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O advogado Rafael Horn, presidente interino da OAB, recebeu a reportagem da Gazeta do Povo no Conselho da entidade no Paraná
O advogado Rafael Horn, presidente interino da OAB, recebeu a reportagem da Gazeta do Povo no Conselho da entidade no Paraná| Foto: Kêyla Xavier/OAB

Depois que a Gazeta do Povo publicou reportagem a respeito do silenciamento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) diante de denúncias de abusos nos casos Filipe Martins e de presos do 8 de janeiro, a entidade negou estar omissa e apontou mudanças que deveriam ocorrer na condução desses processos.

A principal alteração defendida pela OAB, segundo o presidente interino Rafael Horn, é que os casos de pessoas sem foro privilegiado sejam decididos por juízes de primeira instância, reduzindo a carga do Supremo Tribunal Federal (STF) e dando oportunidade de recurso aos réus.

“O STF não tem estrutura para atender demandas em massa como essa. Isso é missão para o primeiro grau, que tem capilaridade maior e consegue fazer mutirões”, afirmou o presidente interino, pontuando que a ação traria mais celeridade ao sistema, já que “a justiça tardia causa injustiças”.

"A justiça tardia causa injustiças"

Rafael Horn, presidente interino da OAB Nacional

Ele pontuou ainda que todo advogado tem direito a acessar integralmente o conteúdo dos autos, e que os processos do 8/1 que hoje são retirados fisicamente “deveriam estar digitalizados”.

Além disso, Horn pontuou que deve existir abertura para diálogo entre advogados, Ministério Público (MP) e juiz – nos casos assinalados, o ministro Alexandre de Moraes para que seja possível promover a ampla defesa dos réus. Inclusive, “se houver recusa plena de provas irrefutáveis, o advogado pode entrar em contato com a OAB, e iremos analisar”, disse.

A entrevista foi concedida pessoalmente à reportagem da Gazeta do Povo no último dia 12 de julho, na sede da OAB-PR, em Curitiba. O jornal havia entrado em contato com a entidade na segunda-feira (8) solicitando posicionamento diante das denúncias, mas não recebeu resposta à época, publicando a matéria 48 horas depois.

Após a publicação, a entidade procurou a Gazeta do Povo, e o advogado Rafael Horn — que substituiu o presidente da OAB, Beto Simonetti, até 20 de julho — concedeu a entrevista abaixo.

A OAB sempre ressaltou seu trabalho de defesa das prerrogativas dos advogados, do devido processo penal e da ampla defesa. Mas, recentemente, muitos advogados têm apontado o que consideram omissões da entidade na defesa desses direitos, principalmente em relação a processos em tramitação no STF. Como a OAB vê esse cenário?

Reconhecemos que temos complicadores, e não somente em relação aos casos do 8 de janeiro. No entanto, é muito ofensivo para a OAB ser acusada de omissão porque o conjunto de prerrogativas dos advogados foi a Ordem que construiu, e elas não dependem de corrente ideológica. Para nós, é irrelevante quem está sendo defendido, seja de esquerda ou de direita, alguém acusado de crime bárbaro ou de algo que as pessoas nem considerem relevante. E, talvez, o maior exemplo dessa atuação tenha sido o trabalho que fizemos para o então advogado do presidente Lula, Cristiano Zanin, e também para o Dr. Frederick Wassef, que era advogado do ex-presidente Bolsonaro. Ambos tiveram prerrogativas violadas, e a OAB saiu em defesa nos dois casos, com elogios públicos de ambos.

Uma das denúncias dos advogados dos presos do 8/1 e do caso Filipe Martins é a dificuldade de acesso aos autos, que nem sempre são disponibilizados na íntegra e que precisam ser retirados pessoalmente em Brasília. Não é direito do advogado ter acesso integral aos autos?

Sim, o advogado tem direito de acesso a todos os autos, mas o que o Supremo tem feito, e que não concordamos, é o seguinte: você tem direito de acesso aos autos na parte relacionada ao investigado que você responde, e não tem ao restante quando o processo de investigação envolve muitas pessoas. Isso tem gerado embates, já que existem processos sigilosos, com confidencialidade deferida pelo juiz devido aos dados que existem ali, mas isso não quer dizer que a parte não tenha direito ao acesso, então a OAB já fez intervenções. E há outro ponto que é o acesso físico. Entendemos que esses processos deveriam estar digitalizados com uso das ferramentas tecnológicas que existem hoje. Foi um pleito que formulamos, mas o Supremo decidiu que deveria tramitar assim.

Outra situação, apontada pelo desembargador aposentado Sebastião Coelho, que atua na defesa de Martins, é que o ministro Alexandre de Moraes tem negado audiência com os advogados, assim como a Procuradoria-Geral da República (PGR). O Artigo 6º do Estatuto da OAB prevê disponibilização de condições adequadas e atenção para o desempenho da advocacia, e o Código de Ética da Magistratura estabelece esse contato entre advogado e juiz. Qual é a visão da Ordem?

O primeiro ponto é que, se o advogado não está conseguindo esse contato, deve procurar a OAB. A partir disso, faremos contato para verificar o motivo de não estar conseguindo acesso à autoridade. Precisaremos entender qual a dificuldade e olhar exatamente o que aconteceu para defendermos essa prerrogativa. A gente recebe a denúncia, fazemos contato com a parte contrária e, muitas vezes, a situação já é corrigida após esse contato telefônico.

É um direito do advogado ter esse acesso ao juiz?

Sim. Todo advogado tem a prerrogativa de ter acesso aos autos e acesso à autoridade com quem ele quer despachar o direito do seu constituinte.

Outra dificuldade que os advogados têm relatado é a desconsideração de provas legítimas, tanto no caso do Filipe Martins, como dos presos do 8 de janeiro. Como explicar essa negação às provas da defesa?

Quando temos um órgão colegiado, se o relator não acolhe o pedido, eu entro com recurso para o plenário e, se o colegiado não se manifesta, existe um recurso chamado embargos declaratórios para suprir a omissão. Tecnicamente, esse é o caminho a ser feito. Agora, se houver recusa plena de provas irrefutáveis, o advogado pode entrar em contato com a OAB e iremos analisar. Mas é preciso passar pelo caminho de esgotamento dos recursos porque nós, advogados, temos até uma brincadeira dizendo que “o Supremo é formado por seres humanos, e eles têm a prerrogativa de errar por último”.

Como essas pessoas não têm foro privilegiado, qual é o posicionamento da OAB a respeito de os casos serem julgados pelo STF, sem possibilidade de recurso?

Essa, talvez, seja a maior crítica do sistema OAB, pois a maior parte desses casos deveria começar no primeiro grau para que fossem tramitando até chegar ao Supremo, e não se esgotasse lá na instância única de julgamento. É, inclusive, minha visão pessoal, para que fosse feito como no caso da Lava Jato, que começou na primeira instância e, diante de ilegalidades, foi sendo corrigida com recursos, com outros olhares. Quando temos apenas um colegiado, você acaba reduzindo a oportunidade de correção, e erros podem ser tomados por qualquer ser humano na análise de qualquer caso. Inclusive, pelo próprio advogado.

"A maior parte desses casos deveria começar no primeiro grau para que fossem tramitando até chegar ao Supremo, e não se esgotasse lá na instância única de julgamento"

Rafael Horn, presidente interino da OAB Nacional

E a OAB poderia agir de ofício se percebesse alguma violação de prerrogativa nesses processos do STF?

A OAB não age de ofício porque, muitas vezes, é interessante para o advogado ter a prerrogativa violada porque aquilo pode gerar nulidade no processo e absolver seu cliente. Então, o advogado não procura a Ordem, não só por desconhecimento de que a OAB pode defendê-lo, mas também porque pode deixar para pedir ajuda futuramente, um ano depois ou quando for julgado recurso.

Então, processos com violações de prerrogativas podem ser completamente anulados?

Sim, e isso acontece muitas vezes porque uma violação de prerrogativa é violação de um direito do acusado. Tivemos, inclusive, nulidades reconhecidas na Lava Jato, porque o advogado optou por não reclamar na hora, mas depois. Então, como a OAB vai interferir em uma estratégia processual de um advogado que paga a OAB? Por isso que só agimos quando instados. É uma questão lógica.

E a OAB pode se posicionar a respeito de ilegalidades em geral, como no caso do Filipe Martins, por exemplo?

Se for um caso relacionado ao sistema de Justiça, sim, como nos posicionamos após a declaração misógina de um desembargador do Paraná, que foi ofensiva às mulheres e não era um caso em julgamento, mas uma manifestação que repercutiu. Quando é um caso individual, nós não temos acesso aos autos e só vemos pela imprensa, então não temos como checar se houve ilegalidade, ou não. Pelo que li na imprensa, houve uma injustiça, e ela é clara! Mas o advogado do Filipe Martins não procurou a Ordem.

Então, se os advogados de Filipe Martins entrarem em contato com a OAB, o órgão fará algo a respeito dessa prisão?

Se procurarem a Ordem para uma violação de prerrogativa, serão atendidos imediatamente para que tenham condições de levar a injustiça adiante [para ser reparada]. E estão conseguindo expor, pelo menos na imprensa, pois todos estão cobrando uma decisão por parte do relator sobre a injustiça que estaria sendo cometida nesse caso. Tanto que, como cidadãos, nos sensibilizamos com a situação lendo as notícias, mas os autos nem sempre retratam o que está na imprensa. Então, precisamos ouvir o todo para emitir uma opinião responsável, sem nenhuma paixão ideológica que possa envolver o caso.

O senhor citou agora pouco o processo na Lava Jato. O ex-procurador do caso, Deltan Dallagnol, afirma que todos os presos recebiam denúncia do Ministério Público (MP) dentro do prazo legal de 35 dias. Quem não tivesse denúncia era solto. No entanto, hoje existem pessoas julgadas pelo STF que estão presas há meses, sem denúncia. Filipe Martins, por exemplo, completou cinco meses de prisão; o ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques, 11 meses, e há presos do 8 de janeiro como o mecânico gaúcho Gilberto da Silva Ferreira, encarcerados há 16 meses sem saber o crime que foi cometido. Qual é o posicionamento da OAB a respeito?

Primeiramente, desconheço esses casos da Lava Jato, então teria que averiguar. Mas, nos outros casos citados, se isso está ocorrendo existem medidas como habeas corpus a serem impetradas. E, ao nosso sentir, a situação realmente mostra falta de estrutura do Judiciário, então reitero a crítica de que não é um processo de competência do Supremo. O STF não tem estrutura para atender demandas em massa como essa. Isso é missão para o primeiro grau, que tem capilaridade maior e consegue fazer mutirões. Uma das maiores cobranças hoje da população é a celeridade do sistema de Justiça.

Recentemente, inclusive, duas crianças gravaram um vídeo pedindo ajuda para soltar a mãe, presa há 17 meses e denunciada apenas agora, no início de julho. A denúncia mostra que sua ação no 8 de Janeiro foi escrever “Perdeu Mané”, com batom, na Estátua "A Justiça". É a única informação que se tem especificamente contra ela, mas a mulher segue presa, longe dos filhos menores. Essa mulher devia estar, pelo menos, aguardando o processo em casa?

Não tenho acesso aos autos, mas me solidarizo pela falta de uma resposta ágil. Apesar de todos os esforços no sentido de melhorar o Poder Judiciário, temos uma demora. O que vemos nesse caso é que, se houve só uma pichação, ela tem que ser julgada pela pichação. Se há outros elementos no processo, e eu realmente desconheço, deve existir denúncia para que exista julgamento, possibilidade de recorrer, e advogados com condições de exercer seu trabalho. Quando há demora e um juiz, um ministro, um desembargador ou promotor “senta em cima de um caso” porque, muitas vezes, está com excesso de atribuições, é gerado um grande problema para a sociedade porque você não tem resposta ágil sobre aquela demanda, ainda mais quando há alguém preso. Inclusive, há vários movimentos da Ordem no sentido de definir tempo para os inquéritos, porque se qualquer um de nós ficar com a vida sendo devassada, uma hora vai ter uma fala inapropriada, um WhatsApp que dará margem a uma interpretação equivocada. Então, acabamos criando um estado policial que não queremos. Queremos um estado que nos dê segurança, mas que respeite as liberdades individuais.

"Se qualquer um de nós ficar com a vida sendo devassada, uma hora vai ter uma fala inapropriada, um WhatsApp que dará margem a uma interpretação equivocada"

Rafael Horn, presidente interino da OAB Nacional

E é possível enviar para a primeira instância os casos dessas pessoas sem foro privilegiado que estão sendo julgadas atualmente pelo Supremo Tribunal Federal?

Isso cabe aos próprios ministros do Supremo decidirem, pelo relator ou colegiado, e acho que teríamos mais agilidade se não ficasse tudo concentrado em um gabinete. Para isso, o colegiado poderia decidir reverter essa questão da competência que, ao meu ver, talvez seja o maior problema.

A OAB pode incentivar o colegiado a tomar essa decisão?

Se nós formos demandados, sim. A luta do advogado é lutar pelo Direito, e acho que essa é a paixão que mora em qualquer advogado. Temos que utilizar todos os artefatos disponíveis como estratégia na defesa. Por isso que a advocacia é tão desafiadora e apaixonante.

E acredita que as ilegalidades cometidas repetidamente pelo STF podem trazer precedentes perigosos à Justiça brasileira?

Um órgão colegiado, como é o Supremo e o STJ, tem a missão de uniformizar o entendimento sobre uma matéria de direito, e quando se tem essa responsabilidade, ela deve ser exercida com plenitude, pois tudo que se julga pode gerar um precedente para se aplicar a outro caso. Ou seja, falando na linguagem popular, “pau que bate em Chico bate em Francisco”, então é por isso que a Ordem tem buscado a coerência. Fomos muito criticados, por conta de um Brasil polarizado, quando defendemos prerrogativas daqueles que defendiam os acusados da Lava Jato. Falavam que estávamos defendendo prerrogativa de advogado corrupto. Só que agora somos acusados de defender prerrogativa de advogado de golpista. Não! Nós estamos defendendo prerrogativas.

E qual é a sua visão a respeito do que ocorreu no dia 8 de janeiro? Houve tentativa de golpe de Estado em um domingo com Congresso fechado, sem apoio das Forças Armadas, sem uso de armas pela população e sem um líder na ação?

Não tenho acesso a todos os elementos dos autos. Há uma corrente que diz que houve só o ato de vandalismo, e outra corrente diz que, além disso, existiram trocas de e-mail, trocas de mensagens que conectariam o que aconteceu. O que nós vimos e temos acesso é um ato de vandalismo, mas o que vale é o que está nos autos.

Por isso, precisamos de um Judiciário funcionando com agilidade para dar resposta, não apenas às partes, mas à sociedade, sobre aquilo que aconteceu naquele dia, diante de tantas dúvidas. E a OAB tem que garantir que os advogados tenham condições de exercer com plenitude a defesa daqueles que foram acusados, e não se omitirá, jamais, em defender prerrogativa de qualquer advogado.

"Precisamos de um Judiciário funcionando com agilidade para dar resposta, não apenas às partes, mas à sociedade, sobre aquilo que aconteceu naquele dia"

Rafael Horn, presidente interino da OAB Nacional

Tirar o sigilo desses processos que tramitam no Supremo poderia ser uma alternativa?

É um ponto que merece reflexão. O presidente Beto Simonetti já cogitou a respeito disso, inclusive. A gente não sabe se há algum elemento ou dado confidencial que mereça confidencialidade, mas essa, talvez, possa ser uma alternativa para trazer mais transparência a tudo que está ocorrendo.

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