados de AK-47s e equipado com uma metralhadora antiaérea com capacidade de disparar 500 vezes por minuto. "Os garotos todos sabem que eles estão aqui para tentar nos libertar, para nos ajudar a parar de fumar, de cheirar e de traficar."

Gangues

Muitos desses pastores são ex-membros de gangues, que vêem os traficantes não apenas como matadores violentos, mas como jovens profundamente vulneráveis. O pastor Dione costuma dizer que até dez anos atrás ele mesmo estava no "movimento", como os traficantes chamam sua atividade. "Eu já fui como você", ele diz com freqüência aos seus interlocutores. "E você também pode ser como eu sou hoje."

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Em uma visita, ele disse a um dos chefões do tráfico: "Uma vida é uma vida, não importa se é do TCP (Terceiro Comando Puro), TC (Terceiro Comando), ADA (Amigos dos Amigos), CV (Comando Vermelho) ou seja lá de onde for. Pense nisso. Separe duas horas para Deus e venha pra igreja".

Nem todas as crenças dos pregadores são tão progressistas quanto suas tentativas de resgatar os membros de gangues podem dar a entender. Muitos consideram o homossexualismo demoníaco e encorajam as mulheres a usar roupas que cubram o corpo todo. Apesar disso, os resultados de suas visitas de alto risco às favelas são inegáveis. Pastor Dione diz que convenceu centenas de criminosos a trocar as armas pela palavra de Deus. "Se não fosse pelo pastor eu já teria morrido", disse um adolescente, que explicava que, antes de sua conversão, trabalhava cortando cadáveres com um machado. Marcelo dos Santos, um rapaz de 21 anos, que é um dos mais jovens membros da equipe de Dione, diz que sua mãe sempre fica preocupada com tiroteios e as madrugadas que ele passa fora de casa. "Mas esse é o nosso trabalho", ele diz. "Nossas vidas estão nas mãos de Jesus."

"Sabe o que eu digo para os crentes que têm medo de evangelizar na favela?", perguntou Dione, numa reunião recente. "Deixa de palhaçada! Hoje nós vamos sair para as ruas, Hoje nós vamos invadir as bocas-de-fumo", completou. "Aleluia!", respondeu a congregação. Depois do culto, Dione e oito colegas entraram numa Kombi e sairam para a noite. Duas horas mais tarde desceram numa barreira no Complexo da Maré. Meia-dúzia de traficantes carregando granadas, revólveres e fuzis cercaram-nos para receber uma bênção. "Venham com a gente agora! Larguem as armas e voltem com a gente pra igreja!", insistiram os pregadores, recebendo de volta um silêncio desconfortável.

Cansados, Dione e os outros se reuniram em um bar para discutir os acontecimentos da noite em torno de uma garrafa de Coca-Cola, perto das 5 da manhã. Ele resumiu a opinião de todos. "Quem mais vem até aqui para abraçar os traficantes?", perguntou. "Eles pensam: ‘o governo não liga para mim, a polícia chega atirando; mas essas pessoas chegam aqui e dizem que eu sou importante, que Jesus me ama’", disse. "É isso mesmo, essa é a nossa missão."