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Presos do 8/1 revelam o que Cleriston enfrentou na prisão: “era desumano”
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“A saúde dele era a mais frágil, e mesmo assim ele se preocupava com os outros.” Essa é a descrição que um profissional da área da saúde, preso dia 8 de janeiro com Cleriston Pereira da Cunha, faz em referência ao colega de carceragem. De acordo com ele, “Clezão” — como era conhecido — estava sempre animado, “levantava o astral dos patriotas cabisbaixos e depressivos, e pedia que todos continuassem orando pelo Brasil, sem desanimar”.

Além disso, “ele pedia à família para trazer biscoitos para os presos que estavam passando fome devido à comida insuficiente, e roupas também”, recorda, lembrando ainda da promessa que Cleriston fez na Papuda. “Ele falou que quando saísse de lá, ia matar um boi e convidar todos os patriotas. Nunca pensava só nele”.

No entanto, ainda que a Procuradoria-Geral da República (PGR) tivesse emitido parecer recomendando sua liberdade provisória em 1º de setembro devido aos problemas de saúde que enfrentava, o ministro Alexandre de Moraes, responsável pelo processo no Supremo Tribunal Federal (STF), não analisou o pedido. Clezão veio a óbito por volta das 10h da manhã da última segunda-feira (20), aos 46 anos, deixando esposa e duas filhas.

“A voz dele me incentivando tem ecoado na minha mente esses dias, e tem sido muito difícil lidar com a notícia”, relata o paranaense David Michel, de 35 anos. Preso por também estar presente nas manifestações de 8 de janeiro, ele permaneceu 7 meses no Complexo Penitenciário da Papuda, onde se preocupava com a saúde do colega.

“Minha cela era ao lado da dele, e víamos o Cleriston passar mal uma ou duas vezes por semana, principalmente durante a madrugada”, recorda, afirmando que, “na maioria das vezes, não havia atendimento, e a gente só orava por ele”.

Ainda de acordo com David, as crises começavam com vômito, e muitas vezes eram seguidas por convulsões e desmaio. “E em uma das vezes o quadro foi tão intenso que achamos que ele tinha morrido devido ao infarto”, recorda o amigo, citando que Clezão ficou sem forças para caminhar após essa crise e passou 15 dias usando cadeira de rodas.

“Tudo em meio à situação desumana e desesperadora de estar na prisão, não realizar os exames que precisava, e ainda sendo humilhado sem ter cometido crime nenhum”, continuou David, pontuando que o local é insalubre, e que a equipe não oferecia os medicamentos que o colega precisava e nem alimentação adequada.

“A alimentação, na verdade, é um lixo, uma lavagem, algo que nem bicho come”, disse em entrevista à Gazeta do Povo. “A gente só comia para sobreviver mesmo, e o Clezão aguentou isso durante 10 meses. Ele foi muito resistente... Meu Deus!”, continuou, emocionado.

A morte de Cleriston “é resultado de omissão e negligência”, diz colega

Para Gilberto Ackermann, empresário catarinense de 49 anos que também foi preso por participar nos atos de 8 de janeiro e que conheceu Cleriston na prisão, a morte do colega “é resultado da omissão e da negligência com os patriotas na Papuda”.

Inclusive, segundo ele, o óbito só não ocorreu antes porque um médico idoso, que continua encarcerado, ajudava o Clezão e outros presos doentes. “Esse doutor faz o possível para prestar atendimento a quem passa mal, e foi quem ajudou o Clezão no dia 20 até a chegada da emergência”, conta, ao citar que o viu solicitar à penitenciária itens básicos para aferir a pressão dos colegas e ajudá-los, mas “falavam para ele se virar”.

De acordo com Gilberto, esse era o tratamento que os detentos recebiam e, até nas crises mais intensas que Clezão enfrentou, demorou muito até alguém ouvir o pedido de socorro. “Lembro que em uma das madrugadas que ele quase morreu, assobiei desesperado por quase 20 minutos, enquanto colegas gritavam e batiam nas portas tentando chamar os policiais”, relata. “Quando chegaram, entraram brigando e perguntando se queríamos gás de pimenta por estarmos fazendo baderna”.

E o descaso, segundo ele, era o mesmo com todos os presos de 8 de janeiro. “Era comum desmaiarmos devido à má alimentação e baixa glicemia, e não recebermos atendimento”, afirma, ao alertar que há outros presos doentes e idosos que seguem na Papuda e precisam da liberdade provisória urgentemente. “É uma tragédia anunciada”, aponta.

"A segregação prisional poderia ser sentença de morte", alertou advogado

À Gazeta do Povo, o advogado Bruno Azevedo de Sousa, responsável pela defesa de Cleriston, conta que já havia alertado o Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito das condições de saúde de seu cliente e que “a segregação prisional poderia ser sentença de morte” para ele.

Segundo laudos enviados pelo advogado ao STF, Cleriston tinha problemas reumatológicos como consequência de um quadro de vasculite de múltiplos vasos e miosite secundária à Covid-19, “fazendo uso de medicação diária de 12 em 12 horas”. Ainda de acordo com os documentos, ele corria risco de morte se não utilizasse os fármacos, e poderia sofrer “mal súbito e ir a óbito no centro de detenção provisória, local em que se encontra”.

Nas petições feitas pela defesa, os advogados ainda alertavam sobre a “situação insalubre e degradante” do sistema carcerário onde o réu se encontrava. No entanto, “o pedido de liberdade foi completamente ignorado por Alexandre de Moraes”, afirmou o preso da área da saúde que estava com ele, ao pontuar que essa é mais uma das arbitrariedades desse processo. “Estamos vivenciando uma monocracia e isso não deve ficar impune”, solicita.

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