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O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Beto Simonetti, designou seu amigo pessoal Marco Aurélio Choy para o cargo de presidente da Comissão Eleitoral Nacional da Ordem. As eleições da OAB para o triênio 2025-2027 começam neste ano, e Simonetti é candidato à reeleição.
Choy, advogado com longa história na OAB do Amazonas, presidiu a seccional desse estado em dois triênios: 2013-2015 e 2019-2021. Durante esses períodos, manteve estreita aliança com a família Simonetti. O grupo da família Simonetti domina a OAB amazonense desde a década de 1990.
O histórico de indicações na OAB-AM mostra um padrão de consolidação de poder entre os aliados de Simonetti. Em 2012, Choy foi vice de Simonetti na presidência da OAB-AM; em 2015, Choy foi apoiado por Simonetti e eleito presidente, com Adriana Mendonça como vice. Em 2018, Choy foi reeleito, tendo Grace Benayon como vice. Em 2021, Choy apoiou a chapa do advogado Jean Cleuter, que é o atual presidente da OAB-AM.
Recentemente, no aniversário de Simonetti, Choy fez uma publicação que deixa evidente a proximidade entre os dois. "Hoje é o dia desse amigo, irmão e líder Beto Simonetti", postou Choy. "Que esse coração gigante continue de portas abertas para conduzir a advocacia brasileira, com responsabilidade e compromisso! Amo você!!!", concluiu.
A indicação de Choy apareceu no diário eletrônico da OAB em março, mas não consta no site oficial da OAB. A página de dados institucionais da Ordem lista um total de 88 comissões nacionais e especiais, e em todas as outras 87 os membros estão listados; na aba da Comissão Eleitoral Nacional, os nomes são omitidos. A Gazeta do Povo entrou em contato com a OAB questionando a ausência dessa informação no site oficial, mas não havia obtido resposta até a tarde desta quinta-feira (16).
O presidente da Comissão Eleitoral coordena todas as etapas do processo eleitoral da OAB, desde a convocação das eleições até a apuração dos votos. Além disso, supervisiona e fiscaliza as comissões eleitorais seccionais. Ele também tem a autoridade para decidir sobre impugnações e recursos apresentados durante o processo eleitoral, o que inclui a avaliação de candidaturas e a resolução de disputas, com eventual cassação de chapas.
Para a advogada e consultora jurídica Katia Magalhães, há conflito de interesses na indicação para a Comissão Eleitoral de um advogado com quem o presidente da Ordem, interessado na reeleição, tem uma amizade íntima. "A intimidade pessoal entre o presidente do Conselho Federal da OAB e seu novo indicado para atuar à frente da Comissão Eleitoral não é apenas criticável sob o ponto de vista ético. Também é tóxica para o desempenho das funções institucionais a eles atribuídas. Afinal, não é crível que Choy, comensal habitual de Simonetti, venha a tomar deliberações que, em alguma medida, contrariem os interesses do atual presidente da OAB em levar a cabo sua própria reeleição, ou que possam vir a comprometer interesses de lideranças de seccionais locais, aliadas a Simonetti", ressalta.
As eleições da OAB ocorrem a cada três anos, envolvendo somente advogados inscritos na instituição. O processo começa nas seccionais estaduais, onde os advogados elegem diretamente os presidentes, os membros das diretorias das seccionais e os seus conselheiros. Cada estado brasileiro tem sua própria seccional.
Após essa eleição estadual, que geralmente ocorre em novembro, os conselheiros seccionais recém-eleitos escolhem no ano seguinte (2025, no caso atual), normalmente em janeiro, os representantes da sua seccional para o Conselho Federal da OAB. Os conselheiros federais elegem, então, o presidente da Ordem para o triênio.
Todas as seccionais têm o mesmo peso na votação, o que faz com que um estado como Roraima, que tem menos de 3 mil advogados, e o Amazonas, com cerca de 15 mil, tenham o mesmo peso na votação para presidente da OAB que São Paulo, que conta com mais de 370 mil advogados.
Modelo de eleições favorece manutenção de "panelinhas" na OAB
Como já mostrou reportagem da Gazeta do Povo, juristas têm criticado duramente o sistema eleitoral da OAB, que favorece a formação de grupos de poder que se perpetuam nos principais cargos da instituição. Muitos defendem que o modelo ideal seria o de eleições diretas não só para as seccionais, mas também para os cargos federais.
Caso se reeleja, Simonetti terá a chance de tentar espelhar em âmbito nacional o domínio da OAB que sua família teve durante décadas no estado do Amazonas. Nas últimas eleições da OAB federal, ele foi o candidato chancelado pelo então presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, com o apoio de 23 das 27 seccionais do Brasil.
Para que uma candidatura a presidente do Conselho Federal da OAB seja efetivada, é necessário o apoio de ao menos seis seccionais. Naquela ocasião, ao obter 23 apoios, a chapa de Simonetti conseguiu travar a possibilidade da eleição de chapas adversárias. Boa parte desse apoio quase unânime se deu por questão de sobrevivência política dos líderes das seccionais.
"O emaranhado de leis e regulamentos sobre o exercício da advocacia no Brasil torna os conselheiros federais, a começar pelo presidente da Ordem, reféns do apoio político dos advogados locais mais influentes nas seccionais dos Estados", afirma Katia Magalhães.
A jurista compara essa situação com a dinâmica observada no Supremo Tribunal Federal (STF). "A cena guarda uma analogia indiscutível com o que temos presenciado em nossa Suprema Corte, cujos membros, conduzidos às funções por nomeações políticas, não tendem a proferir decisões desfavoráveis aos interesses de seus nomeantes, e, muitas vezes, sequer se dão por impedidos ou suspeitos para atuarem em assuntos envolvendo seus padrinhos políticos", observa.
Para ela, a nomeação de Choy por Simonetti é um exemplo de como as estruturas de poder na OAB e no sistema judiciário brasileiro estão em constante retroalimentação, mantendo as mesmas figuras no poder.
"Trata-se de mais uma dentre tantas situações, entre nós, onde quem julga – no caso, Choy – é indicado por Simonetti, sob sua autoridade, e onde nomeante e nomeado desfrutam de um vínculo de intimidade incompatível com os deveres de isenção e imparcialidade inerentes a alguém responsável por chefiar uma Comissão Eleitoral", afirma. "A promiscuidade sistêmica, tanto na OAB quanto nos tribunais de cúpula, acarreta profundo descrédito ao universo judiciário como um todo."
Antes de ser presidente da OAB, Simonetti já havia sido presidente da Comissão Eleitoral Nacional, nas eleições de 2015. Em 2018, o cargo ficou com o advogado Delosmar Domingos Mendonça Júnior. Em 2021, o presidente dessa comissão foi o advogado Marcelo Fontes César de Oliveira.