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O número de casos na Justiça sobre denúncias de "gordofobia", nome que vem sendo atribuído a condutas de suposto preconceito contra pessoas obesas, aumentou 314% entre 2019 e 2022. Segundo a organização Data Lawyer, que compilou os dados, em 2019 foram registrados 49 casos desse tipo na Justiça; já no ano passado foram 203 processos que tratavam de gordofobia.
No período total de análise, entre 2014 e fevereiro de 2023, foram contabilizados 721 processos com alegação de preconceito contra obesos. De todos esses casos, em apenas 14,7% a Justiça apontou a denúncia como improcedente. Em 36,5% dos processos, a acusação foi considerada procedente ou parcialmente procedente.
Os dados apontam que o Judiciário tem sinalizado uma postura de acatamento a denúncias desse tipo. Segundo o estudo Obesidade e Gordofobia — Percepções 2022, publicado no ano passado pela Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) e pela Sociedade Brasileira de Metabologia e Endocrinologia (SBEM), 85,3% dos entrevistados, pessoas consideradas obesas, afirmaram terem sido alvo de algum constrangimento por conta do peso.
Por outro lado, levar alguém à Justiça por gordofobia pode ser um bom negócio. Segundo dados do Data Lawyer, os processos incluídos na análise somam R$ 172 milhões. O valor médio das causas é R$ 240 mil.
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O termo "gordofobia" ganhou força no Brasil há poucos anos quando ativistas identitários e políticos, em especial alinhados à esquerda, passaram a incluir obesos no rol de pessoas que sofreriam discriminação. Os militantes dessa causa tentam, inclusive, esconder os perigos da obesidade para a saúde. Como consequência da pressão política, o tema passou a ser judicializado com mais frequência.
Uma das campeãs de denúncias por gordofobia é a influenciadora Thais Carla, que disse ter processado mais de 20 pessoas. O litígio mais recente é contra o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG). O parlamentar compartilhou em suas redes sociais uma imagem, divulgada pela própria influenciadora, que é obesa, vestida de “Globeleza” (seminua e com acessórios de Carnaval), com a mensagem “tiraram a beleza e ficou só o Globo”. Depois disso, a influenciadora disse que entraria com um pedido de indenização de R$ 52 mil por danos morais e uso indevido de imagem. Após a repercussão do caso, o deputado publicou: “eu deveria ter tratado a obesidade como romance, como empoderamento, e não como doença (...). Onde já se viu, no século 21 ter opinião própria, né?”, ironizou.
“Eu processo muita gente, eu não dou voz, eu vou lá quietinha com a advogada, ganho meu dinheiro e tenho meu processo ganhado. E é sobre isso”, afirmou Thais Carla em um podcast, no ano passado, valorizando os ganhos financeiros com a prática.
Em um dos casos, Thais ajuizou uma ação contra uma instrumentadora cirúrgica que afirmou, em suas redes sociais, corretamente, que obesidade é uma doença. Letícia Bastos, a profissional da saúde alvo do processo, já havia criticado em outras publicações a romantização da obesidade argumentando que há diversas complicações e agravamentos na saúde em decorrência da condição física de pessoas com o porte físico da influenciadora.
“A obesidade é uma doença. Não tem nada a ver com gordofobia. Parem de mentir para as pessoas”, disse ela em uma publicação. Em outra postagem, ela destacou: “não podemos deixar que a obesidade se torne normal, natural, diante tantos casos trágicos que a gente acompanha”.
Não existe crime de "gordofobia" na legislação brasileira
Não existe o crime de "gordofobia" ou "preconceito em razão do peso corporal" na legislação brasileira, ainda que algumas situações de discriminação possam gerar consequências na Justiça.
"Uma das práticas que poderia caracterizar a gordofobia seria em uma entrevista de emprego, onde o entrevistador deixaria de contratar uma pessoa pelo fator estético, no caso a obesidade. Ou, ainda, uma discriminação no trabalho, com a obesidade sendo um impedimento para a progressão na carreira", explica o professor de Direito Processual Penal e promotor de Justiça Mauro Fonseca Andrade.
“De momento, essas condutas se caracterizam como ilícito civil, passível de provocar o pagamento de indenização à vítima. A depender da forma como o ato é realizado, poderá caracterizar o crime de difamação, mas isso tem que ser analisado caso a caso”, explica o jurista. Caso a Justiça entenda que houve crime de difamação, a penalidade pode ser de três meses a um ano mais multa.
Caso a pessoa alegue falsamente que houve prática de gordofobia, o denunciante pode ser responsabilizado criminalmente por condutas como comunicação falsa de crime ou contravenção (artigo 340 do Código Penal) e denunciação caluniosa (artigo 339 do Código Penal).
Obesidade é uma doença
A obesidade é uma doença que pode ocasionar outras comorbidades, como hipertensão, doenças cardíacas, diabetes, câncer e colesterol alto.
“Vivemos em um mundo onde as palavras têm que ser colocadas com muito cuidado. Sasber que a obesidade é um problema de saúde pública não significa ser gordofóbico ou disseminar gordofobia. Muitas pessoas precisam de atenção especializada”, afirma o médico nutrólogo e pós-graduado em Obesidade, Adriano Gourlart.
A nutricionista especialista na área de nutrição molecular, Patricia Lara, reforça que obesidade não é um problema estético, mas clínico. Segundo ela, a doença causa aumento de células que provocam inflamação, gerando desgastes nas funções circulatórias, cardíacas e no sistema operacional do corpo, como fígado, rins e pâncreas. Os hormônios sexuais também podem ser afetados por conta do excesso de peso, interferindo no ciclo ovariano da mulher e ocasionando síndromes e infertilidade.
Quanto à gordofobia, a nutricionista aponta que há grande diferença entre o uso de termos pejorativos ou críticas sem sentido e forçar um conceito de que ser obeso não é um problema, mas uma questão fisiológica normal. “Confundir má educação com um processo de proibir qualquer indivíduo falar que obesidade é doença mostra que estamos errando nesse conceito. Estigmatizar é ruim. Romantizar é tão ruim quanto”, complementa.
A obesidade, além disso, também afeta economicamente os próprios obesos e a sociedade. Uma pesquisa publicada na revista científica BMJ Global Health, por exemplo, avaliou os impactos econômicos do excesso de peso em 161 países. O estudo apontou que em torno de 88% da população terá sobrepeso ou obesidade até 2060. Já os gastos diretos e indiretos com a doença são estimados em US $218 bilhões. Os pesquisadores estimam que esse valor representará 4,66% do PIB brasileiro em 2060.