Quando acontece um atentado terrorista, como os de Paris no ano passado, a população espera que os governantes respondam a três questões: como foi possível acontecer isso? Sabemos quem são os culpados? Quais providências serão tomadas para que nada parecido se repita?
As respostas a essas perguntas estão todas condicionadas a outra discussão que as sociedades no Ocidente têm tido imensa dificuldade de enfrentar: a que trata sobre o hipotético equilíbrio entre privacidade e espionagem governamental. Em termos práticos, será que um chefe de Estado pode garantir a segurança nacional que a população demanda sem aumentar o estado de vigilância, sem reforçar a capacidade de bisbilhotagem das agências de inteligência em busca dos malfeitores? Se a resposta for negativa e mais espionagem for “necessária”, será que estamos dispostos a permitir que as CIAs e Interpols da vida deem uma olhadinha em dados básicos do seu WhatsApp e do meu e-mail para monitorar ou capturar os monstros do Estado Islâmico?
“Segurança e privacidade certamente não são mutuamente excludentes”, assegurou o diretor da CIA, John Brennan, em um discurso logo após os atentados de novembro em Paris. E isso é o que queremos acreditar. Mas os últimos 15 anos da chamada “guerra ao terror” deixaram claro que ainda não encontramos o equilíbrio perfeito entre privacidade e segurança, de forma que todos os lados fiquem satisfeitos. Porque as prioridades mudam ao sabor dos fatos.
Pouco depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, o Patriot Act – uma medida do governo americano que dava ampla liberdade para o governo realizar escutas eletrônicas sem mandados judiciais – foi colocado em prática com pleno respaldo popular. O trauma de um atentado pareceu fazer com que a população confiasse mais no governo para fazer o que fosse necessário para evitar tragédias semelhantes, cedendo um tantinho de privacidade.
E isso não é privilégio dos Estados Unidos. Em maio do ano passado, motivado pelos ataques terroristas de janeiro ao jornal Charlie Hebdo , o parlamento francês aprovou com ampla maioria uma lei que permite às agências de inteligência ter acesso aos chamados metadados das comunicações eletrônicas. E ,depois do massacre em Paris de novembro, o estado de emergência decretado pelo presidente Hollande deu ainda mais liberdade de espionagem ao governo. Algo impensável poucos anos antes.
É claro que em tempos de relativa calmaria a desconfiança sobre a espionagem governamental aumenta. Em 2013, quando o ex-prestador de serviços da NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA) Edward Snowden revelou ao mundo que o governo americano tinha acesso a dados de e-mails, telefones e redes sociais de praticamente todo mundo, houve um certo pânico. Não faltaram análises comparando o governo dos EUA ao “Big Brother” de George Orwell em 1984, vigiando incessantemente a população para controlá-la. De acordo com os ativistas, deveríamos esconder nossas informações de um governo com predisposições tirânicas.
E, para ser completamente transparente, o editor desta Gazeta me pediu inicialmente que escrevesse um artigo ensinando aos leitores as técnicas para despistar essa bisbilhotice governamental. É possível escrever esse guia, já que nos últimos anos surgiram uma série de aplicativos, sites e serviços que permitem usar a internet anonimamente. Exemplos: o DuckDuckGo deixa o usuário fazer buscas sem deixar rastros (ao contrário do Google); o Thunderbird tem uma opção para criptografar seus e-mails, de forma que eles só são legíveis ao remetente e ao destinatário; o Telegram, aplicativo de trocas de mensagens que é o grande concorrente do WhatsApp, é praticamente impenetrável para agências de inteligência.
Mas nada disso vem “de graça”. Essas ferramentas – e outras que têm a privacidade como ponto principal – não são tão boas, bonitas, rápidas e fáceis de usar quanto as soluções a que já estamos acostumados. Na prática, quando escolhemos sair completamente do radar de um hipotético espião, estamos cedendo comodidade. E a dura realidade para todos os ativistas ou gente que acredita em conspirações do governo é a seguinte: até agora, não está claro que o esforço vale a pena.
“Quem não deve não teme” é um ditado que soa demasiado simplista, mas depois de tanto tempo sob constante vigilância (imaginada ou real) de governos diversos, é possível arriscar esse pensamento. Porque há pouquíssimos registros de inocentes que foram confundidos com bandidos por causa da espionagem eletrônica. E é, na prática, impossível saber o que ganhamos com todo esse esforço para nos mantermos longe do radar dos arapongas – até porque o mais provável é que nunca fomos alvo.
No mesmo evento em que afirmou que privacidade e segurança não são mutuamente excludentes, o chefão da CIA disse que todos os “truques” para despistar a vigilância tornaram “excepcionalmente difícil – tanto técnica quando legalmente – o trabalho dos serviços de inteligência e segurança”. Brennan continuou: “Tenho esperança que isso [o terrorismo] acenda um alarme, especialmente em áreas da Europa onde ações foram tomadas para diminuir a nossa capacidade, fruto de um entendimento errado de como as agências de inteligência atuam.”
Se a mensagem não foi clara o suficiente, Michael Morell, antigo vice-diretor da CIA, foi mais enfático. Em uma entrevista para a rede de TV CBS, disse: “Nós tivemos um debate público, e esse debate foi definido por Edward Snowden, e a preocupação era a privacidade. Acho que vamos ter outro debate sobre isso. E ele vai ser definido pelo que aconteceu em Paris”.
É possível argumentar que coletar de forma indiscriminada dados de todo mundo, como fez a NSA, é uma estratégia burra para pegar terroristas – algo que o especialista em segurança Bruce Schneier defende brilhantemente em seu último livro, Data and Goliath. Mas isso é problema do governo, que precisa direcionar melhor a sua espionagem, e não meu e seu.
A questão então, na prática, é: você acha que a remota possibilidade de algum inocente ter sua vida devassada por espiões compensa a remota possibilidade de o governo pegar terroristas interceptando trocas de mensagens eletrônicas? A barganha me parece razoável. Precisamos voltar a ter essa conversa com menos histeria, do nosso lado, e mais transparência, do lado dos governos.
Isso não quer dizer, é claro, que o usuário deva deixar de tomar cuidados para proteger a privacidade. Escolher bem as senhas, ativar camadas extras de segurança (como confirmação por telefone), checar destinatários do e-mail e links antes de clicá-los e bloquear computadores e celulares com códigos continuam sendo dicas preciosas. Sim, Facebook e Google sabem tudo de sua vida. Certamente muito mais que qualquer governo jamais saberá. Em troca ganhamos serviços gratuitos fantásticos, e estamos ok com isso. Até surgir o próximo Snowden, pelo menos. E esquecermos dele no próximo atentado.
Pedro Burgos, é mestre em jornalismo social pela City University of New York. É autor de “Conecte-se ao que Importa: Um Manual para a Vida Digital Saudável” (editora LeYa). Mora em Nova York, onde escreve para revistas e jornais sobre tecnologia e sociedade.
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