Associação criminosa armada foi um dos crimes pelos quais Edinéia Paiva foi condenada a uma pena de 17 anos de prisão, por sugestão do ministro Alexandre de Moraes, em julgamento virtual no Supremo Tribunal Federal (STF). A faxineira de 38 anos, mãe de dois filhos, um de nove anos e outro de 19, foi presa segurando um terço e uma bíblia enquanto se protegia de bombas de gás durante os atos de 8 de janeiro. O julgamento terminou nesta quarta-feira (17) (veja no final como votaram os outros ministros).
Antes de ser presa, Ednéia estava embaixo da rampa do Planalto, na tentativa de se proteger das bombas de gás que eram jogadas para conter vândalos que depredavam os prédios públicos. Não era o caso dela. Quando chegou à Esplanada, logo depois de participar da missa próximo ao QG do Exército, o caos já estava instaurado. “Eu pulei a rampa e eu travei ali. Não conseguia correr. A única coisa que eu lembrei foi de me agachar e ficar ali para me proteger, porque eram muitas bombas”, relata.
“Foi onde o policial chegou, me tirou de lá a força, me arrastando pelos cabelos”, conta. Edinéia foi algemada, enquanto tinha a bolsa vasculhada, segundo ela, de forma agressiva por um policial militar do DF. “Até então, eu só estava com uma bíblia na mão e um terço”, reforça. No voto do ministro relator, Alexandre de Moraes, não há menção a nenhum tipo de arma branca encontrada com a faxineira. No documento, há apenas fotos de facas e pedaços de madeiras encontrados com outros manifestantes.
“A condenação de inocentes tem um impacto devastador na vida das pessoas que são afetadas. Ela pode perder sua liberdade, sua reputação e seu sustento e ainda trazer sofrimento para toda sua família”, considera Hélio Júnior, advogado de defesa de Edinéia. Hélio ainda afirma que não há nenhum processo criminal no histórico dela.
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Longe de casa
Nos sete meses que ficou na prisão, ela mal recebeu notícias da família. Quando chegou, encontrou um marido deprimido diante dos dias difíceis que viveu. Sem o dinheiro das faxinas de Edinéia para complementar a renda da casa, o marido se desdobrou fazendo entregas pelo iFood nos horários em que não estava no emprego formal, em uma metalúrgica. A irmã também ajudou, fazendo uma rifa com os amigos para ajudar o cunhado a pagar as contas que estavam ficando atrasadas.
A filha contou com o apoio do corpo docente da escola. Durante meses, a menina passava a aula chorando muito. O diretor da escola deu passe livre para que ela fosse à sala dele sempre que sentisse necessidade de conversar. Antes disso, a garota estudava em uma escola municipal, mas com medo da doutrinação ideológica que Edinéia via, decidiu trabalhar mais para colocar a menina em uma escola particular. Só pelo amparo recebido, segundo ela, já valeu a pena o esforço dos pais em pagar as mensalidades escolares.
“Eu tinha medo, né? Eu fui porque minha filha tem nove anos e eu quero um futuro bom. Eu tinha medo da esquerda entrar e fazer isso aí que está fazendo”, responde ao ser questionada sobre qual motivo a levou a frequentar às atividades do QG em Americana, cidade que mora localizada no interior de São Paulo. Sempre, após o trabalho, ela saía para encontrar o grupo. Foi aí que decidiu vir para Brasília participar das manifestações pacíficas que iriam acontecer em prol do ex-presidente Jair Bolsonaro.
De tornozeleira eletrônica, voltou a fazer diárias de faxina. Com o tempo na prisão, perdeu clientes que já tinham feito novas contratações, mas que a indicaram para outras pessoas.
À procura de ajuda psicológica
Quando falou com a Gazeta do Povo, faltavam poucas horas para terminar o julgamento e Edinéia se dizia apreensiva com o que o futuro. “A condenação já está aí. É um fato. Estou esperando o mover de Deus, porque eu não fiz nada. Até então, se manifestar não é crime. Pelo menos não era”, diz. Ela complementa questionando “eu fico me perguntando quantas manifestações tiveram com mortes em outras épocas e ninguém foi preso”.
A mãe, que mora no interior do Paraná e trabalha no campo, ainda não sabe da situação da filha. Isso porque sofre de hipertensão e problemas no coração. Edinéia tem medo que o impacto da notícia possa piorar a saúde da mãe. “Ela está cheia de planos querendo vir me visitar no final do ano, mas ela nem sabe de nada. Ela pergunta e eu desconverso”, confessa.
“Ele [Alexandre de Moraes] está me dando 17 anos e eu fico me perguntando o porquê. Porque eu não matei ninguém, não roubei, não fiz nada. Nem quem mata recebe uma pena dessa”, se indigna. Ela está procurando uma psicóloga para receber suporte para enfrentar a grande possibilidade que tem de voltar a um presídio.
Como votou cada ministro
Associação criminosa armada, golpe de Estado, dano qualificado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e deterioração de patrimônio tombado são os crimes atribuídos por Alexandre de Moraes (leia o voto) a Edinéia. Ela também foi condenada a dividir com outros condenados o pagamento de R$ 30 milhões por danos morais coletivos.
Para o ministro, o “direito constitucional de manifestação jamais poderia ser confundido com evidente adesão a uma atuação criminosa, que envolvia violência e vandalismo extremo contra o patrimônio público, além de clamor por intervenção militar e queda do governo eleito”. Moraes também afirma que a invasão decorreu devido a “adesão aos propósitos criminosos da horda golpista e não do intento de se proteger ou buscar abrigo”. No voto, não há provas contra Ednéia ou qualquer tipo de individualização da sua conduta.
O entendimento de Alexandre de Moraes foi acompanhado na íntegra por Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Luiz Fux. Os ministros Cristiano Zanin e Edson Fachin divergiram apenas na dosimetria da pena, sugerindo 15 anos.
André Mendonça (leia voto) condenou a faxineira por acreditar que ela tenha cometido o crime de tentar abolir o Estado Democrático de Direito, “com emprego de violência ou grave ameaça”, “impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais” (artigo 359-L do Código Penal). Por esse crime, e absolvendo-a dos outros apontados por Moraes, Mendonça sugeriu uma pena total de 4 anos e dois meses.
O presidente do STF Luís Roberto Barroso, ao contrário, absolveu Edneia desse mesmo crime, acusando-a de todos os outros, propondo a redução de cinco anos e seis meses da pena de 17 anos indicada por Moraes (ficando em 11 anos e seis meses).
Kassio Nunes Marques (leia o voto) absolveu a faxineira de todos os crimes, com exceção do artigo 286, do Código Penal, “incitar, publicamente, a prática de crime”. Na prática, se o entendimento de Nunes Marques prevalecesse, a faxineira já teria cumprido a pena pelos meses em que ficou presa em Brasília.
Como houve divergência de votos, a defesa vai recorrer da decisão, ao próprio STF.
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