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Por volta das 18h30 de 12 de dezembro de 2022, o líder indígena José Acácio Serere Xavante, de 42 anos, foi detido pela Polícia Federal em Brasília. Foi acusado de liderar manifestações questionando o resultado das eleições presidenciais e criticando os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. O Ministério Público Federal (MPF) solicitou então a prisão temporária por cinco dias com o objetivo de garantir a ordem pública.
O ministro Moraes decretou a prisão temporária, mas por dez dias. “Essa atitude afronta o Ministério Público (MP), que, de acordo com o artigo 129 da Constituição, é titular da ação penal”, argumenta Geovane Veras, advogado de defesa de Serere. “Foi abuso de poder, reforçado pela decisão de converter a prisão temporária em prisão preventiva, uma função que não cabe a ele. Nem mesmo a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a conversão da prisão temporária em preventiva”.
Passaram-se quase nove meses e o indígena continua preso. Em maio, a PGR ofereceu denúncia ao STF contra o indígena por infringir o artigo 286 do Código Penal, que menciona o ilícito de incitação ao crime, com pena de 3 a 6 meses de detenção – ou o pagamento de multa. Veras informa que a PGR já emitiu um parecer que desloca a competência de julgar o indígena para a Justiça Federal de primeira instância, já que ele não tem fórum privilegiado.
“Alexandre de Moraes sequer recebeu a denúncia da PGR, o que significa que Serere está preso sem que haja formalmente uma ação em curso, com base apenas em um inquérito instaurado pelo próprio ministro. Solicitamos a soltura por diversas vezes, sem resposta. O cacique está sendo humilhado e seus direitos mais básicos estão sendo negligenciados”, acusa. Procurados, o STF e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não se manifestaram. A PGR informou via assessoria de imprensa: “O caso está sob sigilo no sistema do Ministério Público Federal, portanto não temos acesso à informação.”
Filhos pequenos
O advogado tem mantido contato com o cliente, que se encontra detido no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília – o local chegou a receber o dobro da capacidade de detentos depois das prisões decorrentes dos atos de 8 de janeiro. “Ele tem diabetes 2, está com a visão embaçada, sente tremores nas pernas e a boca seca. Sua alimentação não é adequada para suas condições de saúde e ele está perdendo peso rapidamente, além de apresentar sinais de depressão”, afirma Veras. “Com frequência, para evitar se alimentar de bolachas, ele come a banana da sobremesa do almoço e guarda a casca para comer à noite, passa a ser seu jantar”. A médica particular do indígena, Nicole Tanoue Hasegawa, produziu um laudo em que aponta que ele corre risco de sofrer insuficiência renal.
Sererê vive em uma aldeia nas proximidades do município de Campinópolis (MT). É pastor, presidente das Igrejas Missão Tsihorira e Pahoriware Mitsipe e o sucessor direto do cacique de sua comunidade, onde é também chefe do cerimonial, o que significa que ele organiza as cerimônias de passagem dos jovens para a idade adulta.
É pai de seis filhos, sendo quatro menores de idade e todos dependentes financeiramente dele. “Em seu papel pregando a palavra de Deus, ele contribui para tratar depressão e vício em drogas de muitos jovens da região, que agora se ressentem de sua ausência”, alega o advogado. Além disso, sua condição de indígena poderia colocá-lo em um cenário em que a prisão não fosse recomendada.
“Decisão desumana”
De fato, o Estatuto do Índio, de 1973, recomenda que a pena para o caso de infração penal cometida por indígenas seja atenuada e a punição, na medida do possível, cumprida em regime semiaberto ou nas proximidades da moradia do acusado, onde ele ficaria sob supervisão da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Caso se configurasse que ele estivesse ambientado ao ambiente urbano, considerando que já se candidatou a prefeito e estava circulando em Brasília com desenvoltura, ele poderia, em tese, ser detido. Aliás, quando ele foi preso por tráfico de drogas em 2008, foi condenado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso a quatro anos e oito meses em regime fechado, mas acabou liberado do regime fechado em 2009, por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que considerou sua condição de indígena para tomar a decisão.
Ainda assim, considerando o contexto da permanência de Serere na Papuda, manter a prisão, argumenta Geovane Veras, “é uma decisão desproporcional, injusta, desumana e, sobretudo, ilegal”.
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