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A pressão popular se tornou peça-chave contra as ameaças de censura geradas pelo Projeto de Lei 2.630/2020, chamado de PL das Fake News. Parlamentares contrários à proposta garantem que a reação da população foi determinante para mudar a cabeça de dezenas de deputados e fazer o próprio relator Orlando Silva (PCdoB-SP) ser contra a votação na terça-feira (2).
A mudança de clima que levou à retirada de pauta do PL, garantem eles, teve grande relação com o temor de alguns parlamentares de perder o apoio de eleitores que se manifestaram por Instagram, Twitter, WhatsApp, Telegram e outras plataformas. Parte da base eleitoral de muitos dos deputados que chegaram pela primeira vez ao Congresso neste ano é a "direita digital" – aquela que ganhou relevância política via redes sociais.
"Foi a primeira votação polêmica do ano, e muitos não ainda tinham tido a experiência de uma votação polêmica, com a pressão nas redes sociais. Muitos se assustaram quando viram a reação da votação no requerimento de urgência", diz o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). "Eu diria que no mínimo uns 40 votos foram mudados por conta de pressão nas redes sociais."
Deputados pelo Novo, único partido que fechou questão contra o PL 2.630, Marcel Van Hattem (RS) e Adriana Ventura (SP) classificam a pressão popular como "fundamental" para que a censura não prevaleça. "Essa participação da população foi decisiva para que não fosse votado", diz Adriana.
Nas redes sociais, parlamentares da oposição comemoraram a mudança de rumo destacando o papel dos eleitores. "Sentiram o cheiro da derrota. E graças a vocês! Parabéns, povo brasileiro! A pressão popular deu o tom do que seria a votação, e o governo Lula precisará de mais tempo para reverter votos a favor do projeto", declarou Carla Zambelli (PL-SP). "Hoje a esquerda sentiu a força da pressão popular e da mobilização política, com o adiamento da votação do PL da Censura", disse a deputada Clarissa Tércio (PP-PE).
Pouco convictos sobre a matéria em si mas temendo perder apoio de seus eleitores, alguns deputados mudaram de ideia pouco tempo antes da votação. Um exemplo emblemático é o do presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), que havia publicado um vídeo com tom favorável ao PL 2.630 na semana passada – enfatizando que ele não abrange manifestações religiosas –, mas mudou de tendência e orientou seu partido a votar contra o projeto.
Continuidade da pressão é crucial, afirmam deputados
Manter a pressão sobre os deputados "em cima do muro" – que agem menos por convicção sobre a matéria e mais de acordo com cálculos políticos – é fundamental para evitar que o governo consiga reverter votos e aprovar o PL das Fake News, dizem parlamentares.
Um dos temores é de que as ofertas políticas que o governo e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), possam fazer a partir de agora, somadas a eventuais mudanças para tornar o texto do PL mais ameno, sejam interessantes a ponto de minimizar o impacto na opinião pública de um voto favorável ao projeto.
"A pressão tem que continuar. A população tem um papel essencial para a gente manter a vigilância. 'O preço da liberdade é a eterna vigilância'", diz Adriana Ventura.
Na rede, a direita tem se organizado para montar ferramentas de pressão popular. A mais efetiva tem sido o Placar do PL 2630, iniciativa organizada pelo Boletim da Liberdade que registra como cada deputado deve votar.
O placar indicou uma mudança relevante nos últimos dias: na semana passada, havia grande equilíbrio entre deputados favoráveis e contrários ao projeto, mas, dias depois, o número de deputados a favor caiu, enquanto a quantidade contrária ao PL subiu em mais de 20 parlamentares. Atualmente, há 245 deputados contra o PL 2.630, 218 a favor e 50 que não se posicionaram, segundo o placar.
Nos próximos dez dias, o PL 2.630 certamente não voltará à pauta da Câmara, já que Lira estará em viagem aos Estados Unidos e só deve voltar a presidir uma sessão em 16 de maio.
Na terça, Orlando Silva disse a jornalistas que a ausência de Lira impediria a retomada da discussão sobre o PL das Fake News e que seriam necessárias, "no mínimo, mais duas semanas, ou talvez um pouco mais de tempo" para a elaboração de uma "proposta mais convergente".
Durante esse tempo, o governo deverá fazer esforços para convencer os deputados pouco convictos a mudarem de opinião. Para Sóstenes Cavalcante, a continuidade da pressão popular será essencial para que o PL 2.630 não retorne com mais força.
"A Constituição brasileira diz que o supremo poder é o povo. O povo, quando participa de maneira democrática, firme, sempre ajuda nas decisões do país. Espero que isso continue sendo uma rotina daqui para frente", afirma.