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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes é o responsável pela prisão preventiva de Filipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro.| Foto: Reprodução

A prisão de Filipe Martins, ex-assessor para assuntos internacionais da Presidência da República, completa quatro meses neste sábado (8). Desde 8 de fevereiro, quando a Polícia Federal executou a ordem de prisão dada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-presidente Jair Bolsonaro não se pronunciou sobre o caso de Martins, que ocupou um dos principais cargos de confiança de seu governo do começo ao fim do mandato.

Como vem mostrando a Gazeta do Povo, o caso empilha abusos contra o devido processo legal e se enquadra na definição clássica de prisão política. Martins está preso sem denúncia, mesmo com parecer da Procuradoria Geral da República (PGR) favorável à sua soltura, e sob a alegação de ter feito uma viagem que nunca existiu.

Desde 2022, Bolsonaro tem mencionado menos o Supremo e as decisões de seus ministros em discursos e nas redes sociais, ainda que eventualmente faça críticas ao tribunal. No dia 26 de maio, por exemplo, classificou a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de rejeitar o recurso contra sua inelegibilidade como uma "perseguição sem fim". Na sexta, postou uma matéria da Gazeta do Povo sobre os presos do 8/1.

Ao contrário do pai, o deputado Eduardo Bolsonaro se manifestou recentemente sobre o assunto. "Está sendo exigido que um inocente prove que ele não viajou aos Estados Unidos, quando numa democracia cabe ao acusador comprovar cabalmente aquilo que ele está acusando", disse o parlamentar, em referência à viagem inexistente que embasou a prisão do ex-assessor de seu pai.

Fabio Wajngarten, assessor do ex-presidente e ex-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, também já postou algumas vezes sobre o caso. "Não há nenhuma razão para a prisão do Filipe. Espera-se que as leis brasileiras sejam suficientemente claras e justas para que ele seja libertado o quanto antes", afirmou em uma dessas ocasiões. Wajngarten foi questionado pela reportagem da Gazeta do Povo sobre o silêncio de Bolsonaro em relação a Martins, mas não havia respondido até a publicação deste texto.

Em outras ocasiões ao longo dos últimos anos, o silêncio de Bolsonaro em relação à situação de aliados próximos causou incômodo em alguns apoiadores, como no caso da sua relutância, em 2021, em se pronunciar sobre a prisão dos ex-deputados Daniel Silveira e Roberto Jefferson.

Histórico do caso de Filipe Martins tem coleção de abusos contra a lei e falta de transparência

O histórico do caso de Filipe Martins tem uma coleção de ilegalidades e é marcado pela falta de transparência do Judiciário desde o início.

No dia 8 de fevereiro de 2024, a Polícia Federal prendeu preventivamente Filipe Martins durante a Operação Tempus Veritatis, que investigava a ligação dele e de outras figuras públicas com os atos de 8 de janeiro de 2023 e uma suposta tentativa de golpe de Estado. Martins foi detido na casa de sua namorada, em Ponta Grossa (PR), e conduzido à Superintendência da Polícia Federal do Paraná, em Curitiba.

A alegação da PF para prendê-lo foi que seu nome constava na lista de passageiros que viajaram em um voo presidencial com Bolsonaro no dia 30 de dezembro de 2022 rumo a Orlando, nos Estados Unidos, o que indicaria risco de fuga. No entanto, não há registros formais dessa saída.

No dia seguinte à operação, a defesa de Martins solicitou pela primeira vez a revogação da prisão preventiva, alegando falta de provas. Cinco dias depois, Moraes negou o pedido. A defesa entrou com nova solicitação em 19 de fevereiro, mostrando documentos que atestavam sua permanência no Brasil, como passagens aéreas de Brasília para Curitiba em nome dele e da mulher, datadas de 31 de dezembro de 2022, além de comprovantes das bagagens que despacharam, confirmação da companhia aérea, e fotos do casal na região de Ponta Grossa (PR).

Moraes ignorou as provas e, em 22 de fevereiro, ordenou a transferência de Martins para o Complexo Médico Penal (CMP) em Pinhais, no Paraná. Advogados e familiares não foram informados a respeito da transferência antes que ela ocorresse. "Como levam um investigado sem prova de crime e sem flagrante para um local de criminosos condenados, sem nem informar a defesa para que possa saber onde seu cliente está?", questionou o advogado de Filipe Martins, Ricardo Scheiffer, na época.

Uma hipótese levantada pelo entorno de Martins é que ele estaria sendo vítima de tortura psicológica: a Justiça o estaria mantendo preso em condições precárias com o objetivo de forçá-lo a uma delação.

Em depoimento que antecedeu a condução ao CMP, Martins havia negado a participação nas reuniões que teriam tratado da suposta tentativa de golpe e da redação de uma minuta que previa a prisão de autoridades. Também havia deixado claro que não viajou no avião que levou Bolsonaro aos Estados Unidos no fim de dezembro de 2022.

No dia 29 de fevereiro de 2024, a defesa de Martins apresentou novos documentos comprovando sua permanência no Brasil durante o período em que supostamente teria deixado o país. Em 1º de março de 2024, juristas afirmaram à Gazeta do Povo que a prisão preventiva de Martins era patentemente ilegal, destacando que fundamentações usadas para a prisão preventiva precisam ser cabalmente comprovadas.

Em 6 de março de 2024, a Procuradoria-Geral da República (PGR) emitiu parecer favorável à liberdade provisória de Martins, reconhecendo que não havia sinais de risco de fuga e que a decisão inicial pela prisão já poderia ser reavaliada. "A pretensão de relaxamento da custódia parece reunir suficientes razões práticas e jurídicas", disse a PGR.

Em 28 de março – três semanas depois do parecer da PGR –, em decisão que manteve Martins na prisão, Moraes alegou dúvidas sobre o itinerário do ex-assessor de Bolsonaro. Com isso, o ministro admitia que o principal motivo para a decretação da prisão preventiva era duvidoso – o que, por si só, já tornaria a prisão ilegal. Mesmo assim, Martins foi mantido preso.

No começo de abril, quando já estava próximo de completar dois meses na prisão, o ex-assessor de Bolsonaro escreveu uma carta a um amigo vazada para a imprensa com os dizeres: "Não delatei. Não delatarei. Porque não há o que delatar".

Em maio, Moraes rejeitou mais um pedido de soltura de Martins, alegando diligências pendentes da Polícia Federal. A defesa reafirmou que o ministro simplesmente ignora as provas apresentadas. "Já juntamos todas as provas, inclusive apresentamos três vezes a resposta que obtivemos do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Lula por meio da Lei de Acesso à Informação com a lista de passageiros que embarcou para Orlando", afirmou Scheiffer. "Mas Moraes não se manifesta a respeito dessa lista, simplesmente a ignora."

Em 20 de maio de 2024, a defesa de Martins divulgou uma nota pública acusando Moraes de cometer ilegalidades e de coagir Martins a produzir provas contra si mesmo. A defesa entrou com um agravo regimental no STF contra a decisão de manutenção da prisão, argumentando que a medida é injusta e abusiva, e apontando as diversas ilegalidades do processo.

No fim de maio, Moraes finalmente acionou o Ministério da Justiça e Segurança Pública para pedir informações ao governo americano sobre as entradas e saídas de Filipe Martins nos EUA, o que poderia confirmar em definitivo que o ex-assessor da Presidência não fez a viagem do dia 30/12/2022. O pedido ocorreu, contudo, quase dois meses depois de a PGR recomendar essa solicitação.

No dia 1º de abril, Moraes havia enviado esse pedido ao Itamaraty, o que é equivocado do ponto de vista processual, já que é preciso seguir um trâmite de cooperação internacional que exige que o pedido seja feito via Ministério da Justiça. Moraes demorou quase dois meses para corrigir o equívoco: só fez o pedido ao órgão correto no dia 28 de maio. Agora, o ministro aguarda a resposta do governo americano, que deve confirmar de forma definitiva a inexistência da viagem pela qual Martins está preso há quatro meses.

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