O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta sexta-feira (19) que transexuais e travestis que se reconhecem como mulheres poderão optar se preferem cumprir suas penas em presídios femininos ou masculinos – neste último caso, em alas especiais. O ministro alegou que a medida garante a proteção da população carcerária LGBT.
Em junho de 2019, Barroso havia determinado a transferência de transexuais femininas para presídios femininos, de forma a garantir "tratamento social compatível com sua identidade de gênero". A liminar foi proferida em ação ajuizada pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). Na ocasião, o ministro afirmou que ainda não estava claro qual opção seria mais adequada para as travestis femininas, e por isso, restringiu a decisão apenas para as transexuais.
Agora, o ministro recorreu a dois relatórios apresentados ao Supremo pelo governo federal em relação ao tratamento a ser conferido a transexuais e travestis no sistema carcerário. Segundo os documentos, a transferência deve ocorrer mediante a consulta e vontade individual da pessoa presa e que a detenção, em caso de opção por estabelecimento prisional masculino, deve ocorrer em ala especial. Barroso disse que os relatórios demonstraram "notável evolução" da União em relação ao tema.
"Ambos os documentos são convergentes quanto a afirmar que o tratamento mais adequado a ser dado, tanto a transexuais mulheres, quanto a travestis, é permitir que indiquem a sua opção de cumprir pena (a) em estabelecimento prisional feminino ou (b) em estabelecimento prisional masculino, desde que em ala especial, que assegure a sua integridade física", afirmou o ministro. "Nota-se, portanto, uma notável evolução no tratamento a ser dado à matéria no âmbito do Poder Executivo, evolução decorrente de diálogo institucional ensejado pela judicialização da matéria, que permitiu uma saudável interlocução entre tal poder, associações representativas de interesses de grupos vulneráveis e o Judiciário".
A decisão atende pedido da ABGLT, que acionou o Supremo em 2018. A entidade apontou ao tribunal a existência de decisões conflitantes sobre o estabelecimento em que tais grupos deveriam cumprir pena.
“As travestis e transexuais custodiadas pelo Estado, em estabelecimento prisional incompatível com o gênero feminino, são submetidas às mais diversas violações de direitos, como por exemplo o desrespeito à integridade física e moral, desrespeito à honra, desrespeito à vida, desrespeito à integridade do corpo, e, sobretudo, o impedimento de expressar sua sexualidade e o seu gênero”, afirmou a associação.
Antes da questão das travestis e trans, outras condições básicas deveriam ser garantidas, avalia jurista
Segundo o jurista Thiago Sorrentino, professor de Direito do Ibmec-DF consultado em 2020 pela Gazeta do Povo, há outros lugares do mundo que adotaram a autodeclaração como critério para o direcionamento de pessoas LGBTI a unidades penitenciárias, mas a decisão por via judiciária é inédita no mundo. Em outros lugares, isso ocorreu pela via legislativa.
“O melhor seria se nós tivéssemos uma lei – a exemplo de como hoje nós temos uma lei de execuções penais –, que isso viesse do Legislativo, depois de muitos debates, do análise de pareceres…”, disse ele.
Para Sorrentino, seria necessário resolver outros problemas das penitenciárias antes de buscar uma solução jurídica para a questão das transexuais e travestis nas prisões. “A gente tem situações em que não há espaço nem para o preso definitivo – juntam preso definitivo com provisório. Tivemos casos, no passado, em que menores de idade do sexo feminino foram presas com maiores de idade do sexo masculino. Se já tem tantos problemas assim, o melhor seria primeiro melhorar a infraestrutura, conseguir ter o sistema para recepcionar bem essas pessoas, para protegê-las, para depois fazer a regulamentação”, opinou.
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