As duas principais facções criminosas que atuam no eixo Rio-São Paulo estenderam suas atividades às áreas de plantio de maconha, no Paraguai, e de folhas de coca, na Bolívia e no Peru. Na terça-feira, um dos traficantes mais procurados do Rio, Alexander Mendes da Silva, o Polegar, foi preso no Paraguai. Mas a movimentação dos criminosos cariocas e paulistas nesses países vem gerando conflitos com grupos locais. No fim de março deste ano, a disputa territorial resultou em três assassinatos de brasileiros ligados ao tráfico nas cidades paraguaias de Capitán Bado e Ciudad del Este, onde o corpo de Luiz Claudio da Rocha Mero, o Berola, foi encontrado dentro de um carro. Um dos chefes da facção carioca, ele teve a identificação confirmada na ocasião pelo Instituto Médico Legal (IML) do Rio.
Cônsul da Bolívia em Corumbá (MS), Juan Carlos Merida manifestou preocupação com a crescente presença de narcotraficantes brasileiros nas áreas de plantio de folhas de coca em seu país. Segundo ele, o vínculo entre traficantes das facções do eixo Rio-São Paulo com plantadores locais é relatado em investigações da polícia boliviana. A migração de traficantes brasileiros para o país é definida pelo cônsul como efeito da globalização do crime organizado. Juan Merida acrescenta que em 2009 houve aumento de 30% no número de prisões de estrangeiros no país, mas não soube precisar o percentual de brasileiros nesse universo.
As ramificações de integrantes das duas facções nos três países vêm sendo monitoradas pelos adidos da Polícia Federal nas embaixadas brasileiras. Os dados de inteligência produzidos pela PF vêm sendo usados para nortear ações conjuntas com as policiais dos países vizinhos, sobretudo Paraguai e Bolívia. A situação mais alarmante, contudo, vem sendo constatada na fronteira com o Paraguai. Em abril, por exemplo, cinco integrantes da facção paulista foram presos por agentes da Secretaria Nacional Anti-Drogas (Senad) do Paraguai em Pedro Juan Caballero. Wellington Carlos de Oliveira, Luciano Alves Alcântara, Tiago de Souza, Clever da Silva Rodrigues e Gustavo Fernandes de Oliveira são apontados em investigações de agentes da PF, em Ponta Porã (MS), como contadores da quadrilha.
Os cinco foram surpreendidos numa casa no bairro de Bernardino Caballero, em Pedro Juan Caballero. No local, os agentes da Senad encontraram cadernos com anotações referentes ao plantio e às remessas de maconha para aliados no Rio e em São Paulo. Entre os escritos ainda são ressaltados depósitos em dinheiro e pagamentos de integrantes da quadrilha. Todos usavam documentos falsos e tiveram as identidades verdadeiras descobertas com auxílio da PF de Ponta Porã. Berola também usava uma carteira falsa, em nome de José Pereira da Silva. A Senad enviou fotos e as impressões digitais do corpo à PF em Foz do Iguaçu. O material foi repassado à Secretaria de Segurança Pública do Rio e, na semana passada, o IML confirmou que o corpo é de fato do traficante carioca.
Para o chefe do setor de comunicação da PF, em Brasília, delegado Humberto Prisco Neto, "o crime adota um padrão internacional de ação não importando os países de origem e destino. O caso Abadia (Juan Carlos, traficante colombiano preso em São Paulo) é exemplo de que a movimentação de criminosos não é fenômeno isolado, e sim reflexo da globalização da economia, do aumento da movimentação de pessoas. Para combater esse fenômeno, a PF tem apostado em parcerias com outros países, no fortalecimento e aumento do número de Adidâncias, bem como no incremento de operações conjuntas", conclui o delegado.
As ações conjuntas com a polícia paraguaia resultaram na apreensão de 2,9 toneladas de maconha, que seria enviada para abastecer aliados das facções no Rio e em São Paulo. O delegacia da PF de Ponta Porã também foi responsável pela descoberta, em março passado, de uma rota para envio de pasta de coca, vinda da Bolívia, para o Rio e São Paulo.
Segundo a PF, a cocaína era transportada em pequenos aviões de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, e arremessada numa região entre os municípios de Porto Murtinho e Bonito (MS). De lá, era carregada pela quadrilha até uma chácara e distribuída posteriormente. Na ação, foram apreendidos 262 quilos de pasta base. A droga estava escondida em um fundo falso de um caminhão e dentro de tonéis enterrados próximo à mata.
Em dezembro passado, O Globo revelou a existência do consórcio de traficantes cariocas e paulistas responsável pelo domínio de 70% das áreas de plantio de maconha em Capitán Bado e Pedro Juan Caballero, cidades na fronteira com o Mato Grosso do Sul. Um negócio milionário que tem à frente o traficante Marcelo da Silva Leandro, o Marcelinho Niterói, que já foi alvo de operações conjuntas na fronteira entre os dois países. Na ocasião, promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Mato Grosso do Sul, estimou em US$ 20 milhões (R$ 34 milhões) as cifras movimentadas mensalmente pelo consórcio.
O traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, foi um dos primeiros integrantes da facção carioca a estender suas atividades às fronteiras com o Paraguai e Colômbia, onde recebeu proteção de Tomás Medina Caracas, o Negro Acácio, chefe da Frente 16 das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), em troca do fornecimento de armas. Antes de buscar refúgio na Colômbia, Beira-Mar se aliou a João Morel, então conhecido como o rei da maconha no Paraguai. O traficante carioca, contudo, passou a controlar as áreas de plantio após determinar os assassinatos de João e de seus dois filhos, Ramon e Mauro, em janeiro de 2001.
Em 21 de abril do mesmo ano, Beira-Mar acabou sendo preso por militares colombianos em Villavicencio, a 110 quilômetros de Bogotá. Transferido para o país, Beira-Mar já passou por 12 prisões, quatro delas consideradas de segurança máxima. As mudanças de carceragem foram precedidas por denúncias de que Beira-Mar, mesmo preso, continuava a articular as atividades de sua quadrilha.
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