O procurador Caio Gasparini, da Procuradoria Geral do Estado (PGE) de São Paulo, está sendo processado pela corregedoria do órgão em que trabalha por ter manifestado, via Facebook, opiniões contrárias a algumas causas LGBT e a práticas homossexuais. Um processo administrativo preliminar (PAD) foi instaurado junho de 2020 e, há algumas semanas, Gasparini se tornou alvo de uma investigação preliminar por possível crime de homofobia.
O processo da corregedoria contra Gasparini também envolve ofensas que ele fez nas redes sociais contra instituições públicas como o Supremo Tribunal Federal (STF), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Defensoria Pública, a Procuradoria-Geral da República e a própria PGE. No documento, há uma lista de 18 postagens com ofensas a órgãos públicos, e outra com 14 postagens supostamente homofóbicas.
O procurador diz que o PAD foi suspenso temporariamente, depois que ele virou alvo da investigação por crime de homofobia. A investigação foi solicitada pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) após uma comunicação feita pela corregedoria da Procuradoria-Geral do Estado. No entanto, o delegado responsável pela investigação não encontrou indícios de crime.
Gasparini acredita que seu perfil no Facebook foi esquadrinhado por membros da corregedoria por perseguição ideológica, já que as opiniões só foram publicadas em sua conta pessoal na rede social. A corregedoria pede pena de demissão do profissional do serviço público por ato de homofobia e falta funcional considerada "de natureza grave".
Para o procurador, a corregedoria do órgão "foi e é utilizada para realizar controle ideológico e político sobre a vida privada de um membro da carreira, em evidente abuso de autoridade, desvio de função e assédio moral". Ele também fala em uso de órgão público correcional para investigação e controle de sua vida privada. Denuncia, ainda, "violação da liberdade pessoal de opinião, consciência, confissão religiosa e expressão para fins de intimidação e retaliação, crimes de abuso de poder e denunciação caluniosa e violação de sigilo funcional, passível sanção penal e administrativa".
"Eu nunca falei na condição de procurador e sempre tentei utilizar uma linguagem absurdamente tranquila, nunca tentei escrever como jurista", diz Gasparini.
Postagens levadas à investigação incluem críticas a livro "Meu Lugar de Fala LGBTQI+" lançado pela PGE
No total, 32 postagens feitas pelo procurador entre maio de 2019 e julho de 2020 são citadas pela corregedoria no processo administrativo. Em uma das publicações mais determinantes para a investigação, Gasparini critica o lançamento de um caderno LGBT – intitulado "Meu Lugar de Fala LGBTQI+" – por parte do Ministério Público de São Paulo, e acusa o órgão de proselitismo ideológico.
"Esse pesadelo acontece no Ministério Público de São Paulo”, afirmou Gasparini sobre o documento. "Em alguns anos, tratar de homossexualismo com crianças será tomado por trivialidade. E daí, obviamente, acontecerá o mesmo com a sexualidade em geral. E, claro, tudo num clima de promiscuidade e de 'cada um sabe o que é bom para si' e 'temos de respeitar’. É Sodoma de novo”, acrescentou o procurador.
Outro post de Gasparini contém críticas a um caderno da PGE sobre temas relacionados ao mundo LGBT. O documento continha pareceres internos sobre questões jurídicas de relações homoafetivas e apresentava símbolos do movimento LGBT, como, por exemplo, a bandeira arco-íris.
À Gazeta do Povo, Gasparini diz que os autores do material “estavam, por meio de trabalho técnico, promovendo ideologia". "Se fosse para colocar um crucifixo na capa do caderno, eles iriam achar um absurdo, e o material seria recolhido”, afirma.
Algumas postagens de Gasparini citadas no PAD nada têm a ver com órgãos públicos. Em um dos textos incluídos, por exemplo, ele criticou uma reportagem do jornal El País que lamenta a não inclusão de personagens lésbicas no filme “Frozen 2”. “Eu não consigo descrever o ódio que eu sinto pela militância gay. E obviamente este ódio não tem nada a ver com o que essa gente gosta de fazer. O ódio nasce pura e simplesmente do fato destes desgraçados estarem sempre mirando nas nossas crianças”, diz Gasparini no post.
O procurador afirma que não tem preconceito contra gays, mas faz críticas à militância LGBT. “Eu nunca disse que gay não é gente. Minha crítica é aos ideólogos", diz ele.
Processo também inclui ataques a órgãos públicos; procurador acusa viés ideológico
O processo contra Caio teve origem no começo de 2020, quando publicações feitas por Gasparini criticando órgãos como o Supremo Tribunal Federal (STF) chegaram até a Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPU-RJ), também alvo das críticas. O órgão entrou com representação contra o procurador alegando cometimento de falta funcional de natureza grave. Em março, Gasparini postou:
“No meio desta loucura, um defensor público – com certeza um bunda mole solteiro, com menos de trinta anos, com calça apertadinha na canela, que passou da jacu paga pelos pais para o serviço público – toma um nespresso e resolve entrar com uma ação aí.”
Entre as postagens citadas no processo, figuram frases sobre o Supremo como ”o STF é o cúmulo da soberba, do cinismo e da maldade” e “o STF é a banca de advogados mafiosos que fodem com o Brasil com areia e vidro moído”.
Sobre a defensoria pública, Gasparini afirma: “Se tem uma carreira que tem de ser desintegrada do mapa é a defensoria pública, em qualquer nível”. Em outra postagem, diz: “DEFENSORIA PÚBLICA É LIXO. Por si mesma é inútil. Para piorar, é, desde a raiz e a origem, um instrumento de atividade ideológica. Tinha que extinguir essa merda toda.”
Sobre a Procuradoria Geral da República, que questionou no ano passado uma diretriz do Ministério da Saúde prescrevendo a cloroquina como tratamento para a Covid-19, Gasparini diz: “Em que esgoto do inferno vai parar o desgraçado que resolveu tentar impedir a orientação de prescrever um remédio? Como é possível que não haja uma guerra para botar esses lixos para correr?”
Segundo Gasparini, o tratamento dado a ele foi parcial, pois outros integrantes da Procuradoria-Geral do Estado já se manifestaram publicamente sobre instituições públicas, inclusive se apresentando como membros da carreira, sem sofrer nenhum tipo de sanção. Os profissionais, diz Gasparini, “não poupam críticas ferozes ao presidente Bolsonaro, chegando mesmo a chamá-lo de ‘genocida’ em diversas circunstâncias”, diz, ressaltando que eles fazem isso “inclusive apresentando-se como procuradores.”
Gasparini ressalta que, em seu caso, suas manifestações se deram exclusivamente via Facebook, "ditadas por suas experiências e convicções, e no exercício de seus direitos de opinião, consciência, expressão e confissão religiosa, de conteúdo conservador, tradicional e católico".
Ele diz que jamais se manifestou na condição de procurador do Estado sobre os assuntos mencionados no processo, ainda que pudesse fazê-lo, já que suas manifestações não se referem às suas atividades funcionais. A única justificativa apresentada pelos autores do processo, de acordo com Gasparini, foi o fato de, na página inicial de seu perfil no Facebook, ele incluir informações pessoais e o nome de seu cargo, o que indicaria que ele fala na condição de procurador.
Gasparini pede a destituição do corregedor geral que apresentou a portaria inaugural pela demissão do procurador, que teria tido “propósito claro de bisbilhotar a vida pessoal e controlar as posições filosóficas e a crença” de um funcionário.
No interrogatório feito pela corregedoria, o procurador diz ter sido questionado sobre “o Catecismo da Igreja Católica, sobre a forma como me relaciono com meus filhos e, ainda, sobre que atividades realizo por hobby em minhas horas vagas”.
Gasparini diz ainda que a corregedoria teria vazado o conteúdo do processo administrativo disciplinar, que é sigiloso, para o site www.poenaroda.com.br, que teria tomado conhecimento da íntegra do procedimento após esse vazamento.
PGE e Associação de Procuradores evitam comentar processo
Procurada pela Gazeta do Povo, a corregedoria da Procuradoria Geral do Estado (PGE) de São Paulo se negou a comentar o processo de Gasparini, lembrando que, por força de lei, está impedida de tecer qualquer comentário sobre o PAD. “Os procedimentos disciplinares instaurados para apuração de eventuais infrações disciplinares imputadas a procurador do Estado terão caráter sigiloso, exceto a decisão final e a que julgar recurso ou revisão”, afirmou o órgão.
A Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (APESP) evitou comentar o caso pelo mesmo motivo, afirmando que “todo processo correcional corre sob sigilo”. Disse ainda que tem compromisso “com a livre manifestação do pensamento e com o respeito às normas protetivas da dignidade dos seres humanos” e que “na democracia, não pode haver espaço para discursos de ódio e atitudes de preconceito e discriminação em razão de raça, religião, sexo, gênero ou orientação sexual”.
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