Os presídios de Pernambuco têm três vezes mais presos do que sua capacidade e são controlados pelos próprios detentos. A falta de agentes penitenciários fez surgir nas prisões pernambucanas a figura do “chaveiro”, um detento que fica responsável por determinados pavilhões e pela guarda das chaves das celas. Ele também exerce seu poder vendendo drogas dentro da cadeia e negociando espaços para dormir nas celas superlotadas por até R$ 2 mil.
As denúncias fazem parte do relatório “O Estado deixou o mal tomar conta - A crise do sistema prisional do estado de Pernambuco”, divulgado nesta terça-feira pela ONG internacional Human Rights Watch. Em fevereiro, os observadores da ONG visitaram quatro unidades prisionais, nos complexos de Curado e Itamaracá. Quarenta detentos e egressos do sistema prisional foram entrevistados. De fevereiro a setembro foram realizadas consultas a familiares, funcionários públicos e autoridades.
“As prisões brasileiras são um desastre quanto aos direitos humanos”, diz o relatório. “A superlotação nas prisões do estado de Pernambuco é especialmente cruel – elas abrigam três vezes mais detentos do que a sua capacidade, em condições perigosas, insalubres e desumanas”. Em agosto, o estado tinha cerca de 32 mil presos, enquanto as unidades prisionais têm capacidade para receber 10,5 mil pessoas. Segundo o estudo, porém, “autoridades contabilizam leitos improvisados pelos detentos como vagas oficiais”.
Em uma cela da ala disciplinar do Presídio Agente de Segurança Penitenciária Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA), 60 homens ocupam um espaço projetado para seis pessoas. Eles “vivem espremidos em meio de um cheiro insuportável de suor, fezes e mofo. A maioria dorme no chão duro. Alguns dormem em redes, armadas umas por cima das outras, até mesmo por cima do único vaso sanitário”, afirma o relatório.
A superlotação e más condições de higiene favorecem o aparecimento de doenças. Segundo a Human Rights Watch, a prevalência de infecção pelo vírus HIV nas prisões pernambucanas é 42 vezes maior que a média observada na população brasileira, chegando a 870 casos por 100.000 presos. A ocorrência de tuberculose chega a ser quase 100 vezes maior que a média: 2.260 casos por 100.000 presos. “As enfermarias das prisões sofrem com falta de profissionais e medicamentos, e presos doentes muitas vezes não são levados aos hospitais por falta de escolta.”
Falta de audiências de custódias, atrasos no processo judicial e excesso de presos provisórios contribuem para a superlotação nos presídios, de acordo com a ONG. De todos os presos de Pernambuco, 59% ainda estão aguardando julgamento, embora convivam com quem já está cumprindo pena. “A prática de encarcerar presos provisórios e presos condenados no mesmo estabelecimento viola o direito internacional e a legislação nacional”, afirma o relatório.
O texto da Human Rights Watch cita dois exemplos de problemas relacionados ao Judiciário: “Um preso passou seis anos em uma prisão em Pernambuco à espera de julgamento, sem nunca ter visto um juiz em nenhuma espécie de audiência; outro foi mantido preso por uma década depois de cumprir a pena para a qual foi condenado, de acordo com a Defensoria Pública, que ingressou com habeas corpus para que ambos fossem libertados.”
Se não bastasse a superlotação, Pernambuco tem o menor índice de agentes penitenciários por número de presos do Brasil: um profissional para cada 31 presos. A média nacional é de um agente para cada oito presidiários, enquanto o recomendado pelo Ministério da Justiça é de um servidor para cada cinco detentos. Segundo o relatório, quatro agentes penitenciários ficam de plantão em cada turno na Penitenciária Agro-Industrial São João (PAISJ), destinada a 2.300 presos que cumprem pena em regime semiaberto. ou seja, saem da cadeia para trabalhar.
Hierarquia interna
Os agentes penitenciários cuidam do lado de fora do presídio. Quem toma conta das celas são os “chaveiros”. Eles vivem em celas com “televisores, grandes ventiladores, geladeiras e banheiros”, segundo o que foi observado pela ONG em suas visitas. Cada “chaveiro” comanda um grupo de “chegados”, que cozinham, limpam e lavam roupas para os chefes em troca de privilégios.
Estão sob comando direto dos “chaveiros”, o que os pesquisadores chamam de “milícia”: “Os membros das milícias espancam os presos que desobedecem as regras dos chaveiros ou devem dinheiro a eles.” Além do dinheiro conseguido por meio da venda de espaços para dormir, os “chaveiros” também recebem com a venda de crack, maconha e cachaça artesanal dentro das unidades prisionais. Outros, cobram uma mensalidade, que varia de R$ 5 a R$ 15. “Alguns presos compram drogas dos ‘chaveiros’ a crédito e seus familiares do lado de fora são obrigados a trazerem dinheiro no fim de semana para pagar a dívida”.
A presença dos “chaveiros” conta com a conivência e, em alguns casos, com a ajuda de funcionários públicos, afirma a ONG: “Um diretor de presídio declarou que os chaveiros são, em alguns casos, escolhidos pelos diretores ou designados pelo chefe de segurança penitenciária em Pernambuco. Em outras ocasiões, os chaveiros que são libertados escolhem seus próprios sucessores.”
O relatório termina com uma série de recomendações ao governo pernambucano. A lista pede, entre outras coisas, o fim dos “chaveiros”, o aumento no número de agentes penitenciários, a prevenção à entrada de drogas e armas, a melhoria das condições das unidades prisionais e da área médica, além da adoção da prática de audiências de custódia para evitar o excesso de prisões provisórias.